Eu tinha quase 5 anos quando aconteceu a revolução dos cravos. Curiosamente tenho algumas memórias muito claras do dia 25 de abril de 1974.
A minha mãe estava em casa de uma senhora onde trabalhava e eu estava com ela. Percebi que, nervosas, conversavam sobre alguma coisa diferente. Ouvi falar de armas, tanques e coisas que, apesar da idade, sabia que não queriam dizer paz nem tranquilidade.
O rádio estava ligado com o som mais alto do que era normal.
A minha mãe mostrava-se inquieta, embora tentasse não deixar transparecer por eu estar ali. Às tantas percebi que estava a sugerir à tal senhora que o melhor era regressarmos a casa.
A minha irmã tinha ido para a escola e era provável que não tivesse aulas. A escola era longe de casa e ela tinha de apanhar um autocarro. A questão é que a minha mãe não sabia se havia autocarros e, nesse caso, a minha irmã, que tinha 8 anos, teria de vir a pé, percorrendo o Barreiro inteiro até chegar a casa.
A outra memória que tenho desse dia é de ver a minha mãe ainda na casa dessa senhora, a ajeitar a colcha da cama e eu do outro lado a perguntar: “Mãe, o pai vai morrer? Vai levar um tiro?”.
Isto porque juntei a informação sobre as armas com a da ausência do meu pai que tinha ido para a Lisboa trabalhar. Portanto estava lá, onde tudo estava a acontecer. A minha mãe tranquilizou-me e disse que o meu pai ia regressar no final do dia. Na verdade ela não sabia se seria assim. Os telemóveis ainda não faziam parte do nosso mundo.
A memória seguinte que tenho já é a andar às cavalitas do meu pai nas inúmeras manifestações que aconteceram a partir daí.
Lembro-me de estarmos no Parque Eduardo VII a fazer uma espécie de piquenique num dos dias das manifestações. E, acima de tudo, recordo-me da alegria. Havia muita alegria e euforia.
Fui a muitas manifestações com os meus pais e, por isso, cresci a acompanhar este despertar de um país que viveu submerso pelo peso da ditadura fascista.
Em casa sempre se falou muito sobre o que era a vida antes do 25 de abril. Os meus pais relataram-nos muitas histórias de famílias marcadas pela intervenção da PIDE e de como era viver com medo. Sim, talvez aquilo de que os meus pais mais falaram foi do peso do medo e da impossibilidade de se confiar nos outros, mesmo que fossem amigos ou até família.
Cresci a sentir que a liberdade era um bem maior. Algo que deu muito trabalho a conquistar e que exigiu a muitos que sacrificassem tudo, até a própria vida.
Somos um país democrático e livre porque existiram muitos homens e mulheres que puseram a conquista da liberdade, à frente das suas próprias vidas. Há que honrá-los e homenageá-los diariamente.
Viver num país livre e democrático é um privilégio. Lembremo-nos disso.
Estejamos atentos aos lobos em pele de cordeiro, que acenam com soluções milagrosas para o país à custa da progressiva perda dos valores da liberdade.
Nota: Fotografias por Verónica Silva