Brain Rot: Como o consumo de conteúdos digitais triviais está a “desligar” o nosso cérebro

Vasco Catarino Soares // Abril 24, 2025
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Brain Rot
Brain Rot

O termo Brain Rot, que se pode traduzir como “apodrecimento cerebral”, é de uso recente e está intimamente ligado ao uso das redes sociais. Está relacionado com uso excessivo do expediente de fazer scroll nas plataformas digitais, o que é o mesmo que dizer: fazer uso excessivo (durante muito tempo e muito frequentemente) da observação de pequenos segmentos de informação com pouco conteúdo. Muitas vezes com carácter lúdico e pouco exigente com a veracidade da informação veiculada. 

O problema não está propriamente no acto de fazer scroll (navegação infinita), mas antes no hábito que isso cria e na ânsia de querer ver sempre mais e mais, sem que os espectadores se sintam satisfeitos e deem a tarefa por concluída. Isto acaba por se tornar num vício, que promete a satisfação pessoal, porém esta nunca chega e as pessoas sentem-se compelidas a continuar incessantemente nesta actividade. Enquanto em qualquer outra actividade humana existe um propósito e uma conclusão, neste comportamento em particular parece não existir essa objectividade. Para que seja mais claro, vejamos o mecanismo normal da actividade humana

  1. fazer algo para alcançar um objectivo; 
  2. verificar se o objectivo foi alcançado;
  3. se sim cessa atividade, se não continua até atingir o objectivo.  

No caso do scroll infinito nas redes sociais, parece faltar os passos mencionados. A actividade continua sem a verificação do cumprimento dos objectivos (porque não há objectivo claro) e, por isso, também não há a necessidade de fechar a actividade. 

Alguns irão argumentar que é uma actividade lúdica e que, por isso, não há objectivos. Respondo a essa formulação com a afirmação de que, do ponto de vista do funcionamento psicológico do ser humano, toda a actividade tem um propósito; toda a atividade visa obter algo. No caso de uma actividade lúdica, trata-se de obter gratificação, satisfação ou prazer. No entanto, parece que as pessoas que estão envolvidas nesta actividade da busca contínua nas redes sociais não conseguem obter o sentimento de satisfação que as faça parar. E consequentemente, mantêm-se nesta actividade sem obter o desejado prazer, nem algo significativo, em termos de aprendizagem ou informação útil.

Neste ponto, vamos ater-nos à outra característica que torna esta actividade pouco favorável ao autodesenvolvimento: o conteúdo informativo é muitas vezes pobre e falso (não conforme com a realidade/verdade). O objectivo de quem cria este tipo de conteúdo é o de alcançar um maior número de visualizações. Ora, tendo as redes sociais alguns anos de existência, foi-se percebendo que conteúdos curtos e muito focados (logo pouco abrangentes), centrados em produzir choque ou espanto eram os conteúdos que mais atraiam as pessoas, precisamente por terem essas características de rapidez e intensidade. Porém, não são estes os conteúdos que trazem informação verdadeiramente útil ou que promovem a capacidade de análise e reflexão, que são as faculdades que estimulam o desenvolvimento cerebral. 

Aqui relembro que o cérebro é estimulado e activado para o desenvolvimento pela actividade que lhe damos (pensar, resolver problemas, analisar a informação, etc.). Exactamente o que parece faltar na actividade de scroll

Brain Rot – Consequências para o cérebro

Assim, podemos afirmar que o Brain Rot, como consequência da actividade excessiva de scroll nas redes sociais, leva a que haja uma diminuição das capacidades cognitivas humanas. Primeiro, pelo facto de não estimular as redes neuronais correspondentes às funções cerebrais, como são exemplo o foco de atenção, a concentração, a memória e a flexibilidade mental. 

Depois, porque cria um hábito de consumir segmentos de informação muito curtos (típicos destas plataformas digitais), incapacitando os indivíduos de suportarem informação mais longa e que exija análise, comparação e reflexão. Neste âmbito, sabe-se que actualmente a capacidade para manter a atenção focada nos segmentos das redes sociais (attention spans) é de cerca de 3 a 5 segundos, ao passo que nos anos 2000 este valor situava-se nos 14 a 18 segundos – uma diminuição acentuada. 

Ora, o cérebro das pessoas hoje é o mesmo que nos anos 2000. O que se passou foi o efeito de habituação às coisas rápidas e curtas, típicas das plataformas digitais. E esta habituação levou a que haja uma certa impaciência em relação a conteúdos mais longos (mas com melhor qualidade informativa). A consequência máxima é a de estarmos mais mal informados e com um cérebro pouco estimulado, o que de certo modo nos deixa menos capacitados que as gerações que não estiveram sujeitas a este fenómeno. 

