Mais do que ensinar a comer bem, o “Mesa de Sabores” promove encontros com sabor a tradição e partilha. Neste projeto da Odiana, seniores e crianças cruzam caminhos, histórias e receitas, numa celebração da Dieta Mediterrânica como património vivo e ferramenta de inclusão.
A Associação Odiana é uma entidade sem fins lucrativos fundada em 1998, com sede no Algarve, em Portugal, e representa os municípios de Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António. A sua missão passa por promover o desenvolvimento sustentável do Baixo Guadiana, uma sub-região situada na fronteira entre Portugal e Espanha, com uma atuação centrada na cooperação transfronteiriça, no turismo sustentável, na valorização do património natural e cultural, e na inclusão social e desenvolvimento rural.
Ao longo dos anos, a Odiana tem concretizado diversos projetos financiados por programas europeus, como o INTERREG, fomentando a coesão territorial e o intercâmbio entre comunidades vizinhas. Um dos projetos mais recentes é o “Mesa de Sabores”, desenvolvido desde 2024 com o apoio da 6.ª Edição dos Prémios Caixa Social, financiada pela Caixa Geral de Depósitos.
Um projeto à mesa, com tradição e afetos
O “Mesa de Sabores – Valorização da Dieta Mediterrânica” nasce da vontade de unir gerações à volta da mesa — espaço de encontro, de troca de estórias, aprendizagens e vivências — tendo como fio condutor a Dieta Mediterrânica. A escolha não é aleatória: Portugal é, desde 2013, um dos países com a Dieta Mediterrânica reconhecida como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. A decisão baseia-se na nossa herança cultural e geográfica, como bem escreveu Pequito Rebelo no livro A Terra Portuguesa (1929), ao considerar Portugal “Mediterrânico por natureza e atlântico por posição”.
Apesar da influência atlântica, são evidentes no país os traços mediterrânicos, sobretudo no sul, onde o clima, a paisagem, a gastronomia e as tradições revelam essa identidade com mais intensidade. O Algarve, com os seus sabores, modos de vida e práticas ancestrais, surge como o cenário natural para este projeto.
Dieta Mediterrânica: mais do que comida
De acordo com a UNESCO, a Dieta Mediterrânica é «um conjunto de competências, conhecimentos, práticas e tradições relacionadas com a alimentação humana, que vão da terra à mesa, abarcando as culturas, as colheitas e a pesca, assim como a conservação, transformação e preparação dos alimentos e, em particular, o seu consumo». Este modus vivendi é também conhecido por ser um modelo salutogénico que engloba um estilo de vida ativo, hábitos alimentares saudáveis e um forte respeito por aquilo que a natureza nos dá.
No entanto, mesmo com esta forte herança cultural, tem-se verificado em Portugal uma diminuição gradual na adesão ao Padrão Alimentar Mediterrânico coincidindo, curiosamente, com o aumento de doenças crónicas, perda de qualidade de vida e morte prematura. Assim, de forma a contribuir para a melhoria do estado de saúde de dois dos grupos mais vulneráveis da sociedade – população infanto-juvenil e população idosa – o “Mesa de Sabores” tem em vista capacitar os seus beneficiários para a adoção de escolhas mais conscientes e informadas em saúde, com base nos princípios da Dieta Mediterrânica em Portugal.

No decorrer do projeto têm sido desenvolvidas sessões de capacitação inseridas em três atividades principais: Sabores, Saberes e Sentir.
Nas sessões de capacitação Sabores, destinadas às duas populações-alvo em simultâneo, são trabalhadas as suas competências e conhecimentos culinários. Nestas mesmas sessões, os idosos são os principais responsáveis por ensinar as crianças a preparar receitas mediterrânicas típicas da região algarvia que respeitem a sazonalidade, cozinha simples, produção local e a tradição gastronómica.
Paralelamente, na atividade Saberes, têm sido desenvolvidas sessões de capacitação desta vez para os dois grupos populacionais em separado, cujo principal objetivo é promover a educação em saúde dos beneficiários, mais concretamente a educação alimentar, por forma a contribuir para a diminuição da iliteracia em saúde.
