Uma pesquisa no Google (em português e inglês) com a frase “como identificar os sinais de depressão” devolve 5800 resultados em 50 segundos. É um tema bastante procurado, expressando o que muitos vivem em silêncio, envergonhados do seu estado de espírito e confundindo frequentemente os sinais de depressão com preguiça, fraqueza e até cobardia. As estatísticas sobre a depressão são elucidativas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 12% das doenças em todo o mundo são do foro mental, valor que sobe para os 23% nos países desenvolvidos, sendo que todos os anos cerca de um milhão de pessoas comete suicídio – número que ultrapassa a soma das mortes por homicídio e resultantes de cenários de guerra.
A depressão em Portugal
Quando falamos da depressão em Portugal descobrimos que somos um país com uma considerável prevalência de perturbações psiquiátricas em geral e de perturbações de humor em particular. Portugal é o país da Europa com a taxa de depressão mais elevada e o segundo no mundo, só ultrapassado pelos Estados Unidos da América (EUA).
O suicídio é uma perigosa consequência da depressão.
Uma perigosa consequência da depressão grave é o suicídio – aproximadamente em 70% dos casos, percentagem aferida no período pré-pandemia COVID-19. Em plena pandemia, os serviços de saúde mental de vários Estados relatam um aumento exponencial de perturbações mentais, principalmente das referentes à ansiedade e depressão.
Contudo, o tratamento da depressão tem uma taxa de sucesso de 70% a 80%…. Por conseguinte…
Porque é que tantas pessoas cometem suicídio?
Uma das principais causas reside no longo período de tempo que pessoas em estado depressivo levam a pedir ajuda – que, em Portugal, ronda em média 4 anos após o aparecimento dos primeiros sinais de depressão. Quando, finalmente, é solicitado um pedido de ajuda (normalmente ao médico de família), às vezes já estão tão cansadas que não aguentam mais.
O que é sofrer de depressão?
Andrew Solomon descreve de forma poética e, simultaneamente, angustiante o que é sofrer de depressão. Numa palestra que conjuga a sua história de vida com o que descobriu numa investigação sobre estados depressivos, identificou um texto da idade média que discorria sobre o Demónio do Meio-Dia, segundo o qual toda a alma sucumbia a uma dor intensa mesmo perante a luz, apesar de não haver nenhum ferimento físico identificável.
A depressão é a expressão máxima da falta contínua de vitalidade, como se vivêssemos em permanente estado febril, sendo que precisamos de continuar a cumprir todas as nossas tarefas diárias. Qualquer ação requer muito esforço para ser executada.
Distingue-se da tristeza uma vez que é saudável ficarmos tristes sempre que perdemos algo que valorizamos, mas recuperamos após dedicarmos tempo a processar essa perda. Distingue-se da preguiça porque não é a força de vontade que nos faz sair desse estado. Não se trata de cobardia perante o mundo, mas apenas incapacidade de reunir forças que não temos. Na acumulação de tanto sofrimento muitos simplesmente desesperam e apenas querem alívio… Às vezes parece que o único alívio é não viver. No entanto, quando se pergunta a alguém com ideação suicida se quer realmente morrer ou acordar em outro local sem sofrimento, a esmagadora maioria responde que se pudesse viver sem sofrimento essa seria a sua escolha.
Nada quero, tudo enjeito,
o maior bem me aborrece,
o prazer me entristece
e o viver, porque é sujeito
a quem dele assim se esquece:
se morro acaba o mal,
fim não queria ver;
se vivo, o padecer
desta dor é tão mortal
que me não posso valer.”
(poema de autor anónimo português, séc. XVI)
Quando se vive num país em que de 8 em 8 horas alguém morre por suicídio e em que de hora a hora alguém o tenta fazer, urge desmistificar o que está por detrás desse desejo e o que cada um de nós pode fazer.
6 Mitos sobre a depressão:
. Mito 1: A depressão passa se não dermos muita importância ao assunto.
