As diferentes fases do sono

Tiago Sá // Abril 15, 2024
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sono
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The death of each day’s life, sore labour’s bath,

Balm of hurt minds, great nature’s second course,

Chief nourisher in life’s feast.”

Macbeth (2.2.50-52)

No início do século XVIII, William Shakespeare captou de forma sublime as funções que hoje atribuímos ao sono, destacando o seu papel restaurador no corpo e no cérebro e, ainda, a sua importância para a vida na natureza. Foram necessários mais três séculos para que os cientistas pudessem comprovar as epifanias de William Shakespeare.

Mas então, o que é o sono? 

O sono pode ser definido como um estado rapidamente reversível no qual ocorre redução da atividade motora, perda de consciência e aumento do limiar de resposta a estímulos externos. Assim, durante o sono habitualmente não nos movemos nem interagimos com o meio envolvente. No entanto, podemos acordar rapidamente em reação a estímulos mais intensos, como, por exemplo, quando alguém nos abana ou faz um barulho à nossa volta. Outra importante característica do sono é a sua regulação homeostática, o que quer dizer que sempre que somos privados de sono o nosso corpo tenta recuperar o sono «perdido», demonstrando assim a sua fundamental importância.

O que aparenta ser um período de total quiescência é na verdade um estado de intensa atividade cerebral, durante o qual assistimos a uma dança entre dois tipos de sono – o sono REM (rapid eye movement) e o sono não-REM. 

A definição dos diferentes estádios de sono assenta, predominantemente, na caracterização da atividade elétrica cerebral através da colocação de elétrodos em pontos específicos do couro cabeludo que registam diferentes ondas cerebrais. 

O sono REM é caracterizado pelo movimento rápido dos olhos sob as pálpebras fechadas, ondas cerebrais rápidas e de baixa voltagem e atonia muscular (paralisação dos músculos, à exceção dos músculos oculomotores, coração e diafragma – essenciais para manter a respiração e a circulação sanguínea). Por oposição, o sono não-REM é caracterizado por ondas mais lentas e de maior voltagem. 

Nos humanos, os tipos de sono são geralmente mais perceptíveis do que noutros animais. 

Assim, nestes, é ainda possível subdividir o sono não-REM em três estádios distintos – N1, N2 e N3 – do sono mais superficial para o mais profundo. A dança de que falamos organiza-se em quatro a seis compassos (ciclos) com uma duração e conteúdo de sono REM e não-REM variáveis ao longo da noite. O estádio N1 marca o início do primeiro ciclo de sono. Após um período no estádio N2 e outro em sono profundo, este ciclo termina em sono REM. Ao contrário do primeiro, a presença de sono N1 é rara nos ciclos seguintes. Em média, estes ciclos do sono duram 90 minutos e aumentam progressivamente de tamanho. Na primeira metade da noite há uma quantidade maior de sono não-REM profundo e no final da noite o sono REM torna-se predominante.

Elegantes teorias sobre as funções de cada tipo de sono foram apresentadas nas últimas décadas. Muitas foram contestadas por falta de evidência científica robusta, mas outras resistiram até aos dias de hoje. 

A conservação energética é uma das funções atribuídas ao sono não-REM de ondas lentas, uma vez que se observa uma redução de 40% do metabolismo cerebral nesta fase do sono. Neste estádio, também ocorre um aumento significativo da produção de hormona do crescimento, fundamental para um desenvolvimento e envelhecimento saudáveis. O sono não-REM tem também um papel decisivo na consolidação de memórias declarativas – recordação de acontecimentos, pessoas, lugares ou informações.

Por outro lado, o sono REM desempenha um papel central na consolidação de memórias não-declarativas, essenciais para quem pretende tocar um instrumento, andar de bicicleta ou acertar com um dardo no centro do alvo. Alguns investigadores demonstraram ainda a importância do sono REM para o processo criativo. 

Num estudo publicado em 2002, Matthew Walker, um reconhecido investigador e professor de Neurociências e Psicologia na Universidade da Califórnia, reportou um ganho de 32% na capacidade de resolução de anagramas em indivíduos que foram acordados durante o sono REM. O seu trabalho também permitiu destacar o papel do sono REM na consolidação de memórias com elevada carga emocional. Uma das suas teorias mais fascinantes, e fundamentada por estudos de ressonância magnética funcional e eletroencefalograma, é o papel do sono REM na modulação da carga emocional de determinadas memórias, contribuindo para a recuperação de experiências traumáticas.

Mas mais importante do que a atribuição de funções a cada fase do sono é percebemos que todas são essenciais para uma boa noite de sono.

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