Tem força de vontade suficiente para mudar?

Nuno Mendes Duarte // Fevereiro 7, 2024
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força de vontade
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Sabe perfeitamente o que deve fazer para cumprir as suas resoluções de ano novo, certo? Comer colheres bem cheias de disciplina e foco, manter os seus maus hábitos com trela curta e ser radicalmente honesta: “Deixa de ser preguiçosa e levanta-te mais cedo”. Talvez até gritar para si própria quando fraqueja: “Para cumprires os teus objectivos tens de ter força de vontade”. Vou contar-lhe um segredo: tanta exigência pode não ser o caminho certo para mudar os hábitos que teimam em permanecer na sua vida. Para lhe explicar o que penso sobre isto, vou apresentar-lhe duas perspectivas sobre um conceito que tem sido amplamente debatido nos bastidores da psicologia: o conceito de força de vontade. 

Parte I: A força de vontade como um recurso limitado

Temos muitos nomes comuns para a força de vontade: determinação, autodisciplina, autocontrolo. Os psicólogos definem-na como:

  • A capacidade de adiar a gratificação, resistindo a tentações de curto prazo para atingir metas de longo prazo;
  • A capacidade de ignorar um pensamento, sentimento ou impulso indesejado.

Ou seja, é fundamental utilizar a força de vontade para conquistar os seus objetivos. Segundo esta perspectiva é fácil compreender que com mais autocontrolo ou disciplina, poderia comer de forma saudável, fazer exercício regularmente, parar de procrastinar e atingir os objetivos a que se propõe. 

A visão tradicional da força de vontade sugere que é um recurso limitado, esgotando-se ao enfrentar tentações e desafios ao longo do tempo. Assim, segundo esta visão, a força de vontade esgota-se como um tanque de gasolina e precisa de ser reposta. 

Logo, percebe-se porque tantas vezes tem dificuldade em não comer aquele chocolate enquanto vê Netflix, ou à noite decide que irá levantar-se cedo para correr no dia seguinte, mas isso só dura as duas primeiras semanas.

O seu dia-a-dia exige muitas decisões, muito auto-controlo, logo esgota muita da sua força de vontade e, por isso, ao fim de poucas semanas já as resoluções de ano novo voaram pelas janelas de Janeiro…

Mas, será mesmo assim?

Parte II: A perspetiva da emoção variável

A perspetiva inovadora que veio desafiar a visão tradicional considera a força de vontade mais como uma emoção do que como um recurso limitado. Ou seja, assemelha-se à alegria ou raiva, diminuindo e aumentando com base nas circunstâncias e na forma como se sente ao longo do dia. A abordagem da força de vontade como emoção implica ouvir e gerir essa emoção de forma semelhante a outras emoções. Ao perceber que está perante uma experiência variável, não poderá confiar somente na força de vontade para realizar uma tarefa difícil. Se enfrenta uma tarefa desafiadora, é mais produtivo e saudável acreditar que a falta de motivação é temporária em vez de ceder à sensação de que é melhor parar e procurar estratégias de alívio de desconforto (como comer chocolates ao ver Netflix… estou-me a repetir, certo?). Ao sentir a sua força de vontade como sentiria uma emoção, pode encontrar novos caminhos que talvez não exijam que faça algo que não deseja. Ou seja, será que, por vezes, a falta de força de vontade é, na realidade, um indicador de que o que está a tentar fazer não é verdadeiramente essencial para si?

Parte III. Estratégias para reforçar a sua força de vontade 

a) Controlo do ambiente

O princípio “longe da vista, longe do coração” aplica-se lindamente a este contexto. Vários estudos demonstram que é importante retirar os estímulos que ativam o hábito que quer mudar e incluir gatilhos que facilitam o hábito que quer introduzir. Ou seja, pode confiar profundamente na sua força de vontade, mas se a sua despensa estiver repleta de doces e batatas fritas, vai ser bem mais difícil resistir do que se estiver habituado a ter uvas frescas e lavadas prontas para comer.

Se quiser ir correr de manhã, será mais fácil se a única roupa aos pés da cama for a sua roupa de corrida. Mesmo que não lhe apeteça correr quando acorda, vista essa roupa. Irá notar que a ausência de vontade inicial pode transformar-se numa espécie de “já que estou vestida, vou só fazer uns quilómetros de caminhada” e depois evoluir para um “olha, já agora, acelero aqui um bocadinho”. Pronto, treino efetuado. Apenas porque colocou a roupa aos pés da cama, e não porque lhe apetecia correr quando se levantou.

b) Intenções de implementação

Um outro princípio útil para melhorar o seu autocontrolo é estabelecer intenções de implementação. Geralmente, essas intenções assumem a forma de declarações “se-então” que ajudam as pessoas a planear situações que facilitam a adesão a um hábito. Ter um plano definido com antecedência pode permitir que tome decisões num determinado momento, sem precisar recorrer à sua força de vontade.

Por exemplo, se estiver a tentar diminuir o consumo de bebidas alcoólicas, pode dizer a si mesma antes de uma festa: “Se estiverem todos a beber gin tónico, então pedirei um balão com gelo, água das pedras e limão”.

c) Mudança de perspetiva

Ao enfrentar tarefas desafiadoras, acredite que a falta de motivação é temporária. Considere a força de vontade como uma voz a ser ouvida, indicando como investir seu tempo. Se ajustarmos a perspectiva para olhar para a força de vontade como uma emoção, ela passa a ser um indicador sobre em que devemos ou não devemos gastar o nosso tempo. Alguns estudos indicam-nos que as pessoas que acreditam na finitude da força de vontade estão mais propensas a esgotá-la, enquanto as que a veem como inesgotável não mostram sinais de esgotamento após um exercício de autocontrolo. Isto é interessante, porque, mais do que força de vontade, parece ser importante a vontade de ter força. Ou seja, o conjunto de crenças sobre si e os valores que sustentam aquilo que faz podem guiá-la no sentido de fazer o que é realmente importante para si.

d) Reserva de motivação

Reconheça que a força de vontade não se esgota totalmente. A pesquisa que sugere que possuímos um reservatório limitado de autocontrolo levanta uma questão interessante. Quando enfrenta muitas tentações, estará destinada ao fracasso? Não necessariamente. Os pesquisadores não acreditam que a força de vontade de alguém esteja completamente esgotada. Em vez disso, as pessoas parecem manter alguma força de vontade de reserva, conservada para exigências futuras. A motivação certa permite-nos explorar essas reservas, permitindo-nos perseverar mesmo quando a nossa força de autocontrole se esgota. Resumindo, escolha bem o que quer realmente mudar, porque não pode ir a todas 

Conclusão

Em última análise, compreender a natureza da força de vontade, seja como um recurso finito ou uma emoção variável, pode fornecer pistas valiosas para superar os desafios de manter hábitos e resoluções ao longo do ano. A adoção de estratégias como intenções de implementação e a reavaliação da força de vontade como uma voz a ser ouvida podem ser chaves para alcançar o tão desejado sucesso nas metas estabelecidas.

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