3 Principais consequências do Brain Rot:

1. Diminuição da capacidade de concentração

A concentração caracteriza-se pela possibilidade de manter a capacidade de atenção num estímulo ou actividade por longos períodos. Como é sabido muitas das actividades humanas exigem capacidade de concentração. Exigem-no porque são mais complexas, compostas de encadeamentos e sequências de acções: observar o que já está feito, o que falta fazer, o que se deve fazer primeiro e o que se deve seguir, quando já está terminada a tarefa e se é necessário corrigir algo. 

Quando, como acontece actualmente com o fenómeno de Brain Rot, a concentração humana se vê diminuída isso significa que teremos maior dificuldade para realizar estas actividades que nos são indispensáveis. Na realidade, o nosso cérebro não perde a sua massa de neurónios (as unidades de funcionamento cerebral), mas perde-se a diversidade de ligações entre estes neurónios, o que faz empobrecer as funções cognitivas do mesmo. 

Esta é, à primeira vista, a maior consequência do Brain Rot: a perda de capacidade de concentração. Se a capacidade de concentração se vê diminuída, daí derivam impactos reais para a vida das pessoas, que de um modo geral se concretizam em menor capacidade para lidar com tarefas ou acções mais complexas e menor motivação para iniciar seja o que for. 

2. Memória afectada

Memória é a capacidade de manter informação ao nível do consciente para uso imediato e também de armazenamento de informação a longo prazo (anos) para recuperação posterior. Ainda que seja uma função cerebral distinta da anterior, para que se possa realizar da melhor forma, precisa de uma boa recolha de informação, que é precisamente o trabalho realizado pela função de Atenção e Concentração. Melhor dizendo: para que alguém possa memorizar (armazenar informação) e depois, mais tarde, recuperar essa informação é imperioso que tenha existido uma aquisição integral dessa mesma informação (prestar atenção e manter a concentração).   

A nossa capacidade de memória, tal como as outras, depende de a exercitarmos. Exercitar é realizar frequentemente estas funções. Parece paradoxal, porém é exactamente o que resulta melhor. Isto poderia resumir-se na frase: se queres ter uma melhor memória pratica a memorização. É isto que parece estar a faltar quando falamos de Brain Rot, ou melhor, quando falamos do hábito de praticar scroll e consumir conteúdos rápidos, superficiais, com pouca substância e que exigem pouca reflexão. O que fica a faltar é a exercitação da massa neuronal do cérebro. São conteúdos que não exigem pensamento: estão prontos a consumir com uma imediata satisfação (pouco duradoura) e que levam à rápida transição para o próximo conteúdo, que tem exactamente as mesmas características. 

3. Pouca flexibilidade mental

A flexibilidade mental passa pela facilidade em mudar de tarefas quando tal se impõe. Trata-se de mudar os processamentos mentais para executar tarefas diferentes das que se estava a realizar. De um modo geral, abdicar de ideias, pensamentos, condutas de acção e mudar para outras tantas com alguma rapidez. Esta aptidão pode ser necessária em algumas situações de vida. 

Um exemplo é quando insistimos em algo que temos como correcto, sejam ideias ou condutas, e não está a dar o resultado que desejamos. Nesse caso temos de analisar a situação e procurar uma outra resposta, o que implica capacidade para abandonar a convicção presente e procurar uma nova, em vez de insistir na mesma. 

Outro exemplo é o que se verifica quando uma acção que empreendemos já está concluída e torna-se necessário continuar, para terminar uma tarefa inacabada, com outra acção diferente; aqui é imperativo mudar rapidamente toda a nossa mentalidade para iniciar um tipo diferente de actividade. Em ambos os casos colocamos em jogo a flexibilidade mental.

No entanto, quando observamos a actividade de scroll não notamos que ocorra o exercício da Flexibilidade mental; verificamos que há uma atitude estática e expectante: o consumidor apenas observa, sem realizar qualquer movimento significativo de análise e reflexão. Ainda que o espectador entre em contacto, rapidamente, com muitos conteúdos, não exerce qualquer outra actividade significativa que não seja observar. E isso não promove desenvolvimento cerebral. 

Brain Rot – Como recuperar o seu cérebro?

Apesar das consequências do scroll – que tanto são promovidas pelas plataformas digitais como pelo comportamento dos usuários – se revelarem negativas, elas não são definitivas. É sempre possível reverter estes efeitos pouco benéficos para o cérebro humano. Esta situação pode ser contrariada, menorizada e ultrapassada. 

