À conversa com a minha mãe sobre maternidade

Fátima Lopes // Maio 5, 2024
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Minha mãe
Minha mãe

A propósito do Dia da Mãe, decidi que, em vez de escrever um texto com o meu testemunho, coisa que já fiz várias vezes, iria conversar com a minha mãe sobre as questões da maternidade. É uma bênção ter a minha mãe comigo e poder ouvi-la. 

Sempre disse que a minha mãe é a pessoa que conheço com mais inteligência emocional e mais sensatez. Sabe ouvir, não julga, não é preconceituosa e respeita as escolhas dos outros, mesmo que sejam muito diferentes das suas. Aqui fica o resultado da nossa conversa sobre a maternidade: 

Filha (Fátima Lopes): “Foste mãe pela primeira vez aos 23 anos. Fez agora 58 anos. Como imaginavas que seria a maternidade?”

Mãe (Amélia Lopes): “Não fazia a menor ideia. Éramos os dois muito novos. Era tudo muito novo e não havia informação disponível. Ninguém nos preparava para nada, seja sobre o que nos aconteceria fisicamente seja noutro aspecto qualquer.”

Filha: “Quando a primeira bebé nasceu, tiveste algum apoio ou ajuda para cuidar dela?”

Mãe: “Não, nada. As famílias estavam longe e também sabiam pouco. Aprendíamos umas com as outras, com as colegas, mas era tudo muito escasso porque as pessoas também não sabiam.”

Filha: “Quando nasceu a tua primeira filha, a minha irmã, não tinhas ninguém por perto que te ensinasse as questões básicas, como os cuidados com o leite, as fraldas, os banhos?

Mãe: “Não, não tinha ninguém. Não sabia como dar um banho à bebé, por exemplo. As coisas faziam-se por instinto. Sabia que tinha de alimentá-lo, vesti-lo, mas mesmo coisas como pôr o bebé a arrotar ou a posição para dormir foram todas por instinto.”

Filha: “E sobre a alimentação, como lidavas com isso inicialmente?”

Mãe: “Havia muita dificuldade. O único leite disponível tinha um cheiro terrível e a bebé não o queria. Só mais tarde começaram a aparecer outras opções que ela aceitava. Eu não tinha leite para dar. Era uma aflição terrível! Como é que eu dava de comer à minha filha? Então, o pediatra disse que se conseguisse ir a uma vacaria buscar leite fresco, podia dar uma parte de leite e outra de água. Isto era ela muito bebé. Às tantas experimentei fazer-lhe açorda com pão, um dente de alho e azeite. Abri a tetina do biberão para que passasse e a bebé deliciava-se. Tinha conseguido que ela comesse e só isso importava.”

Filha: “Mas que idade tinha a Lúcia quando começaste a dar a açorda?”

Mãe: “Apenas 3 meses.”

Filha: “A sério mãe? Tão pequenina!”

Mãe: “É verdade… mas a partir daí deixou de passar fome. Eu ia com a tua irmã às consultas com o pediatra, mas o próprio médico não nos explicava mais. Mesmo quando comecei a dar as sopas, fazia-as à minha maneira como a mim me parecia que deveria estar correto. Ninguém me explicava se estava bem ou mal. A mim valeu-me o facto de ter várias colegas no trabalho que foram mães ao mesmo tempo que eu e trocávamos experiências.” 

Filha: “Em termos de educação, como foi orientar-nos sem ter informação?”

Mãe: “Para mim o mais importante era transmitir valores, mas atenção que criar uma criança não é fácil! Às vezes, as crianças são difíceis e era necessário impor alguma disciplina. A tua irmã era muito difícil. Tirava-me do sério e algumas vezes tive de ser mais dura com ela. A verdade é que fazíamos o que podíamos e criávamos os filhos da melhor maneira que sabíamos.”

Filha: “E não há nada de que te arrependas na forma como educaste?”

Mãe: “Não. Porque eu fiz o melhor que sabia naquela altura.”

Filha: “E vivias preocupada em ser boa mãe? Isso era uma coisa em que pensavas?”

