Temos o hábito de caracterizar o ser humano pela sua (in)capacidade de consumir bens materiais. E, apesar de todos nós precisarmos de consumir, seja: comida, luz, água, roupa, (…), existe, de uma forma clara, uma grande diferença entre consumo dito «normal» e o chamado «consciente».
You cannot get through a single day without having an impact on the world around you. What you do makes a difference, and you have to decide what kind of difference you want to make.”
Jane Goodall
O consumo consciente pratica-se através da mudança de um ponto de vista isolado e separado do mundo alheio, para um ponto de vista interconectado e empático com tudo aquilo que nos rodeia.
A interconexão e a empatia em nada têm a ver com o consumismo, exceto no facto de que quando é preciso, e quando faz sentido consumir, esta visão vinga na forma como se torna predominante em relação às escolhas que fazemos no nosso dia-a-dia.
Consumo Consciente: Uma autodescoberta interior e exterior
É crucial que nos preocupemos com o exterior, neste caso com as condutas que a marca segue em todos os seus parâmetros tanto a nível ambiental como social. Mas, como em tudo, não deixa de ser igualmente importante olhar para dentro. E isso significa exatamente o quê? Que não teremos toda a nossa atenção em coisas que se calhar não conseguimos saber ou controlar assim tão bem – o que pode, muitas vezes, criar alguma frustração e ansiedade – mas, sim, no que realmente conseguimos transformar, começando do lado de dentro, do nosso interior.
Isso passa por compreender as motivações do nosso consumo, onde decidimos colocar o nosso dinheiro e porquê, através de perguntas como:
- Quando estou menos bem, quais são os meus impulsos de consumo? E porquê?
- Estou a realizar esta compra para suprir uma necessidade emocional mais profunda?
- Qual a minha intenção em comprar este produto? Preciso mesmo dele?
- Estou a entregar o meu poder e a confiar o meu bem-estar nesta compra?
- Há algo que já tenha que possa substituir esta compra?
- Consigo pedir emprestado?
- Fará sentido, e será possível, alugar o produto/serviço?
- Posso comprar em 2.ª mão?
- Posso adquirir o que quero/preciso, contribuindo para um negócio local?
Como em qualquer sistema, tudo se influencia. E, por isso, o consumo consciente, que acaba por ser uma rede bastante complexa, não passa apenas pelo foco na marca ou empresa em si, nem só em nós e nas nossas respectivas motivações de consumo. Passa por aliar estes dois mundos e ter formas de navegar sobre eles sem violência, sem medo ou culpa.
O Ser antes do Ter
The end of consumerism and accumulation is the beginning of the joy of living.»
Vandana Shiva
Vivemos repletos de estímulos comerciais, que nos incentivam a consumir, cada vez mais, e mais, e mais. Transmitidos subliminarmente através da ideia de que a nossa alegria de viver ou felicidade última se encontra no Ter, quando vamos descobrir que, na verdade, sempre esteve (e sempre estará) no Ser.
É claro que o Ter nos poderá oferecer qualidade de vida material, a única e crucial questão é que não será a verdadeira resolução para uma vida mais plena, mais alegre, mais «completa», pelo menos numa perspetiva de longo prazo, claro. Apesar de nos tentarem convencer precisamente do contrário.
Habituamo-nos, também, a que não exista transparência no mercado, e muito por isso, não a exigimos e não a sabemos calcular. Seja transparência social, ambiental ou, até, económica.
Temos uma crença inconsciente de que os produtos aparecem feitos, de uma forma incógnita e como que por magia, e não desenvolvemos um espírito crítico sobre as matérias que são utilizadas, como foram produzidas, onde, por quem e em que condições laborais se encontram esses seres, que também são humanos. Tal como nós. E fazer este exercício poderá parecer bastante pesado e difícil. Mas não é o que parece. Porque antes de existir o consumidor, existe o indivíduo. Porque antes de existir consumo consciente, é urgente que se desenvolva uma diminuição desse mesmo consumo.
Por outras palavras, é urgente que se desenvolva uma redefinição da necessidade de consumo. Para que antes do «vote with your dollar», consigamos compreender que não se trata primeiramente, e apenas, de consumir melhor, mas de consumir menos. Muito menos.
We are going to have to live more economically than we do. And we can do that and, I believe we will do it more happily, not less happily. And that the excesses the capitalist system has brought us, have got to be curbed somehow.”
David Attenborough
10 Formas de consumir de forma mais responsável – ambiental e socialmente:
- Sempre que possível comprar ou adquirir em segunda mão – Comprar ou adquirir coisas que já existem é a melhor forma de pouparmos o planeta, e a nossa carteira!
- Apoiar negócios locais – Que pequenos negócios existem à nossa volta para os quais podemos contribuir?
- Pedir emprestado – Muitas vezes as pessoas que estão mais próximas de nós têm exatamente aquilo que precisamos: não esquecer este recurso é muito importante, e útil.
