A preocupação da sociedade civil relativamente ao bullying tem vindo a crescer. Tal facto não será alheio aos dados divulgados pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) que apontam para um aumento de 181% de situações de bullying entre 2020 e 2022. A maioria dos comportamentos de bullying (81,7%) ocorreu nas instalações escolares e em 71% dos casos agressor e vítima eram da mesma turma.
De acordo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), o bullying refere-se a qualquer “comportamento exercido por um indivíduo ou grupo com intenção de controlar, prejudicar ou magoar alguém física ou psicologicamente”. O bullying pode manifestar-se de várias formas: enquanto intimidação, agressão ou humilhação física, psicológica, relacional ou sexual.
As causas do bullying são múltiplas e os estudos apontam para uma combinação de vários fatores. A título de exemplo, os agressores reportam muitas vezes terem sido vítimas de bullying no passado, usando o bullying como forma de quebrar o ciclo de marginalização social. O exercício do poder e domínio sobre o outro, percepcionado como mais fraco, é usado como resposta ao medo de rejeição social e como forma de reconhecimento e validação por parte de outros.
Como podem os valores contribuir para a prevenção do bullying?
Já aqui apresentámos um modelo da Psicologia que ajuda as crianças (e adultos) a tomarem uma maior consciência dos valores e do seu uso no dia-a-dia. Trata-se do modelo das Virtudes e Forças de Caráter, elaborado por uma equipa de investigadores, liderada pelos psicólogos Christopher Peterson e Martin Seligman no início deste século.
Esta equipa fez um levantamento extensivo das características mais valorizadas por diversas culturas, ao longo de diferentes épocas históricas, do qual resultou um conjunto de 24 forças de caráter, agrupadas em 6 virtudes. São elas:
- Virtude da Sabedoria e conhecimento: Pensamento Crítico, Gosto pela aprendizagem, Perspetiva, Curiosidade e Criatividade;
- Virtude da Coragem: Bravura, Persistência, Honestidade e Entusiasmo;
- Virtude da Humanidade: Amor, Generosidade e Inteligência social;
- Virtude da Transcendência: Apreciação da Beleza e Excelência, Gratidão, Esperança, Humor e Espiritualidade;
- Virtude da Temperança: Prudência, Autocontrolo, Humildade e Perdão;
- Virtude da Justiça: Liderança, Justiça e Trabalho em Equipa.
As forças de caráter traduzem-se em pensamentos, sentimentos e comportamentos. Elas constituem uma linguagem comum que descreve o que há de melhor na humanidade, refletem a nossa identidade pessoal, produzem resultados positivos para nós e para os outros (por exemplo: bem-estar, relacionamentos positivos) e contribuem para o bem comum.
Sabe-se hoje que é possível promover o uso consciente das forças de caráter desde a infância. Nas escolas, os programas anti-bullying com base no Modelo das Virtudes e Forças de Caráter aparecem consistentemente associados a menos dinâmicas de conflito bully-vítima.
Também em Portugal, num projeto implementado pela Semear Valores em 2018/19, onde participaram 183 alunos do 1.º ciclo, constatou-se que no final do ano letivo essas crianças mostravam mais comportamentos de entreajuda e menos problemas de comportamento entre si, comparativamente com alunos da mesma idade que não participaram no projeto.
E em casa, o que podem os pais fazer para cultivar as forças de caráter nas crianças e jovens?
Os pais e as famílias têm um papel essencial na promoção do uso consciente das forças de caráter.
5 sugestões para pôr em prática com os seus filhos:
1. Conheça as suas principais forças de caráter e de como as pode usar
O nosso bem-estar impacta diretamente o bem-estar dos nossos filhos! Ao conhecer as suas principais forças e procurar meios para as pôr em prática vai trazer-lhe energia e alegria e um sentimento de autenticidade. Descubra as suas forças de assinatura, através do exercício Forças 360º.
2. Tome consciência da prática dessas forças no dia-a-dia
Nós somos os principais modelos de educação dos nossos filhos. As crianças estão muito atentas a todos os nossos comportamentos, mesmo quando achamos que elas não estão a ver ou a ouvir. Por exemplo, quando um condutor de outro carro comete uma transgressão, o que diz em voz alta? É importante estarmos conscientes daquilo que pensamos, sentimos e dizemos (especialmente ao pé das crianças).
As forças de caráter traduzem-se em pensamentos, sentimentos e comportamentos. De que adianta falarmos aos nossos filhos sobre a importância do auto-controlo ou da tolerância, quando no dia-a-dia, o nosso comportamento reflete o contrário? De que adianta falarmos sobre a importância de nos sentirmos gratos quando passamos o dia a queixarmo-nos? A propósito, já experimentou passar um dia sem se queixar de nada? Ora experimente!