Sim e não. Caso seja uma perda de vitalidade leve, pode passar se a pessoa respeitar algumas condições: ter hábitos de sono saudáveis, cuidar da sua alimentação e manter a prática regular de exercício físico. Este último aspeto é também uma necessidade básica: o corpo precisa de eliminar as hormonas promotoras de estados depressivos e nada melhor do que a prática de atividade física regular para esse efeito. Caso se trate de uma depressão moderada (perda de prazer em quase todas as atividades diárias) ou severa (não consegue levantar-se da cama, nem cuidar das suas necessidades básicas), a mesma não vai extinguir-se, mas antes acentuar o mal-estar instalado até níveis de desespero que levam a pensamentos de suicídio. É necessário recorrer a ajuda especializada: psiquiatria e psicologia.
. Mito 2: A medicação é por si só suficiente para curar a depressão.
Não. A melhoria inicial resultante da toma de medicação não resolve os problemas que subjazem ao estado depressivo como emoções por processar ou pensamento de auto-desvalorização.
. Mito 3: Basta a psicologia para tratar uma depressão.
Sim e não. Quando o mal-estar instalado é severo, por vezes só a articulação da psicologia com a psiquiatria é que é eficaz para restaurar os níveis adequados de vitalidade para a pessoa sair do estado depressivo.
. Mito 4: Falar sobre suicídio faz com que as pessoas mais depressa passem ao ato.
Não, acontece precisamente o contrário. Caso esses pensamentos sejam verbalizados, a pessoa sente que não está sozinha a lidar com a situação e a sua angústia diminui. Ao escutá-la deve fazê-lo sem julgamentos, evitando expressões como: “Não sejas fraco(a)!”; “A vida é tão bonita porque é que estás a pensar nessas coisas”; “Como é que podes ser tão egoísta e pensar nessas coisas?!”… Oiça com curiosidade e aceitação.
. Mito 5: A depressão não tem cura.
Não. A depressão tem cura com o tratamento adequado, sendo que a investigação identifica 2 anos para que a ideação suicida seja abandonada. Em casos mais graves, a pessoa pode demorar mais tempo a adquirir um grau de funcionalidade autónomo, mas em regra recupera.
. Mito 6: Um possível suicídio é um ato de egoísmo.
Não, não é um ato de egoísmo. É um ato de desespero que, quando identificado atempadamente, pode ser tratado eficazmente.
Temos de ser cautelosos na forma como olhamos as doenças mentais.
Recordo-me de ler que, durante a 1.ª guerra mundial, não se conhecia o diagnóstico de perturbação de stress pós-traumático, sendo que os soldados que revelavam os correspondentes sintomas e se recusavam a voltar para a frente de batalha recebiam o diagnóstico de “cobardia”. Temos de ser cautelosos na forma como olhamos as doenças mentais, porque é disso que se trata quando falamos do desenvolvimento de um processo depressivo que pode conduzir à morte.
Os ingleses usam muito a expressão “black dog” para se referirem à depressão, uma expressão igualmente empregue por Winston Churchill para aludir à sua própria depressão. A Organização Mundial de Saúde tem um pequeno vídeo onde aborda o “black dog”, como reconhecê-lo e o que fazer para o dominar. Sugiro vivamente que espreite caso tenha dúvidas sobre um “black dog” que ande a rondar. Acima de tudo, saiba que não precisa de sofrer e que pode exorcizar o seu “demónio do meio-dia”.
Linhas de Apoio e de Prevenção do Suicídio em Portugal:
- SOS Voz Amiga (Lisboa), das 16h às 24h: 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660
- Linha Verde gratuita (entre as 21h e as 24h): 800 209 899
- Conversa Amiga (Inatel), das 15h às 22h: 808 237 327 / 210 027 159
- Vozes Amigas de Esperança de Portugal (Voades-Portugal), das 16h às 22h: 222 030 707
- Telefone da Amizade (Porto), das 16h às 23h: 228 323 535