Todos temos mecanismos de defesa e em muitos aspetos da vida são necessários. Mas, como é que a presença desses mesmos mecanismos de defesa psicológicos comprometem a nossa saúde mental?
Recentemente os mecanismos de defesa psicológicos têm recebido muita atenção por parte dos especialistas em intervenção psicológica. Embora o conceito remonte a Freud e à sua concetualização do funcionamento humano, nos últimos anos a neurobiologia e a neurociência deram razão a algo que surgiu como mera hipótese de trabalho em questões mentais: o reconhecimento das emoções inconscientes como motivação primária do comportamento.
O que acontece quando as emoções primárias não são expressas?
Se emoções primárias não podem ser expressas em segurança devido ao contexto que as suscita ou são sentidas de forma avassaladora, a ansiedade e o mal-estar associado a essa expressão neurobiológica irrompem. Aprendemos a defender-nos das emoções desligando-nos delas o que gera um crescendo de sentimentos inibitórios: ansiedade, culpa ou vergonha por não as manifestarmos.
As emoções não podem ser evitadas, simplesmente são e apresentam um movimento tipo onda: acontecem, ampliam e diluem-se. São o nosso GPS na condução dos nossos comportamentos no mundo.
Assim, é absolutamente necessário contactarmos com elas uma vez que orientam a capacidade adaptativa da nossa regulação emocional, constituindo uma proteção contra o desenvolvimento de doença mental.
Recordemos as emoções primárias, o seu papel e a sua assinatura biológica:
- Tristeza: perda de algo importante na nossa vida que nos retira energia para interagir, levando-nos ao recolhimento e ao silêncio;
- Alegria: sentimo-nos seguros, queremos conviver e celebrar com os outros de forma quase ilimitada;
- Nojo: contacto com algo tóxico no meio ambiente que nos conduz ao afastamento, instalando-se um mal-estar intestinal, uma náusea;
- Entusiasmo: excitação perante algo, aguçar de curiosidade, vontade de “deitar mãos à obra”;
- Medo: sentimos perigo/insegurança e procuramos proteger-nos adotando um dos seguintes comportamentos: fuga, luta ou colapso (consoante o predador);
- Excitação sexual: desejo de estar com alguém que nos provoca uma sensação antecipada de prazer;
- Raiva: advém do desrespeito ou invasão do nosso espaço vital por outrem que nos leva a uma pose de “cara de poucos amigos”, a vociferar ou a agredir o invasor.
As emoções são um produto da evolução que nos ajudaram a proteger de perigos e a aproveitar oportunidades de desenvolvimento.
Os sentimentos inibitórios têm impacto no corpo, sendo alguns dos efeitos desse impacto bem conhecidos: peso no peito, coração apertado, insónias, problemas de pele, nó na garganta, entre outros. Face a estes recorremos a mecanismos de defesa para gerir os sentimentos inibitórios, sendo que “vale tudo” para não sentirmos emoções primárias. Algumas das defesas usadas correspondem a comportamentos aditivos (álcool, drogas, alimentação, trabalhar demais, prática excessiva de exercício físico, entre outros), racionalização, sarcasmo, cinismo, falar demais, não falar ou evitar falar sobre assuntos sensíveis, não saber dizer que não ou a tudo dizer não.
Em suma, as defesas são mecanismos psicológicos inconscientes que protegem o indivíduo da ansiedade, ameaças ou fatores de stress de origem interna ou externa; são formas de adaptação do indivíduo ao ambiente circundante que resguardam a sua autoestima e integridade através da contenção de pensamentos, emoções ou impulsos.
Quando é que a supressão emocional se torna um problema?
Em certos momentos a supressão emocional é importante, mas converte-se num problema quando esse modo de resposta se generaliza a todas as interações com o exterior, passando a ser um modo de estar na vida.
Imagine uma criança que cresce num ambiente em que não pode expressar zanga em segurança por desencadear um castigo de um adulto. Por razões de sobrevivência psicológica adota a estratégia de ocultar quando se sente zangada. Naquele momento está protegida, construindo uma visão do mundo em que a zanga não tem lugar. Mais tarde, como adulto, perante injustiças, insultos ou abusos ele irá “engolir” a zanga, racionalizando tais factos como pouco relevantes, cortando assim o acesso a uma força vital (a zanga saudável que nos legitima e nos confere força e poder). A defesa da supressão emocional ou racionalização – que a protegeu no passado – atrapalha-a no presente e condiciona o seu futuro.
Imagine as defesas como um colete salva-vidas que em alto mar é precioso, mas numa banheira só nos atrapalha os movimentos. Para suportar os dias ou se proteger das consequências dos seus atos ou comentários, aquele adulto começa a abusar do consumo de álcool ou a manifestar uma atitude passiva agressiva, não enfrentando os seus problemas de frente.
Quando recorrer a mecanismos de defesa?
Uma coisa importante: todos temos mecanismos de defesa e em muitos aspetos da vida são necessários. Imagine que se sente humilhado no local de trabalho e um choro de raiva começa a desenhar-se dentro de si… talvez seja importante proteger-se ao invés de expressar a sua vulnerabilidade. O problema coloca-se se recorrermos sempre ao mesmo modus operandi ante situações de humilhação, abdicando da defesa de quem somos.
Aqui o conceito de regulação emocional tem um papel central no funcionamento psicológico saudável, uma vez que TODAS as emoções são positivas. Refira-se que a regulação emocional é o processo pelo qual os indivíduos moldam as emoções que têm, quando as têm e a forma como experienciam essas emoções e as expressam.
Qual é a melhor forma de alcançar a regulação emocional?
A melhor forma de alcançar a regulação emocional é através da autoconsciência, conhecendo o que nos motiva ou limita. Ao tornar o implícito explícito podemos aceder às sensações corporais decorrentes de uma emoção, permitindo que os seus efeitos se projetem no corpo, completando-se o seu papel biológico. Depois de experienciarmos de forma honesta o que nos acontece emocionalmente, podemos relacionar-nos connosco e com os outros de forma franca e, se for o caso, transformar o estranho, despropositado ou feio numa expressão saudável daquilo que somos. Aristóteles já o sabia quando afirmou:
Zangar-se é fácil, qualquer um consegue. Mas zangarmo-nos pelas razões certas, no momento certo, com a pessoa certa, isso sim é difícil.”