É Carnaval, ninguém leva a mal!

Ana Caetano // Março 3, 2025
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é carnaval
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“É Carnaval, ninguém leva a mal!” Quem nunca ouviu esta expressão? Remete-nos para a origem do Entrudo e convida-nos a refletir sobre a dualidade entre o tempo para limites e o tempo para a ausência deles. Ora vejamos…

A origem do Carnaval

As origens do Carnaval remontam à Grécia e ao Império Romano, onde o excesso de folia surgia como ritual de transição entre a escuridão e a luz, do inverno para o verão. Mais tarde, surgem os rituais católicos do Natal e da Páscoa, em que o Carnaval (o Entrudo, ou a entrada) antecede cerca de 40 dias o domingo de Páscoa: o período da Quaresma. Assim, os três dias de Carnaval são uma herança de uma tradição de celebração pagã, que é aproveitada para aliviar tensão antes do início do jejum e rigor da Quaresma. Talvez agora não nos faça sentido, mas se imaginarmos os tempos em que os rigores dos rituais religiosos eram marcantes, a pausa de três dias remete-nos para a importância dos momentos de libertação e exagero

No mundo ainda existem rituais em que durante o Carnaval se pode dizer mal dos que detêm poder nas comunidades… e isso é muito salutar. Lembro-me do que aprendi sobre isso quando fiz um workshop sobre “A arte do palhaço”, uma das formações mais sérias que fiz na vida. Descobri que este personagem que faz rir os outros, o palhaço, tem raízes no bobo da corte, o único que naquele meio tinha autorização para gozar com o rei. Assim, o humor assume um aspeto valiosíssimo nas comunidades: quem tem poder, tem responsabilidades acrescidas. E quem o exerce não deixa de ser humano, pelo que inevitavelmente falha. Mas é delicado para os que o rodeiam apontar falhas e, mais ainda, sofrer as duras consequências. É neste contexto que surge o bobo da corte, na forma de uma piada, para (re)lembrar a importância da humildade e da aceitação da nossa humanidade. Por isso: “No Carnaval ninguém leva a mal”. No Carnaval…reparem como está circunscrito no calendário o tempo para as críticas. No resto do ano é para levar a mal se formos desrespeitados, abusados ou se os nossos limites forem invadidos. Todavia é indispensável distinguir os conceitos que refletem a opinião dos outros sobre nós: Crítica Construtiva, Crítica Corrosiva, Maledicência e os Mexericos.

Quais são as diferenças entre Crítica Construtiva, Crítica Corrosiva, Maledicência e os Mexericos?

“De bom vinho, bom vinagre.”

A Crítica Construtiva pode ser difícil de aceitar, mas, se assenta na ideia de nos ajudar a melhorar e ou a crescer, é bem-vinda. É um ato de coragem aceitar a crítica, refletir sobre o que diz de nós, ponderar se faz sentido fazer alguma alteração na nossa forma de estar e seguir em frente. Ajuda-nos a ser a nossa melhor versão.

A Crítica Corrosiva, ou crítica pela crítica, é perigosa porque normalmente pretende humilhar-nos e enfraquecer-nos. Fazer a distinção do “Trigo do Joio” da Crítica protege-nos de relações e ambientes tóxicos. Daí a necessidade de ouvir e refletir sobre esse tipo de apreciação. Na dúvida, proteja-se.

“Nas costas dos outros vejo as minhas.” 

A Maledicência é comum e não se trata apenas de falar de nós na nossa ausência… Se, por acaso, tivermos falhado – e falhamos porque somos humanos – é natural zangarmo-nos devido à injustiça do golpe desferido à nossa reputação. 

A pura maledicência é gravíssima, ao ponto de, na Idade Média existirem leis que estabeleciam como punição do maledicente o corte da respetiva língua. Havia duas razões para se levar tão a sério este crime: 

  • a difamação não escalar;
  • garantir a aplicação da lei, uma vez que quem difama pode desencadear o julgamento de alguém em praça pública, que eventualmente, seja inocente. 

Tal transporta-nos para o atual manancial de informação circulante que simplesmente é falsa. É um crime grave: proteja-se a si e aos outros.

No entanto, há um detalhe delicioso sobre Mexericos: autores como Robin Dunbar ou Yuval Noah Harari defendem que foram os mexericos que nos ajudaram a construir as relações sociais, criar a noção de identidade cultural, perceber em quem se pode confiar ou não, e desta forma com quem podemos cooperar e prosperar e os que devemos evitar. No nosso dia a dia temos várias versões da utilidade dos mexericos: “O quê, vais trabalhar com o não-sei-quantos do departamento do 5.º andar? Ouvi dizer que é um preguiçoso, por isso estás com azar”.

Consequentemente há que determinar quando é que estamos perante maledicência ou um mexerico potencialmente protetor. Manhoso é o termo técnico que uso para definir estas delicadezas, é muito manhoso.

Mais uma vez, como fazemos a separação do “trigo e do joio”?

Analise cautelosamente o carácter de quem partilha a informação consigo: é de confiança ou é conhecido por ser mexeriqueiro? Há outras pessoas e situações que já partilharam o mesmo tipo de informação sobre o “não sei quantos do 5.º andar”? Na presença do “não sei quantos” não tire conclusões precipitadas. O que fez no passado não é uma profecia, pode ter sido um momento infeliz ou mal interpretado. Mas não seja tonta/o, caso identifique sinais. Seja cautelosa/o, mas não inflexível. E, sim, isto requer reflexão, ocupa tempo, gasta energia e retira espontaneidade.

Regressemos à importância do Carnaval… 

Libertar tensão e críticas, sem medo das consequências, usar o humor para fazer reparos sem colocar em causa o respeito e a cordialidade. Nesses três dias ninguém leva a mal, nos outros 362/3 usamos de ponderação e não alimentamos críticas corrosivas e maledicência.

Como diriam os Toltecas: “Seja impecável com a sua palavra – fale com integridade. Diga apenas aquilo em que acredita. Fuja de mexericos e comentários negativos. Use o poder da palavra na direção da verdade e do amor” (Dom Miguel de Ruiz , in “Os 4 compromissos”).

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