Já no eixo de intervenção Sentir o principal objetivo é promover e valorizar a cultura e a transmissão de conhecimentos entre os dois públicos-alvo através do artesanato algarvio e de práticas mais ecológicas, isto é, os idosos são responsáveis por ensinar e estimular o contacto das crianças com a arte algarvia, como o artesanato, e as crianças têm nas mãos a responsabilidade de ajudar os idosos a adotar hábitos nas suas rotinas que sejam mais amigos do meio ambiente, como é o exemplo da reciclagem.



O “Mesa de Sabores” está a ter um impacto significativo na coesão social da comunidade, reforçando os laços entre gerações e reduzindo o isolamento dos idosos.
Ao envolver os seniores como transmissores ativos de saberes tradicionais, promove-se a sua autoestima e protagonismo, valorizando o seu papel na sociedade. Paralelamente, as crianças e jovens beneficiam de um verdadeiro processo de empowerment, ao aprenderem com a experiência e sabedoria dos mais velhos, desenvolvendo respeito intergeracional e consciência cultural. Estas trocas originam momentos de partilha únicos, que contribuem para a dinamização cultural e social da região, valorizando a identidade local e promovendo a participação ativa de diferentes grupos da comunidade.
Ao longo do projeto, têm sido evidentes os efeitos positivos desta aproximação entre gerações. O envolvimento de todos é sentido em cada sessão, onde os laços se estreitam e surgem momentos de verdadeira partilha. As crianças aprendem, escutam e observam com respeito e admiração. Os idosos sentem-se valorizados, protagonistas de um saber que importa preservar.
Ao promover uma alimentação mais consciente e saudável, o projeto atua na prevenção de doenças, mas também na coesão social. Combate o isolamento dos mais velhos, desperta nos mais novos a curiosidade pelas suas raízes e reforça o sentimento de pertença a uma comunidade.
A Dieta Mediterrânica é também um modelo de sustentabilidade.
O incentivo ao consumo de produtos sazonais, de origem vegetal, e de proximidade reduz os custos ambientais, promove circuitos curtos de distribuição e combate o desperdício alimentar. A tradição culinária, passada de geração em geração, ensina-nos a aproveitar melhor os alimentos, com criatividade e respeito pelo que a terra dá.
No âmbito do projeto “Mesa de Sabores”, estas práticas são ensinadas de forma prática, durante oficinas culinárias e atividades comunitárias. Os idosos transmitem técnicas e receitas, mas também valores, e os mais novos recebem esse legado com entusiasmo.
Quanto maior a consciencialização da comunidade, maior a sua capacidade em tomar decisões conscientes e responsáveis em prol de um melhor estado de saúde.
Este é um dos principais impactos esperados quando realizamos atividades que visem promover hábitos alimentares mais saudáveis, para que futuramente os indivíduos possam, sozinhos, aprender a ter comportamentos mais benéficos para a saúde.
Claro está que a consciencialização e capacitação da comunidade, por si só, não é suficiente para diminuir a carga de doença associada a uma alimentação inadequada em Portugal, e, consequentemente, criar grandes mudanças no atual panorama de saúde português. Contudo, aliada a outras intervenções como a melhoria dos ambientes alimentares, poderá, certamente, criar impactos positivos a nível individual, social e comunitário, económico, governamental, e, não menos importante, ambiental.
O “Mesa de Sabores” é muito mais do que um simples projeto gastronómico. É um verdadeiro motor de transformação social.
Une gerações, valoriza o património imaterial, combate o isolamento e fortalece vínculos. Iniciativas como esta demonstram como a cultura alimentar pode funcionar como elo intergeracional e pilar de desenvolvimento local, promovendo inclusão, bem-estar e identidade. A experiência reforça, assim, a importância de replicar e expandir este tipo de práticas, essenciais para construir comunidades mais saudáveis, conscientes e coesas. E, acima de tudo, revela que, quando nos sentamos à mesa com os outros, criamos muito mais do que refeições: criamos comunidade.
Texto escrito por: Catarina Cavaco, Diretora Executiva da Odiana, e Marta Salas, Técnica de Projetos na Odiana.
Notas:
. As atividades mencionadas no texto foram dinamizadas entre os alunos do Agrupamento de Escolas de Alcoutim – Escola Básico Professor Joaquim Moreira, em Martim Longo, e utentes seniores que frequentam a Universidade Sénior de Alcoutim.
. Todas as imagens foram disponibilizadas pela Associação Odiana.