As tecnologias dão-nos uma ajuda preciosa a todos os níveis. Os telemóveis e os tablets permitem-nos estar conectados com o mundo em qualquer sítio, e isso é muito vantajoso na nossa vida. Mas há um efeito perverso das tecnologias, principalmente nas novas gerações e que me preocupa cada vez mais: a adição aos ecrãs.
Nestas férias, dei por mim a passar muito tempo a observar as pessoas à minha volta e prestei especial atenção ao que está a acontecer às crianças, aos jovens e às famílias. Num contexto de descanso, de praia, piscina, reparei que todos os momentos em que não estão a dar um mergulho estão no telemóvel. Não os vejo a conversar, as crianças brincam e interagem pouco, raramente fazem aquilo que é normal nestas idades, como, por exemplo, meter conversa com outra criança, convidar para um mergulho ou para brincar na praia, jogar à bola, raquetes, etc..
Escondem-se atrás daqueles ecrãs.
Não vêem se estão outras crianças à volta, nem experimentam interagir com o outro e isto acontece com uma frequência assustadora.
Uma coisa é pegar uns minutos no telemóvel para ler ou enviar uma mensagem ou jogar a qualquer coisa, quando já estamos com as pilhas gastas de todas as outras actividades. Outra coisa é estar no telemóvel durante todo o tempo em que não se está a dar um mergulho.
Isto é no mínimo assustador.
As nossas crianças e os nossos jovens estão a perder a capacidade de comunicar e de interagir, e isto é altamente perigoso porque as pessoas que serão amanhã depende muito destes ensaios de contactos com os outros.
A forma como as crianças e os jovens vão ver o mundo no futuro, depende muito daquilo que vêem durante a infância e a adolescência.
Se a criança ou o jovem não levanta a cabeça do ecrã para olhar à sua volta, então não está a ver nem a ouvir nada. Não está a integrar conhecimento, nem experiências, nem aprendizagem. Está apenas numa interacção com um ecrã, que domina sempre, não ensaiando as frustrações, nem as alegrias normais de interagir com outro ser humano.
Confesso que isto me está a preocupar muito.
Cheguei a ver tantas vezes, mesas cheias de elementos da mesma família e/ou amigos, com oito e dez pessoas debruçadas ao mesmo tempo sobre o telemóvel. As pessoas não falavam! Só o faziam quando finalmente chegava o prato porque aí não havia alternativa! E, mesmo assim, os mais jovens comiam rapidamente para voltarem para o telemóvel enquanto os adultos continuavam a conversar. Mais uma vez, não faziam aquilo que é tão importante: interagirem com as várias gerações. São estas interações que permitem criar proximidade, relações, intimidade, confiança e conhecimento. Pergunto: como vão ser estas pessoas no futuro, sem este conhecimento?
Mas, não posso condenar os jovens, nem as crianças porque os nossos filhos imitam-nos a partir do exemplo.
Logo, se os pais acharem que é normal o telemóvel estar presente nas refeições e ser apenas com ele que se interage, os miúdos vão fazer o mesmo. Se os pais acharem que quando se está debaixo de um chapéu de sol o normal é não falar com os miúdos e estar o tempo todo no telemóvel, com certeza que os miúdos vão fazer exatamente o mesmo.
Não chega dizer “não podes estar sempre nas tecnologias e tens de fazer outras coisas”, porque isso não é apelativo, nem é o suficiente para os convencer a arriscar saírem da sua atual zona de conforto que são as tecnologias. Fora do ecrã, é um mundo que eles ainda conhecem muito mal e que, por isso mesmo, é mais assustador.
Esta mudança dá-se pelo exemplo.
Não adianta dizer a um filho, “não podes estar o dia todo no telemóvel” e ter o pai e a mãe o dia todo no telemóvel. Não chega dizer: “Larga o telemóvel”. Se calhar é preciso dizer:
“Deixa aí o telemóvel e vem comigo fazer isto… vais ver que é divertido.”
É preciso pensar em coisas que sejam apelativas para os miúdos. Atividades em que eles se divirtam, se possível algumas delas connosco e percebam que há um ganho superior àquele em que estão a olhar para um ecrã.
Isto dá trabalho, mas é urgente!
Em relação a este tema, a imagem que mais me chocou nestas férias, foi a de uma menina, que deveria ter uns dez anos e que estava com a testa apoiada na mesa do restaurante. Pensei que estivesse com sono ou cansada de esperar pela comida. Mas, enganei-me. Ao olhar com mais atenção, apercebi-me que aquela era a posição que a menina tinha adoptado para conseguir ver o tablet que tinha no colo. Pergunto: o que vai acontecer à coluna desta menina se continuar a passar horas com a testa apoiada numa mesa para ver o tablet que tem no colo? E as consequências de pura e simplesmente não falar com nenhum dos seus familiares, o tempo todo da refeição? Uma e outra vez? Nem os pais, nem os avós que estavam presentes, pareceram ter consciência da gravidade daquilo que estava ali a acontecer. Isto é grave e é preciso fazer alguma coisa pela saúde dos nossos filhos.
Nota: Fotografia por Verónica Silva