Há dias em que tudo parece um malabarismo sem fim. Fazemos o jantar enquanto respondemos a mensagens do trabalho, tentamos dar atenção ao filho que quer mostrar um jogo e ao mesmo tempo ouvir o parceiro que fala sobre o seu dia de trabalho. Às vezes, damos por nós a pensar:
“Mas onde estou eu no meio disto tudo?”
Esta é uma pergunta fundamental. Porque quando deixamos de nos ver, deixamos também de ver os outros com clareza.
Manter a individualidade e promover o bem-estar da família não é um luxo — é uma necessidade. E começa por sermos gentis connosco.
Como manter o “eu” sem perder o “nós”?
1. Ser boa mãe, boa companheira, boa profissional — e ainda estar bem? Nem sempre dá. E está tudo bem.
Muitas mulheres vivem com uma pressão silenciosa de conseguir “chegar a todo o lado” — serem mães presentes, profissionais competentes, companheiras carinhosas, amigas disponíveis, e ainda meditar, treinar e cozinhar de forma saudável. Mas essa exigência invisível vai-nos esvaziando. E quando estamos esgotadas, é difícil cuidar dos outros com a qualidade que ambicionamos.
Exemplo realista:
Há dias em que o jantar é massa com atum e ninguém morre por isso. Em vez de insistir numa refeição perfeita, sente-se com as crianças e brinque com o cheiro da comida. Em vez de forçar uma conversa profunda com o companheiro à noite, talvez baste um abraço mais demorado.
Dicas práticas:
Escolha três prioridades para o dia. Não sete. Três.
Quando se apanhar a pensar “devia estar a fazer mais”, respire e repita: “Estou a fazer o possível com o que tenho hoje”.
2. Não se anule em nome do amor: ninguém ganha com isso.
Há mães e companheiras que se vão anulando porque querem “ver todos felizes”. Mas uma casa cheia de pessoas satisfeitas e uma mulher exausta é uma equação que tem tudo para dar errado.
Exemplo identificável:
Se adia sempre o seu treino, a sua pausa, o seu café, para responder ao que todos pedem, está a ensinar (sem querer) que as suas necessidades não são importantes.
E as crianças aprendem mais com o que vêem do que com o que lhes dizemos. Como se sentiria se visse os seus filhos (adultos) emocionalmente esgotados por quererem chegar a todo o lado?
Dicas práticas:
Comece a verbalizar os seus próprios limites com calma e clareza:
- “Agora preciso de descansar 10 minutos. Daqui a pouco podemos brincar.”
- Dê o exemplo de uma mulher que cuida dos outros sem deixar de cuidar de si.
3. O que quer realmente ensinar às suas crianças?
Antes de reagir à birra, à desarrumação ou ao barulho, pergunte-se:
“O que é que quero que o meu filho aprenda com este momento?”
Se o foco for apenas controlar o comportamento, perde-se a oportunidade de ensinar sobre regulação emocional, empatia e autonomia.
Exemplo concreto:
Se o seu filho grita porque não quer tomar banho e a sua primeira reação é gritar de volta, pare. Respire. E diga: “Percebo que não te apeteça agora. Mas o banho é importante. Posso ajudar-te a escolher se vais com a toalha vermelha ou com a azul?”.
Dicas práticas:
- Em vez de castigos automáticos, use perguntas: “O que é que aconteceu? O que é que podemos fazer diferente da próxima vez?”;
- Lembre-se: está a educar um adulto em construção, não a moldar uma criança submissa.
4. O tédio não é o inimigo. É um convite à criatividade.
Na tentativa de manter os filhos sempre entretidos, muitos pais enchem as crianças de atividades, ecrãs, estímulos. Mas o tédio é essencial para que surja a criatividade, a imaginação, a invenção.
Exemplo do quotidiano:
Se o seu filho disser “estou aborrecido”, evite correr para “resolver”. Diga apenas: “Que bom! É no tédio que nascem ideias incríveis. Vai ver o que é que consegues inventar”.
Dicas práticas:
- Tenha uma “caixa do tédio” com papéis, lápis, pedaços de cartão, botões, fitas — e deixe-os explorar;
- Não preencha todos os minutos do dia. O vazio é fértil.
5. Nem tudo vai correr bem. E isso não significa que esteja a falhar.
Famílias felizes não são as que não discutem ou que têm sempre tudo sob controlo. São as que sabem reparar. Pedir desculpa. Recomeçar. E rir do caos quando for possível.
Exemplo realista:
O banho foi uma guerra, o jantar ficou salgado, o seu companheiro respondeu torto e a sua filha chorou porque a meia não estava “bem posta”. Tudo isso é normal.
Dica prática:
Crie uma rotina mínima de conexão no fim do dia:
- “Hoje foi um dia cheio. Obrigada por estarem aqui para me apoiar.”
- Baixe as expectativas. Em vez de uma “família perfeita”, procure construir relações suficientemente boas.
No fundo, manter-nos “bem” em família não é um destino — é uma dança constante. Umas vezes mais descoordenada, outras mais fluida. Às vezes há pisadelas, há quem se magoe. Na maior parte do tempo pode ser muito divertido e aconchegante.
O mais importante? Dançarmos juntos, sem nos esquecermos do nosso próprio ritmo.
 
			        
 
         
								 
								