O pai no lugar que existe

Filipa Maló Franco // Março 19, 2024
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E à boleia de um positivo, os eixos alternam-se. Porque é na mulher que cresce um bebé e tendo o rei na barriga, todos os olhos se viram para a ver. Nove meses em que tudo muda. Tudo o que é visível: corpo, os enjoos, as ecografias; e o que fica por ver, a olho nu, mas que se sente. E durante nove meses se prepara o ninho, e em cursos pós-parto, consultas de acompanhamento de gravidez e jantares de família se pensa este bebe e esta mãe. E o pai ganha um papel de cuidador, que eu entendo, por um lado, mas sem nunca ter um espaço dele. E se acham que o pai não engravida, mesmo que à sua maneira, não estão certos. E apesar de as mudanças no corpo não serem visíveis, são no coração. Mesmo quando o sonhar o bebé parece difuso e as ecografias, ouvir o coração e imaginar todas as brincadeiras que um dia vão fazer, possam ajudar. E apesar de parecer que o pai possa viver esta gravidez em silêncio, também não podemos esquecer, do seu lugar – quase ingrato muitas vezes. Principalmente quando não sente o que “deveria”, ou quando é refém de expectativas – dele e dos outros -, que não correspondem. 

O pai no lugar que não existe.

E o parto, é quase sempre mais um momento da mulher. E do bebé. Que numa dança visceral e muito própria, se reencontram, agora de outra forma. E o pai, novamente, em cuidador, sente-se a ver o amor do lado de fora numa primeira instância, sonhando fazer um pouquinho mais parte dele, até sentir que pode entrar numa bolha de amor que também é dele. Mesmo com todos os momentos que lhe possam ser muito assustadores, mas que frequentemente não lhe é permitido sentir, e em silêncio, sem saber como agir, faz o que esperam dele. Ou tenta. Não esquecendo o pós-parto, que sendo mais um momento de transformação e potencial crise para quem o vive; o que o pai sente e pensa, fica frequentemente em segundo plano. 

E ninguém pergunta: e o pai? 

Olha-se para o bebé, para a mãe, mas raramente se olha um pai, que também se tem de encontrar. E a forma como pensa a parentalidade é colocada em segundo plano, porque “a mãe é que sabe” e a forma como a mãe parece conter nela um segredo infalível, que acalma só com o toque, e o pai, muitas vezes, meio perdido sem saber como responder tantas vezes. E confuso, sem saber se faz ou não faz, muitas vezes sem espaço para criar a segurança que se consegue com o erro, permanece em segundo plano, por demasiado tempo. E talvez, à boleia de umas distrações – verdadeiras ou às vezes por jeito -, e de um jeito meio tosco, como vão procurando o seu lugar, ouvem demasiadas vezes “saberias se fosses mãe”. Mas também as mães se deveriam perguntar: “e se fossem os pais?”. 

O pai no lugar que não existe. Personagem secundária de uma história de amor, sonhando ter voz. Mas sem gritar, porque não pode, vai-se cansando de falar baixinho. Recuando até ter o espaço dele. E é aqui que tudo se vai complicando, e onde as necessidades do pai e da mãe se afastam, numa comunicação por meias palavras e muitos não ditos que entalam e mais tarde, corroem. Um vínculo que se sente, muitas vezes, como personagem secundária de uma história onde é também protagonista.

O papel do pai

É verdade que a gravidez, o parto e o pós-parto não é sentido da mesma forma. É verdade que as experiências são diferentes e a forma de sentir o bebé e este novo papel também. É verdade que a atenção para o pormenor, os cuidados com o bebé, o sentir a parentalidade também difere. Mas é no equilíbrio que a mãe e o pai têm um espaço em conjunto e só deles. E desenganem-se quando mesmo meio atrapalhado, mais relaxado, com dúvidas, o papel do pai não é essencial. E é nas brincadeiras que vai encontrando a forma como aquele ser pequenino o olha, com um brilho que derrete. Como mesmo que a mãe grite aflita porque o baloiço está demasiado alto, é na gargalhada e no desafio que se perde na sintonia desta relação que cresce de forma galopante que agora sim, é só sua. E também ele parece ter poderes mágicos e uma voz que encanta. E passa a ser o herói na luta contra os monstros mais temíveis e o mais forte do mundo. 

O pai, num lugar que existe.

Hoje é o dia de olharem para ele.

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