O poder da relação médico-paciente

Cassiana Tavares // Fevereiro 11, 2025
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paciente
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O que faz um bom médico? Usa a melhor técnica? Tem mais conhecimento? E, além disso, o que faz realmente a diferença na vida de um paciente?

Repare nesta história. A minha nova assistente iniciara funções há duas semanas e estava desiludida. Viera substituir uma pessoa carismática e sentia que não conseguia ligar-se tão bem aos pacientes. Das minhas observações, notei que, apesar da enorme simpatia, não se apresentava pelo nome. Sugeri:

– Experimenta dizer: “Eu sou a Clara, estou a continuar o trabalho da Sónia. Ainda não nos conhecíamos.”1

Sabe o que aconteceu? Nas palavras dela:

– Parece que se abre uma porta e que, a partir dali, tudo flui.

E eu vincava:

– Antes de seres assistente, és uma pessoa. A falar com outra pessoa.

A importância do vínculo humano

Num gabinete médico, duas pessoas encontram-se. Às vezes, mais do que duas, quando maridos, mulheres, filhos ou netos entram de mão dada, temendo pela vida daqueles que amam. Os médicos seguram a vida dos outros com as mãos. Mas também com o coração.

Sabe aquelas consultas em que sentimos: “Estou nas mãos certas”? Isso acontece por causa da relação entre médico e paciente.

A relação médico-paciente é sagrada

Porquê? Porque é um elemento central na cura do paciente. De forma muito simples, o laço entre médico e paciente funciona como combustível para a motivação do doente.

Sabe quando as crianças começam a andar, ainda trôpegas, e nós deliramos? “Uau! Que lindo! Força, bebé!” A relação médico-paciente cria essa mesma sinergia, esse encorajamento que diz:

– Anima-te, vais conseguir!

E, quando estamos motivados, aderimos mais facilmente ao tratamento: tomamos os remédios, vamos à fisioterapia, seguimos a dieta.

Nem sempre é assim

Claro que sei o que está a pensar:

Mas nem todas as vezes que vou ao médico me sinto assim.

Correto! Estamos a falar de uma boa relação médico-paciente. De sermos acolhidos, respeitados e valorizados tal como somos e estamos, sem julgamento.

O médico que não compreendeu a ciência

Conto-lhe outra história. No romance Os Irmãos Karamázov2, um médico visita um menino moribundo e diz ao pai, que está aflito por não ter condições de pagar os tratamentos:

– Com isso não tenho nada a ver (…) Limito-me à resposta que a ciência pode dar (…).

Quem fala assim não compreende, de facto, a ciência. Pois nenhuma ciência médica está completa sem entender a pessoa; Que não é apenas um corpo biológico, mas um ser inteiro, que precisa de quem lhe segure o coração. E isso tem tudo a ver com empatia, que significa “sentir com”. Nunca ninguém sentirá exatamente as nossas dores. Mas pode senti-las connosco. E, quando o faz, abre-se a porta para a cura — seja física ou mental.

O espaço para a vulnerabilidade

É também por causa dos laços criados com o médico que conseguimos contar-lhe as nossas fraquezas e vulnerabilidades.

Entrevistei algumas pessoas sobre o medo de ir ao dentista e alguém disse-me:

Não vou falar dos meus medos a quem não está ali para mim.

Numa boa relação médico-paciente, há espaço para falar. Para confessar que, por vezes, não tomamos os remédios porque nos esquecemos ou porque andamos exaustos. Para admitir que gostaríamos de perder peso, mas que, após tantos anos assim, já não acreditamos. Ou que gastamos demasiado dinheiro com tabaco porque, desde que tudo começou a correr mal no trabalho, é a única coisa que alivia. Normalmente, estas coisas só se contam quando existe espaço para tal.

Esperança como ponto de partida

E é aqui que termino. Quando há espaço, além de tudo o que já disse, gera-se esperança.

Quando estava na faculdade, diziam-nos:

– Garantam que, na primeira consulta, a pessoa sai com esperança.

Parece uma promessa arriscada, pois nenhum médico pode dar garantias. Mas, vinte anos depois, sei bem ao que os meus professores se referiam.

Médicos que seguram corações

Enfrentar uma doença tem muito a ver com quem faz o caminho ao nosso lado. O médico tem a capacidade técnica de nos aliviar e curar. Mas só o pode fazer verdadeiramente quando também nos segura o coração, através da relação que cria connosco. E eu acredito que essa deveria ser a grande ambição de quem está na área da saúde: ser um médico que segura corações.

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  1. Nomes fictícios ↩︎
  2. Fiódor Dostoiévski ↩︎

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