Perceber a fibromialgia

Fátima Lopes // Junho 7, 2021
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fibromialgia
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A fibromialgia é uma doença crónica que tem enormes repercussões na vida das pessoas a quem é diagnosticada. Trata-se de uma doença incapacitante que, apesar de ser reconhecida, ainda causa bastante estigma a quem dela padece.

Para fazer frente a tanta desinformação associada a esta doença, estive à conversa com Joana Vicente, Presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Fibromialgia (APJOF). 

A Fibromialgia em 6 perguntas: 

1. O que é a fibromialgia (quais os seus sintomas) e qual o seu impacto na vida de uma pessoa? 

A fibromialgia é uma doença que se caracteriza por dor músculo-esquelética generalizada, difusa, muitas vezes migratória e por um aumento da sensibilidade a uma variedade de estímulos que podem causar dor e desconforto, como o esforço, stress ou ruídos. Afeta cerca de 2-4% dos adultos, sendo mais frequente em mulheres. Pode ter períodos de acalmia ou exacerbação, sendo que a dor e desconforto podem ser flutuantes. Acompanha-se frequentemente de fadiga, alteração do sono, problemas de memória e concentração.

O impacto na vida das pessoas é bastante grande e a vários níveis, desde psicossocial, laboral, escolar, familiar, etc.. Sendo uma doença crónica cujo sintoma primário é a dor constante, é difícil ter uma vida normal. Não é impossível, quando se tem uma excelente equipa médica, tratamento adequado, família compreensiva e um emprego que não requeira muitos esforços físicos. Contudo, a realidade é outra, grande parte destas pessoas sentem uma grande dificuldade em levar a cabo as simples tarefas do dia-a-dia, e trabalhar acaba por ser bastante penoso. Além disso, nem sempre existe a compreensão em casa, devido a ser uma doença invisível.

2. Como é feito o diagnóstico? 

Resumidamente, o diagnóstico de fibromialgia é um diagnóstico clínico de exclusão e caracteriza-se pela ausência de alterações significativas no exame físico e nos exames laboratoriais e exames de imagem.

Em 2016 foi publicada Circular Normativa nº 017/2016 de 27/12/2016 (actualizada no dia 13 de Julho de 2017), que visa orientar de forma detalhada, como os profissionais de saúde devem proceder para efetuar o diagnóstico.

3. Quais são as causas de fibromialgia? É uma doença hereditária?

A origem e a causa da fibromialgia não são muito claras. Pensa-se que existe um aumento da sensibilidade à dor, devido a alterações dos neurotransmissores e do processamento da dor, tanto a nível do sistema nervoso periférico como do sistema nervoso central, que conduz a situações de hipersensibilidade a estímulos externos. O stress psicológico (preocupação, ansiedade) favorece este mecanismo, além de aumentar também a tensão que se transmite aos músculos, aumentando a dor.

No que toca à hereditariedade, é uma questão que preocupa muitos pais ou casais que querem construir uma família. Contudo, ainda não há uma resposta definitiva sobre este assunto. Segundo alguns estudos, existe uma relação forte entre doentes de fibromialgia com familiares de 1.º grau e a sua tolerância à dor e alterações de humor, mais do que em doentes com Artrite Reumatóide. Ou existe em alguns familiares diretos, algumas alterações correspondentes no genoma. É necessário mais investigação para identificar estas consequências e alterações. Contudo, é de frisar que crianças e jovens também são diagnosticados com Fibromialgia. 

4. Qual é o tratamento mais adequado? 

O tratamento adequado é algo individual. O ideal seria estes utentes terem acesso a uma equipa multidisciplinar, pois a Fibromialgia afeta vários aspetos na vida destas pessoas. 

Existem as opções de tratamento farmacológico e não farmacológico, em que os objetivos centram-se na redução da dor, a melhorar o sono, a fadiga, o cansaço, a ansiedade e a depressão. 

São usados vários tipos de fármacos no tratamento da fibromialgia, nomeadamente, analgésicos, relaxantes musculares e antidepressivos.