Mãe: “Sim, essa era uma preocupação que tive sempre e arrumei-a da seguinte forma: vou sempre tentar fazer o meu melhor e mesmo quando elas forem crescidas vou continuar a fazer o meu melhor e dar o que eu puder, sem ter de andar atrás delas e a controlar. Eu não tinha tempo de ir às reuniões da escola, quando vocês estudavam. Não acompanhava nada porque o tempo não dava. Sabia as notas quando elas chegavam no final do período. Se as notas eram boas, e eram, chegava. Eu não tinha tempo. Fazíamos tudo em casa, os quatro e não dava para mais.”

Filha: “Como não tinhas tempo para ir às escolas nem acompanhar o que fazíamos, às vezes questionavas-te se estarias a ser mãe suficiente?”

Mãe: “Às vezes pensava ‘se calhar devia tentar fazer mais um bocadinho’, mas a verdade é que não dava. Por isso, não sinto remorsos porque podia ter feito isto ou aquilo, porque eu sei que fiz o meu máximo. Os filhos são um bem único. Os filhos são tudo. Um amor único. Há o amor aos netos que eu não sei, se não é igual.”

Filha: “E agora, com os netos, sentes que tem sido muito diferente criar os netos em comparação com as tuas filhas?

Mãe: “Ah, sim completamente diferente. Já não trabalhava e tinha mais tempo para dedicar-lhes. Com os netos, tinha mais paciência e disponibilidade.”

Filha: “Sempre te vi a brincar muito com os netos. Achas que isso te deu a oportunidade de viver o que não pudeste fazer com as filhas, por falta de tempo e até permitiu-te viver a infância que não tiveste?”

Mãe: “Sim, com os netos voltei a ser criança e pude brincar muito com eles. E fazia-o com prazer. Divertia-me tanto ou mais que eles. Aí brincámos muito. Mesmo muito. Infelizmente na minha infância brinquei pouco devido às circunstâncias da vida.”

Filha: “Quando a Lúcia e eu fomos mães, o que sentiste ao ver-nos abraçar esse papel munidas de informação sobre a maternidade?”

Mãe: “Fiquei muito feliz por vocês serem mães. Podia não acontecer, mas felizmente aconteceu e é maravilhoso ser avó. Depois senti-me impressionada. Vocês estavam muito mais informadas e preparadas do que eu. Faziam coisas que eu nunca tinha feito nem sabia que existiam. A vossa forma de criar foi muito diferente da minha, muito mais baseada em conhecimento e menos em intuição.”

Filha: “Hoje tenho a sensação que se exige aos pais que sejam perfeitos. Qual é a tua opinião?”

Mãe: “Acho que hoje a sociedade exige demasiado aos pais. Não há pais perfeitos! Não vale a pena pensar nisso. As informações são úteis, mas o instinto maternal é fundamental. É importante manter e acreditar no instinto porque, no fim, o que importa é querer e fazer o melhor pelos filhos.”

Filha: “O que é para ti uma boa mãe?”

Mãe: “Para mim, ser uma boa mãe é dar o melhor aos filhos. Tentar dar-lhes uma boa educação, valores, princípios, amor, muito amor e os cuidados essenciais, como a alimentação, a saúde, o vestuário, etc.. Mas o mais importante de tudo é dar-lhes amor, respeitar a sua individualidade e estar sempre disponível para eles. Ser perfeito não é possível, mas o amor e a entrega de uma mãe e de um pai, são fundamentais. Outra coisa fundamental é ouvir. Ouvir os filhos e os netos. E saber respeitar a vida do jovem, do adulto, sem andar a controlar ou a meter-me. É assim que se estabelece uma relação de confiança que permite a partilha.” 

Filha: “Querias ser uma mãe que respeitasse os filhos e que lhes desse liberdade igual a responsabilidade?”

Mãe: “Queria e acho honestamente que consegui.”

Filha: “Para mim o que mais define uma boa mãe é a entrega. O amor e a entrega.”

Mãe: “O amor, a entrega e não cobrar. Dás porque queres. Fazes porque queres. Uma mãe não cobra.”

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