Veja nestas consequências negativas um sinal que serve de aviso para a necessidade de tomar medidas, para passar à acção. O cérebro é plástico. Ou seja, podemos reeducá-lo e fortalecer as nossas capacidades cognitivas com hábitos simples e conscientes. Eis algumas estratégias:

1. Consumo regrado de plataformas digitais

O consumo regrado, como o nome indica, passa por não se perder numa navegação sem propósito ou limites. Não se deixe apanhar na armadilha de ir vendo mais uma postagem ou mais um vídeo, sem que isso lhe sirva para algum propósito além do simples consumo indiscriminado. No fundo, trata-se de se engajar numa actividade consciente, escolhendo conteúdo que realmente agregam algum valor. 

Deve começar por definir que conteúdos realmente lhe interessam, substituindo o navegar que lhe é imposto pelo feed das plataformas digitais. Ao definir o que é do seu interesse, já tem um objectivo, que pode tentar seguir, sem se perder com outros conteúdos que forneçam pouco estímulo cognitivo. 

Também, deve estabelecer que tempo está realmente disposto a despender nas redes sociais e, estabelecido este tempo, ater-se a esses limites temporais diários. Isso irá impedir que se perca no tempo e dê por si a gastar horas do seu dia. 

Isto não quer dizer que tenha de abdicar de algum tempo para a diversão. Mas alerto que deverá estabelecer, também, limites para essa actividade. 

Procure ler livros ou conteúdo digital longo, que seja mais completo e tenha uma perspectiva alargada da informação. Isso irá ajudar a que as suas capacidades de concentração e reflexão melhorem bastante.

2. Detox digital

O descanso tecnológico (detox digital) consiste em escolher algumas horas do seu dia e semana para se desligar completamente das actividades nas plataformas digitais

As horas que precedem a hora do deitar são a altura indicada para se desligar. Esta comprovado que quem está “conectado” a estas horas tende a perder tempo de sono/descanso e tem mais dificuldade em adormecer. Em parte, deve-se ao facto de muitas vezes os conteúdos dos social media serem excitatórios, o que não promove o relaxamento e desligamento propício ao sono.

Assim, para fomentar o referido detox digital deve começar por desactivar notificações de aplicações (apps) não essenciais. Se tem apps e notificações que são importantes para o seu trabalho deve mantê-las, mas desligue-as quando não está no seu horário de trabalho. Pode, igualmente, desligar-se de seguir contas que não agregam valor, de notícias sensacionalistas, de conteúdos violentos ou que veiculem conteúdo discriminatório. 

Outra atitude que pode tomar é a de deixar o telemóvel fora do seu quarto ou sem som (se o mantiver no quarto).

3. Exercício cerebral

Exercitar o seu cérebro é a atitude com maior potencial para desenvolver as suas capacidades cognitivas. Seja para recuperar do Brain Rot, para recuperar de sequelas de AVCs ou, simplesmente, para quem quer ter melhores capacidades cerebrais. 

Sempre que exercitamos o cérebro, ele está a ser alterado na sua estrutura (localização e modo como se ligam as células neuronais) e na sua função (diferentes processos e sequências de acção neuronal). E isto acontece em qualquer altura do nosso desenvolvimento, sejamos novos ou velhos. A neurogénese e a neuroplasticidade são os dois fenómenos que sustentam esta possibilidade. A questão está em como fazer estes fenómenos reverterem a favor de melhores funções cognitivas. A resposta não poderia ser mais simples: exercitando essas mesmas funções com exercícios específicos; obrigando os neurónios que contribuem para estas tarefas a exercer os passos correctos que compõem a função. 

Observemos as seguintes leis que se aplicam às células cerebrais: a) quantas mais vezes um neurónio é excitado (activado) mais rapidamente ele exerce a sua função; b) quando grandes grupos de neurónios estão em actividade, os que se encontram nas proximidades são atraídos para colaborar com eles, dando corpo à performance de uma função cognitiva. Estas duas leis do funcionamento cerebral garantem o sucesso da actividade de exercitar o cérebro na obtenção de melhores funções cognitivas. E é isso que lhe proponho nos livros que escrevi com programas de treino cerebral. Livros como o “Exercite o seu cérebro, 150 exercícios para um cérebro activo” ou “Exercícios para recarregar o cérebro” são um instrumento poderoso para recuperar ou conquistar melhores capacidades cerebrais, como a capacidade de atenção, memória e flexibilidade mental. 

“Somos nós que fazemos o nosso cérebro!”

Não se esqueça disto. 

Agora já sabe o que tem de fazer. Está nas suas mãos ter um cérebro mais activo, afinado e obter melhores funções cognitivas.

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