A sua atenção não foi de férias, mas parece…

Nuno Mendes Duarte // Maio 7, 2025
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Sabe aquele momento em que está com um livro nas mãos, mas o cérebro não colabora? Os olhos percorrem as palavras, mas a mente já fugiu para outro lado — “O que é que havia para jantar?”; “Será que respondi àquela mensagem?”; “Ainda não vi se aquele post teve mais likes…”. Ou está a jantar com amigos, telemóvel arrumado no bolso, mas a cabeça vai desfiando tarefas, notificações imaginárias e pequenos ímpetos de curiosidade digital. Os seus amigos perguntam: “Estás aqui?”. E, claro, responde que sim. Mas se tem de garantir que está, é porque provavelmente não está. 

Bem-vindo à era da atenção fragmentada — um estado mental cada vez mais comum, em que a nossa capacidade de foco se dilui, a memória recente fraqueja e a sensação de presença real se evapora, mesmo quando estamos, aparentemente, a participar no momento.

Agora, antes que comece a sentir culpa por tudo isto, deixe-me dizer-lhe: não é só consigo. Esta batalha está a ser perdida numa escala global. E não é apenas uma questão de força de vontade — é uma questão de design. Literalmente. Os dispositivos móveis foram feitos para isso. Se quiséssemos construir uma máquina que sabotasse a nossa atenção, dificilmente faríamos melhor do que o nosso smartphone

Tal como as dietas, também um digital detox não irá funcionar, porque não altera as suas rotinas digitais.

Aquilo de que precisa é uma verdadeira revolução de hábitos digitais!

Parte I. O cérebro sob ataque: multitasking, stress e exaustão

O cérebro humano não foi feito para alternar de tarefa em tarefa ao ritmo das notificações. Saltar entre mensagens, feeds, emails e alertas de calendário fragmenta a atenção e desgasta-nos. Esta oscilação constante reduz a memória de trabalho, a flexibilidade cognitiva e a capacidade de manter o foco.

Para agravar, o excesso de estímulos e informação ativa o nosso sistema de stress de forma repetida, mas sem resolução. São pequenos sobressaltos — vibrações, alertas, toques — que mantêm o corpo em alerta, como se estivesse perante um perigo constante, mas invisível. O resultado? Cansaço, ansiedade e sensação de saturação mental.

Estamos mais distraídos, mais reativos e menos disponíveis para o que exige profundidade: pensar, criar, estar.

Parte II. Estratégias práticas para reabilitar a atenção

Recuperar a capacidade de estar presente não se faz por decreto. E não depende apenas da força de vontade. Exige ambientes bem desenhados, rotinas simples e decisões pequenas, mas consistentes.

1. Longe da vista, longe da cabeça

Não basta pôr o telefone em silêncio. É preciso tirá-lo do campo visual. Os estudos mostram que, mesmo desligado ou com o ecrã para baixo, o simples facto de estar visível já afeta o nosso desempenho cognitivo. O cérebro associa aquele objeto a novidade, recompensa e urgência.

Crie tempos e espaços livres de telemóvel. Uma gaveta, uma prateleira noutra divisão, um horário sem ecrãs. O seu cérebro agradece.

2. Fora do quarto

O telefone ao lado da cama é um convite à insónia digital. Tornou-se o primeiro e o último objeto que vemos todos os dias — e isso não é neutro. Está ligado a pior qualidade de sono, maior dificuldade em adormecer e maior cansaço durante o dia.

A solução é simples: carregue o telefone fora do quarto. Use um despertador analógico ou, se precisar de manter o som por questões de emergência, coloque-o longe o suficiente para não ser um gesto automático agarrá-lo a meio da noite.

3. O dia de descanso digital

Escolha um período semanal — pode ser uma tarde, um domingo inteiro ou uma noite — em que desliga todos os dispositivos. Ao início, vai parecer estranho. Vai dar por si a procurar o telefone. Vai ter a sensação de estar a perder alguma coisa.

Mas, ao fim de algum tempo, vem o alívio. A mente desacelera. As ideias assentam. A criatividade reaparece. A presença nos momentos simples ganha nitidez.

É como limpar uma sala que estava cheia de ruído visual. O espaço mental torna-se habitável outra vez.

4. Ler em papel

Ler livros físicos é um dos melhores treinos para a atenção. Ao contrário dos ecrãs, os livros não oferecem estímulos paralelos, nem desvios de caminho. Permitem mergulho.

Se sente que já não consegue ler como antes, comece com blocos de 15 minutos. Sem distrações, sem música de fundo. Só o livro. Com o tempo, a capacidade de manter o foco regressa. E, com ela, uma das maiores fontes de prazer, criatividade e crescimento que temos.

5. Momentos intencionais sem estímulo

Aproveite rotinas quotidianas para praticar estar com a sua mente, sem distrações acessórias — sem música, sem podcast, sem ecrã. Lavar a loiça. Caminhar. Esperar na fila. Estar no trânsito. 

Estes micro-momentos, sem distrações externas, são treinos poderosíssimos para restaurar a capacidade de escuta interna e reflexão. A longo prazo, permitem voltar a habitar o próprio pensamento sem ansiedade ou desconforto.

O tédio é um solo fértil. É nele que germinam ideias, decisões e soluções inesperadas.

6. Higiene digital regular

Desinscreva-se de newsletters que não lê. Apague apps que não usa. Saia de grupos que só servem para poluição mental. Quanto menos ruído digital, mais espaço de atenção. E mais clareza sobre o que é realmente importante.

Não se trata de cortar com tudo. Trata-se de criar espaço para o essencial aparecer.

Parte III. Não é sobre perfeição. É sobre persistência

Não precisa de virar eremita digital, nem de viver num mosteiro tecnológico. O objectivo não é erradicar os ecrãs da sua vida — é reposicionar a atenção no centro do palco.

Vai falhar. Vai voltar ao scroll automático. Vai responder à notificação no momento errado. Mas a diferença é que, agora, sabe o que está em jogo. E tem ferramentas para retomar o controlo.

É como reabilitar um músculo que esteve parado. A força regressa com consistência, não com rigidez.

A atenção é o novo luxo. E está ao seu alcance.

Não precisa de força de vontade heroica. Precisa de condições, de intenção e de pequenos hábitos sustentáveis.

Neste mundo onde tudo compete pela sua atenção, saber protegê-la é uma forma de liberdade e resistência.

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