Na azáfama diária em que vivemos, um dia paramos e percebemos que não dedicamos o tempo necessário ao que nos faz bem e é importante. Deixamos de escutar ativamente, de olhar para o outro, vivemos distraídos no mundo virtual e totalmente abstraídos da realidade.
Acabamos por passar os dias numa rapidez incansável, entre tarefas familiares, pessoais e o trabalho que tantas vezes nos consome além do horário laboral. As solicitações não param: trabalho, atividades extracurriculares dos miúdos, entra no carro, sai do carro, chega a casa… São tempos tão acelerados que até saborear uma refeição se torna um desafio.
A dependência do smartphone
Quer queiramos quer não, fomos invadidos pela necessidade constante de estar conectados, e muitos caem na tentação de ver o telemóvel até na hora da refeição, mesmo que acompanhados. Este pequeno “microcomputador de bolso” concentra tudo: mensagens do chefe, promoções, notícias, redes sociais, jogos… Uma infinidade de estímulos e solicitações que nos dispersam, comprometendo o aqui e agora.
Ao privilegiarmos os equipamentos eletrónicos em detrimento das relações humanas, a mente hiperestimulada não descansa. Instala-se o cansaço, a dispersão, o vício normalizado. Será este aparelho, que nos aproxima de tudo e nos distancia de tanto, assim tão inteligente?
Os perigos para crianças e jovens
Os estudos falam por si e as nossas experiências pessoais enquanto adultos provam a nossa dependência dos smartphones e, não obstante o desenvolvimento cerebral completo nesta fase de vida, todos reconhecemos a dificuldade de controlar o vício.
No caso das crianças e jovens, torna-se ainda mais assustador que tenham o seu dia, as suas interações, os seus momentos de brincadeira e socialização invadidos por notificações, mensagens de Whatsapp, TikTok, fotografias, publicações, jogos online e/ou até pornografia! Sem capacidade de autorregulação, vêem-se reféns deste aparelho, deixando para trás atividades muito mais ativas, interessantes e relevantes ao nível do relacionamento humano essencial.
A pressa em publicar, responder ou jogar transforma-se numa prioridade ilusória.
Mais do que um sorriso, um abraço ou expressar emoções cara-a-cara, o que é urgente é ser rápido a responder, a publicar, a jogar e a não perder informação para conseguir estar a par de tudo – uma ilusão tão longe da verdade. Este cenário poderia ser evitado ao utilizar-se um telemóvel simples, sem acesso a internet e aplicações, o chamado dumbphone, que serve apenas para fazer e receber chamadas e SMS, e que satisfaz as necessidades básicas de comunicação entre a família e a criança.
O impacto nas escolas
Nas escolas o desfocar da realidade que o uso de smartphone promove, leva as crianças a preferirem a sua companhia ao invés da companhia dos seus amigos.
Nós, todos, somos seres sociais, de afectos, de ligações, com vontade de pertencer. O mundo virtual pode dar a sensação de cumprir estas necessidades, mas é pouco real. A empatia não se alcança atrás dos ecrãs e é fundamental a sua prática nas escolas.
Foi pela defesa do direito a brincar e socializar de forma saudável, pela redução do ciberbullying, para garantir a privacidade das crianças e jovens (no caso de filmagens sem consentimento) e pela proteção contra conteúdos impróprios que, em Maio de 2023, decidi criar a petição “Viver o Recreio Escolar sem Ecrãs de Smartphones”, tendo tido como testemunhas as crianças e as famílias que reclamavam esses direitos. A ideia de escolas livres de smartphones começou a ser debatida a nível nacional, com o apoio de várias famílias, professores, pediatras e psicólogos. A conclusão foi unânime: os smartphones trazem mais desvantagens do que benefícios no contexto escolar.
O Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida
No âmbito do Movimento que co-fundei, em Janeiro de 2024, com outras três mães professoras, defendemos que as escolas devem ser espaços livres de smartphones. Não somos contra a tecnologia, aliás somos a favor do uso de recursos tecnológicos, mas acreditamos que há alternativas mais saudáveis, como, por exemplo, usar computadores nas aulas e não smartphones, e utilizar os livros físicos e não manuais digitais.
Além disso, o uso de ecrãs como smartphones e tablets em escolas com manuais digitais pode exceder as recomendações da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, pondo em causa a saúde das crianças e jovens.
Escola: um espaço seguro e saudável
Se a escola deve promover campanhas de sensibilização? Sim!
Se pode alertar para os perigos da internet? Sim!
Se deve ensinar a fazer pesquisas em computadores? Sim!
Se os smartphones devem fazer parte do espaço escolar? Não!
A escola não deve fazer parte do problema, mas ser um local seguro onde está garantida a privacidade das crianças e jovens, onde se promove o seu bem-estar físico mental e social e onde podem brincar, socializar e aprender livres de dependências digitais. Esse é um direito das crianças e dos jovens, e um dever das escolas.