3. Ajude os seus filhos a reconhecer as suas principais forças e dê-lhes oportunidades para as praticar.
O seu filho/a tem as forças da Apreciação da Beleza e Excelência e da Curiosidade? Por que não organizar um percurso de orientação na natureza, com pistas pelo caminho? E se tiver as forças da Liderança e do Amor, porque não incentivá-lo a organizar um evento para a família ou para os amigos? Ao reconhecerem e usarem as suas forças de caráter, as crianças sentem-se mais amadas e confiantes, o que as torna menos propensas a dinâmicas de violência.
4. Ajude os seus filhos a reconhecer as forças nos outros
Ajudar os seus filhos a reconhecer as forças dos colegas, dos amigos e de outros adultos, promove um olhar apreciativo daquilo que é semelhante, mas especialmente do que é diferente. Faça-o de uma forma não comparativa. A ideia não é dizer: “Olha como a Joana é tão Persistente! (e tu não)”. A ideia é levá-los “apenas” a admirar as forças do outro. Pode perguntar: “Que forças achas que a Joana mostrou ao não desistir daquele trabalho?”.
A mensagem a passar é a de que todos temos uma combinação especial de forças, (interesses e aptidões) que nos torna verdadeiramente únicos! Ao ser capaz de apreciar genuinamente os outros, a probabilidade do seu filho magoar ou agredir o outro, diminui.
5. Ajude os seus filhos a desenvolver as forças de caráter menos desenvolvidas.
Há forças naturais e inevitáveis em nós. E há outras com as quais temos mais dificuldades. Está tudo certo. Somos todos diferentes.
O seu filho tem alguma dificuldade em usar a força da Empatia? O que pode fazer para o ajudar a colocar-se no lugar do outro? Experimente ajudá-lo a lembrar-se de uma situação onde ele se tenha sentido excluído ou magoado por alguém.
O seu filho tem dificuldade em usar o Perdão? O que pode fazer para o ajudar a fazer as pazes e libertar-se desse peso? (O que é diferente de insistir para que ele mantenha essa amizade)
Investigue um pouco e saiba como pode ajudá-los a crescer e a manter relacionamentos saudáveis ao longo de toda a vida!
Como podem os recursos da Semear Valores ajudar a cultivar forças de caráter?
A Semear Valores tem apostado em recursos pedagógicos que ajudam famílias e educadores formais a cultivar as forças dos próprios e das crianças com quem convivem ou trabalham.
Contar histórias é uma das formas mais eficazes de levar às crianças mensagens importantes e que ficam na memória. Assim, o livro infantil “Yuki, o robô com coração. Os Superpoderes da Amizade” tem também como propósito despertar nas crianças a consciência das suas forças e a apreciação dos outros. Foi pensado para leitores entre os 6 e os 10 anos, mas o feedback que já recebemos de várias famílias e escolas mostraram-nos que o Yuki simplesmente toca corações, não importando a idade! O livro já inspirou também uma meditação que pode ouvir aqui e criar nas crianças bem-estar.
Com o principal objetivo de descobrir, incentivar e reconhecer as crianças pelo uso das suas forças na vida diária, criámos dois produtos: o Jogo e as Medalhas Crescer em Forças! Visite a loja da Semear Valores e descubra mais sobre eles!
Quanto mais cultivarmos conscientemente a prática de forças como a gratidão, perseverança, perdão, honestidade, espiritualidade, empatia, entre outras, sobra menos espaço para comportamentos de violência e humilhação do outro.
Do que está à espera?
Bibliografia:
- Associação Portuguesa de Apoio à Vítima: https://apav.pt/apav_v3/index.php/pt/estatisticas-apav
- Burke, J., & Mc Guckin, C. (2022). Bullying and character development: An examination of character strengths associated with bullying and cyberbullying in Postprimary Schools in Ireland. Journal of Character Education, 18(1), 51-68.
- Giannouli, V. et al. (2022). Causes of bullying, different reasons for bullying and characteristics. Identity of the victims according to the bullies.European Journal of Social Sciences Studies, 8(3). Available at: https://oapub.org/soc/index.php/EJSSS/article/view/1386.
- Niemiec, Ryan M. (2018), Character Strengths Interventions: a field guide for practitioners. Hogrefe Publishing
- Ordem dos Psicólogos Portugueses: https://www.ordemdospsicologos.pt
- Peterson, C., & Seligman, M. E. P. (2004). Character Strenghts and Virtues: A handbook and Classification. New York: Oxford University Press and Washington, D.C.: American Psychological Association.