No final de março, a hora mudou novamente. Mas de que forma a mudança para o horário de verão afecta o nosso sono?
Na altura em que foi criado este ajuste de horário, o mesmo era justificado com questões económicas para diminuir o consumo eléctrico, de gás e combustível e, ao mesmo tempo, aumentar a actividade ao final do dia, com o consequente aumento do consumo em várias áreas (restauração, hotelaria, comércio, práticas desportivas). Havia ainda a ideia de que poderia reduzir a criminalidade, uma vez que haveria mais luz natural ao final do dia. Na sociedade actual estes argumentos fazem pouco sentido, e os estudos disponíveis não confirmam os esperados ganhos económicos.
Além disso, a evidência científica mostra que a regularidade do horário é fundamental para a saúde do sono e que a necessidade de dois ajustes anuais do nosso relógio biológico (endógeno) em relação ao relógio cronológico (externo) desencadeia consequências significativas para o sono e para a saúde em geral.
O impacto do horário de verão no nosso ritmo biológico
Todos nós temos um ritmo biológico – circadiano (regulado pelo hipotálamo) –, que é ligeiramente superior a 24 horas e pode estar mais ou menos ajustado ao ritmo exógeno (cronológico). Existem vários sincronizadores (pistas) que alinham estes dois ritmos. O mais importante é a exposição à luz, mas também as refeições em horários regulares e a prática de atividade física ajudam nesse alinhamento. Na sociedade actual com a vida indoor, a iluminação nocturna e os dispositivos electrónicos podem surgir mais assincronias e distúrbios do sono associados.
O horário considerado mais benéfico para o nosso sono é o “standard time” ou horário de inverno. Temos mais exposição à luz pela manhã, o que nos sincroniza com o ritmo externo. Ao final da tarde a perda de luz permite a produção da melatonina (“a hormona do sono”), que vai favorecer a tendência a adormecer e um sono de maior qualidade.
Já o horário de verão, ao prolongar a luz até mais tarde, traz vários desafios para o nosso sono. A ausência de luz pela manhã dificulta a sincronização do ritmo biológico e pode tornar-nos menos ativos, mais sonolentos e menos produtivos. Por outro lado, a exposição prolongada à luz ao final do dia inibe a produção de melatonina, atrasando o início do sono e comprometendo a sua qualidade, o que pode resultar numa maior fragmentação, mais despertares noturnos e uma sensação de sono não reparador.
Quem sente mais o impacto da mudança?
Este impacto é particularmente mais sentido nos indivíduos com cronotipos mais tardios (preferência pela noite) e nos adolescentes. Classicamente (e por motivos biológicos em relação com a puberdade) os adolescentes têm um atraso de fase fisiológico que pode causar insónia inicial (dificuldade em adormecer) e muita dificuldade em acordar e sonolência ao longo da manhã. A mudança para o horário de verão agrava estes problemas e pode impactar, entre outras coisas, o desempenho escolar, mas também o humor (ansiedade e depressão) e o relacionamento com os outros.
Outro importante problema de saúde pública na nossa sociedade atual é a privação de sono ou sono insuficiente, ou seja, dormir menos do que o necessário. O sono insuficiente aumenta o risco de doenças cardiovasculares, distúrbios do humor (como a depressão) e compromete a segurança pública, uma vez que a sonolência ao volante é um fator de risco para acidentes rodoviários. Quem está privado de sono tem menos facilidade em adaptar-se à mudança da hora e vai ter mais efeitos deletérios da mesma.
Por fim, quem tem alguma doença de sono com fragmentação do mesmo (como apneia do sono ou insónia) também fica mais susceptível às consequências nefastas desta mudança.
As consequências da mudança para o horário de verão
Apesar da evidência científica que favorece a manutenção do horário padrão standard e das recomendações de várias sociedades científicas internacionais nesse sentido, no final de março, a hora voltará a mudar no nosso país.
Os impactos negativos na duração, continuidade e qualidade do sono podem persistir durante pelo menos uma semana após a alteração do relógio. Nos dias seguintes, há um aumento do risco de problemas cardiovasculares (como enfarte, arritmias e AVC), e também um acréscimo do número de acidentes de viação – estudos demonstram um aumento de 6% nos acidentes rodoviários fatais na semana seguinte à mudança para o horário de verão. Verificam-se ainda impactos negativos no humor e no funcionamento cognitivo, afetando a atenção, a concentração e a memória.
Como minimizar os efeitos da mudança?
A melhor forma de nos prepararmos para a mudança de horário é assegurarmos uma boa “bagagem de sono”, que cumpra as nossas necessidades (7 a 9 horas nos adultos) e uma adequada higiene do sono:
- Quarto confortável para dormir, sem luz e sem ruído;
- Optar por um jantar mais ligeiro, evitando o consumo excessivo de líquidos;
- Manter um ambiente calmo ao final do dia.
Para os indivíduos mais susceptíveis à mudança de horário, estas são algumas estratégias que podem ajudar na adaptação:
- Ajustar gradualmente o horário de deitar e acordar nos dias anteriores à mudança;
- Aumentar a exposição solar durante o dia e diminuir a exposição à luz (incluindo a luz artificial dos dispositivos eletrónicos) à noite;
- Praticar exercício físico de manhã;
- Fazer pequenas sestas de 20 minutos na altura da transição, para evitar a privação de sono.
Torne a saúde do seu sono uma prioridade.
Coloque o sono na agenda e cuide dele. Se não dorme bem, procure ajuda médica especializada em consulta de Medicina do Sono.