- Comprar apenas aquilo que precisamos – Nem tudo tem de ter um propósito e um significado calculado no que diz respeito às coisas que queremos, que gostamos ou que precisamos. No entanto, é importante relembrar a diferença entre aquilo que consideramos indispensável e dispensável nas nossas vidas, para que realizemos escolhas mais intencionais e, por isso, mais conscientes.
- Antes de uma compra considerar o pós ciclo de vida do produto – Esse produto consegue ser reciclado? Ou composto? A marca que o criou tem estas questões em consideração?
- Escolher comprar através de negócios que colocam o planeta e as pessoas em primeiro lugar – Como, por exemplo, através de empresas que sejam detentoras dos certificados «Fair Trade» ou «B corp» ou empresas que, apesar de não estarem sob a segurança de nenhum destes símbolos, realizam um trabalho notável na ética de produção e comunicação da marca.
- Aprender a fazer upcycling com aquilo que já temos – Existem muitas coisas às quais podemos oferecer um novo propósito e uma segunda vida. Já existem várias fontes online onde podemos retirar algumas ideias mais criativas!
- Procurar investir em qualidade e menos em quantidade – Se comprarmos coisas em quantidade, que têm pouca qualidade, estaremos provavelmente a gastar mais a longo prazo do que se investimos num produto realmente bom que dure muito tempo. Ter menos pode significar mais!
- Aprender a cuidar mais e melhor daquilo que já temos, prolongando o ciclo de vida dos mesmos – Aprender a lavar a nossa roupa nas condições certas, a retirar borbotos, a coser e a ter cuidados específicos, são exemplos de formas de prolongar as coisas que já são nossas, sem criar uma necessidade prematura de adquirir coisas novas.
- Ter presente que sempre que investimos em alguma coisa, estamos a «votar» com o nosso dinheiro – E como diria Mahatma Gandhi, sejamos a mudança que queremos ver no mundo.
The environment and the economy are really both two sides of the same coin. If we cannot sustain the environment, we cannot sustain ourselves.”
Wangari Maathai
Sustentabilidade sem justiça social, não é sustentabilidade!
Não podemos falar de consumo consciente de uma forma completa sem trazer a questão da inclusão e justiça social.
Se no sistema em que nos inserimos somos incapazes de tratar todos – independentemente da sua cor de pele, das suas crenças religiosas, da sua orientação sexual, de onde vivem e de onde vêm – com respeito e dignidade, há pouca probabilidade de cuidarmos competentemente daquilo pelo qual dependemos: a Natureza, a biodiversidade, o mundo natural. Através de uma visão sistémica e interseccional, a realidade e o futuro das duas encontram-se constantemente interligadas e não poderá existir uma sem a outra, pois são o reverso de uma mesma moeda.
Muitas vezes não existe capacidade financeira para comprar de forma mais responsável, mais amiga do ambiente e da humanidade. O que faz com que a sustentabilidade no consumo ainda seja um pouco limitada e elitista, e, por isso, também injusta. De facto, muitos produtos considerados mais sustentáveis são mais dispendiosos e requerem um maior investimento do que outros convencionais. Mas a culpa não é do consumidor.
Muito frequentemente, as pessoas e comunidades mais afetadas pela irresponsabilidade corporativa são as mesmas que não têm grande liberdade e poder de escolha sobre o seu próprio consumo.
Se quando consumimos, estamos a dar um sinal do que queremos ver mais no mundo, com a sustentabilidade a crescer cada vez mais, só podemos esperar que a demanda seja cada vez maior e que a acessibilidade a produtos de produções mais sustentáveis e responsáveis também. Aliado também a uma mudança de paradigma profunda no mundo da produção. O que dará, por fim, a possibilidade, a liberdade e o direito de escolha a produtos que fazem a diferença à maior parte da população com menos possibilidades. Este direito deve ser universal, pois já não se trata de uma questão de preferência, mas de uma necessidade de criar um mundo mais justo e mais sustentável, do qual depende o nosso futuro.
Mas mais uma vez, consumir de forma sustentável não precisa de passar por fazer grandes investimentos, mas procurar outras pequenas formas alternativas, e às vezes tradicionais, de consumo. E dar valor a tudo aquilo o que já possuímos e que já existe no mundo.
We will never have a perfect world, but it’s not romantic or naive to work toward a better one.”
Steven Pinker
Não será unicamente o consumo consciente que nos salvará, mas nada se encontra isolado e todas as pequenas ações (todas mesmo), contam para a criação de um presente e futuro mais harmonioso na nossa única e verdadeira Casa, que é a Terra.
No micro está o segredo para uma transformação macro.
No poder individual, reside a força coletiva.
E como uma professora minha costumava dizer: “Se quiserem mudar o mundo, comecem pela vossa casa”.