Para tratamentos não farmacológicos, é recomendado a Psicoterapia, exercício físico (adaptado è condição da pessoa), Yoga, Pilates, Acupuntura, Tai-Chi, Fisioterapia, etc..

5. Existe alguma forma de prevenir esta doença?

Como ainda não se sabe concretamente a causa, ainda não existe medicação/tratamento específico e, por consequência, medidas de prevenção.

Contudo, sugiro algumas coisas para ter em conta: estar atento caso tenha um familiar próximo com o diagnóstico de Fibromialgia, fazer exercício físico, ter uma boa alimentação, cuidar da saúde mental e ter boa higiene do sono. No surgimento dos primeiros sintomas, contactar os cuidados de saúde primários para um acompanhamento mais rápido e próximo, e posteriormente um reumatologista.

6. Quais são os direitos dos doentes com fibromialgia?

Segundo o Ponto 3 do Artigo 63º do Capítulo II da Constituição da República Portuguesa, “O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.” e o Artigo 64º sobre a Saúde, falam-nos de um Estado inclusivo para com toda a população. Era excelente se estas linhas fossem postas em prática para com os doentes de Fibromialgia (FM). As pessoas diagnosticadas com esta síndrome em Portugal, não conseguem obter percentagem de invalidez, pois a FM nem sequer consta na Tabela Nacional de Incapacidade (TNI), assim torna-se muito difícil ter acesso à reforma antecipada se assim o desejarem, ou candidatarem-se a algum tipo de apoio da Segurança Social. Com essa ausência de percentagem de incapacidade, também é quase impossível as entidades empregadoras acreditarem no sofrimento do seu trabalhador, pois às vezes bastava fazer pequenas adaptações no trabalho, para que a pessoa se sentisse mais confortável e continuasse a ser produtiva. É também importante a prioridade no acesso ao Sistema Nacional de Saúde (SNS) se a pessoa estiver num estado avançado da doença ou em momento de crise. São inúmeros os relatos que chegam até nós (Associação Portuguesa de Fibromialgia) de pessoas que não conseguem suportar financeiramente os encargos dos seus tratamentos, despesas de casa, etc., pois têm imensas dificuldades em trabalhar.

No acesso à educação, também há crianças e jovens a serem diagnosticadas com FM, muitas das vezes é difícil para eles fazer Educação Física por exemplo, ou serem assíduos às aulas devido às crises. É fundamental que as escolas insiram estes alunos nas Necessidades Educativas Especiais, para que sejam criadas medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, para que o rendimento académico não seja de todo condicionado pela FM. Mas, nem todas as escolas aceitam fazê-lo, pois trata-se de uma patologia que “não se vê”. 

Estima-se que 1,7% da população sofra de FM (EpiReumaPT), ora são 1,7% de pessoas que estão desamparadas, que não sabem a quem recorrer para subsistir e ao mesmo tempo tratar a sua doença.

A Fibromialgia é uma Doença Reumática, que foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com os códigos CID-10 M79,7 e MG30.01, e em Portugal, pela Direção Geral da Saúde (DGS), em 2003, através da Circular Informativa nº 27/DGCG de 03/06/2003. Sendo uma patologia reconhecida e estando nós num país onde, na Constituição, consta que o Sistema de Segurança Social e o Estado está incumbido de assegurar a proteção da saúde e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, é impressionante como em 2021 isto ainda aconteça!

Acredito que estas situações persistem, pois, a FM ainda é pouco aceite pela sociedade médica em geral, apesar do seu reconhecimento. Devido a esta questão, juntamente com a Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas e a Associação Nacional de Profissionais de Saúde em Reumatologia, estamos a desenvolver uma investigação sobre a “Desvalorização das Doenças Reumáticas no Contexto da Saúde”. 

Apesar de ser uma doença invisível, ela existe e condiciona imenso a vida destas pessoas, que querem ser membros ativos da sociedade independentemente da sua condição, mas precisam de ajuda de alguns meios para tal.

Tem sido uma dura e inglória batalha das associações nacionais para mudar este paradigma. É preciso união dos doentes e que profissionais de saúde, políticos e afins que acreditem nesta patologia se cheguem à frente e lutem lado a lado connosco.

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