Na minha prática clínica, e sobretudo desde que escrevi o meu livro “Não é Amor, é uma relação tóxica”, muitas mulheres e homens procuram-me com dúvidas sobre se estão em relações com pessoas narcisistas ou se estão simplesmente confusas, e vêm em busca de compreensão, pois não se sentem felizes, acolhidas e respeitadas nos seus relacionamentos.
Maioritariamente, estas pessoas sentem vergonha de si mesmas por estarem em relações onde se sentem agredidas; sentem zanga por não conseguirem sair; sentem culpa pela relação ser tão negativa e destrutiva; e sentem angústia por estarem convictas de que não conseguem viver sem a pessoa que as maltrata, mas em quem procuram todo o apoio.
Poucas estão verdadeiramente conscientes de que foram vítimas de love bombing, arrastadas rapidamente para uma relação que parecia ser tudo o que nunca seria: amorosa, cuidadora e feliz. É por isso que gostava de partilhar algumas ideias que possam contribuir para que quem viveu tudo isto possa compreender melhor o que são pessoas com características narcisistas e o que são relações tóxicas.
Relações saudáveis vs. Relações tóxicas
Se uma relação saudável é afetivamente nutritiva, potenciadora do desenvolvimento de cada um dos seus elementos, positiva e luminosa, uma relação tóxica, pelo contrário, é negativa, desgastante e prejudicial para o bem-estar da vítima, que vê obstaculizado todo o seu projeto de crescimento individual e até de expressão pessoal.
A pessoa tóxica apresenta comportamentos de falta de empatia persistente, manipulação, falta de respeito por si e pelos limites saudáveis do seu parceiro ou parceira; bem como instrumentalização deste, esperando que ele se comporte sempre, e apenas, em função das necessidades do parceiro tóxico. Note que a pessoa tóxica considera a outra pessoa um prolongamento de si, ao seu “serviço” e, por isso, não tem qualquer intenção de cuidar verdadeiramente do outro ou de considerar a necessidade de reciprocidade.
Impacto da falta de empatia e da manipulação
Esta falta de empatia faz com que o parceiro se sinta incompreendido, isolado e desvalorizado, gerando um sofrimento intenso que é internalizado pela vítima. Tudo isso destrói o amor-próprio e cria crenças negativas acerca de si mesma,que a destroem lentamente nas várias facetas da sua vida.
Além disso, nestas relações, existe um exercício de poder e controlo bastante exuberantes que têm como objetivo o controlo do outro: das suas circunstâncias, relacionamentos, comportamentos e até pensamentos e opiniões. Estas características revelam a falta de aceitação, o desrespeito e a desvalorização presentes nessas relações — tudo o que o amor não é.
O ciclo destrutivo de uma relação narcisista
Como pode perceber, a esta dinâmica relacional faltam todos os pilares básicos de uma relação verdadeiramente de amor, tornando-se nefastas para a auto-estima, identidade, energia e saúde mental de quem vive esta disfuncionalidade relacional.
Bom, se é tão simples e tão negativo, então «só» temos que sair da relação, não é?
Não, habitualmente, não é bem assim que acontece; trata-se de um fenómeno bastante mais complexo do que isso. É importante que tenhamos esta realidade bem clara, para que as vítimas de relações tóxicas não se sintam culpabilizadas pelo que estão a viver, ou viveram no passado.
A dinâmica da vítima e do narcisista
Grande parte das relações tóxicas são estabelecidas entre alguém com características de personalidade egocentradas e alguém que sente que deve suportar as agruras do amor, para com isso provar o seu merecimento e a sua capacidade de viver amor verdadeiro. O problema é que estas relações não são de amor verdadeiro e, mesmo que passe toda a sua vida nesta relação, este sentimento de merecimento do amor nunca será possível, conduzindo a vítima para um estado de cada vez maior fragilidade.
As pessoas com características narcisistas são, regra geral, sedutoras; alguém que conquista a simpatia dos outros e que tem a habilidade de ir ao encontro dos interesses e necessidades deles, como forma de os conquistar. Nas relações amorosas, estas pessoas tóxicas seduzem intensamente porque parecem “sonhos tornados em realidade” que geram paixão intensa na outra pessoa e, como tal, esta vai investir neste relacionamento e nas expectativas de que ele seja “perfeito”.
A escalada do conflito e o desgaste emocional
Com o passar do tempo, estas relações começam a viver cada vez mais períodos de comunicação negativa, desqualificação, agressividade emocional e verbal. Para além disso, a relação é cada vez mais unilateral: não existe espaço para os dois uma vez que o parceiro tóxico tem a expectativa de ser constantemente admirado e notado, ouvido e aceite.
A relação torna-se cada vez mais conflituosa, as reações cada vez mais negativas com a irritabilidade e a crítica do parceiro narcisista na ordem do dia. O outro elemento do casal sente que não há espaço para si e para os seus gostos, que nada do que faz está correto, que os seus sucessos são desprezados e até ridicularizados, os seus estados emocionais incompreendidos e desvalorizados, e a sua única função na relação parece ser a de regular os estados emocionais do parceiro tóxico, em qualquer momento e independentemente dos seus próprios estados.
O impacto na saúde mental da vítima
Em pouco tempo, a vítima começa a acreditar que não tem valor ou merecimento, que internaliza as dificuldades de comunicação, a crítica e a agressividade da relação, como sendo culpa sua e de todas as incapacidades que o seu parceiro ou parceira lhe apontam. Coloca em si a responsabilidade unilateral de ter perdido “aquele lado” sedutor, agradável, “perfeito” que ele mostrava na fase de sedução, pelo que continua a tentar ser melhor para rever essa fase da relação em que tudo parecia correr bem.
Em paralelo, e como referi, a identidade da pessoa que vive estas relações está cada vez mais fragilizada e carente de amor-próprio e valorização. Por tudo isto, e a violência experienciada, o sofrimento emocional que a vítima sofre é exponencial.
Na maioria dos casos, as pessoas desenvolvem depressões, incapacidade de tomar decisões, falta de confiança nas suas capacidades, quebra do desempenho laboral, isolamento e afastamento total dos amigos e familiares, ausência de qualquer tipo de autocuidado; e também um sentimento de não conseguirem viver sem este relacionamento que gera uma angústia tão intensa e marcada que impede a pessoa de conseguir identificar e preencher as suas próprias necessidades internas de afeto e de respeito, e até de sobrevivência.
A importância da ajuda e do apoio especializado
Como referi inicialmente, estas pessoas ficam muito confusas acerca do que está a acontecer com elas. Sentem-se sozinhas, incompreendidas e não têm condições emocionais para alavancar uma mudança na relação que as ajude a reconhecerem-se, como eram antes: alegres, bem-sucedidas, cuidadosas não só consigo próprias e ativas na sua rede de suporte social. Muitas destas pessoas estão tão perdidas e isoladas que não sabem como pedir ajuda.
O apoio de familiares e amigos é muito importante, e a ajuda especializada pode ser determinante, uma vez que estas relações representam um processo muito diferente de uma relação de amor, e sair delas representa muito mais do que um luto por uma relação saudável que foi vivida e terminada.
Um caminho de recuperação e esperança
É verdade que se trata de um processo longo e doloroso em que a sua experiência amorosa e de confiança nos outros será revista e trabalhada. Crenças como “o amor exige sofrimento” ou “o amor vai mudar a outra pessoa” precisam de ser substituídas e amadurecidas.
Só assim será possível vivenciar uma mudança que regenere a esperança e permita experimentar o verdadeiro amor, reconhecimento e cuidado, e integrar a convicção de que se é digno de tudo isto.