Resiliência - Uma ferramenta a colocar na “mochila” dos nossos filhos

Inês Afonso Marques // Julho 13, 2020
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Há ocasiões em que o fluir natural e habitual dos dias, como nós os conhecemos é interrompido por situações mais ou menos imprevistas, podendo provocar um conjunto de reações comportamentais e emocionais, frequentemente desconhecidas e intensas. Esta noção de crise pode instalar-se por situações tão diversas como um divórcio, uma mudança de cidade, uma situação prolongada de desemprego, a perda de um ente-querido, uma catástrofe natural ou… uma pandemia – este contexto tão exigente que todos nós vivemos atualmente.

Como lidam e se adaptam as crianças a situações disruptivas que interrompem as suas rotinas e as afastam daquilo que lhes era dado como garantido, como aprender numa sala de aula na escola, correr no recreio, brincar no parque infantil com os amigos, abraçar e beijar em doses grandes os avós e os tios? Que ferramentas podem ter as crianças na sua mochila (a dos sonhos e das competências que as ajudam a crescer mais confiantes e capazes) que as ajudem a passar por estes momentos desafiantes? 

Como na infância as áreas cerebrais responsáveis pela capacidade de planeamento, de controlo de impulsos e de regulação emocional ainda se encontram em fase de maturação, cabe aos adultos, ajudarem as crianças a desenvolverem recursos para lidar com a adversidade, para se adaptarem à mudança, para gerirem as emoções, para conseguirem ser resilientes em momentos que queremos que mais não sejam do que pequenos soluços no seu bem-estar. A resiliência é, então, uma ferramenta que vale a pena garantir que o seu filho leva na sua “mochila” para a vida.

“Parece que estou a andar numa montanha russa. É tudo confuso, nem sei como me sinto.”

Apoie a criança na descoberta de que as emoções não são um bicho de sete cabeças: ajude-a a dar nome àquilo que está a sentir; crie condições de espaço, tempo e laços afetivos fortes e que transmitam segurança, para que expresse o que sente de forma adequada; e forneça estratégias de regulação emocional ajustadas à sua idade. As crianças nem sempre conseguem recorrer às palavras para espelharem aquilo que vai dentro delas; por isso, esteja atento às suas brincadeiras, aos desenhos que fazem e aos comportamentos que apresentam, pois habitualmente revelam os seus medos, as suas preocupações, as suas angústias, as suas dúvidas…

“Vai ser sempre assim. Não vou deixar de me sentir assim.”

Experimentem olhar para as emoções como se fossem ondas do mar. Elas vêm até nós, e algumas são grandes e vigorosas, mas passado alguns instantes vão embora dando lugar a outras ondas, com outras formas e outras intensidades. Esta imagem retira a noção de permanência de um estado emocional mais doloroso e intenso.

“Não posso fazer nada. Nada disto foi uma escolha minha.”

As situações imprevistas, não planeadas, que podem invadir a vida das famílias são tendencialmente as mais exigentes do ponto de vista emocional, porque a noção de controlo é posta em casa. Uma forma de ajudar a criança a não entrar em espirais de pensamento que alimentam o medo, a frustração e a ansiedade é ajudá-la a identificar quais os aspetos da sua vida que estão na sua esfera de controlo e quais não estão, e incentivá-la a dedicar tempo e atenção a todos os aspetos em relação aos quais tem controlo e poder de decisão. A ideia é também mudar o foco dos problemas, para as soluções.

“Parece que tudo é mau.”

Ao final do dia convide o seu filho a partilhar consigo (desenhando, escrevendo ou falando) algo pelo qual está grato, no seu dia ou na sua vida. Não há respostas certas ou erradas. Qualquer partilha é válida, desde o elemento aparentemente mais simples (um filme que se viu, um gelado que se comeu, o dia de sol que esteve…) até temas mais amplos (os bons amigos, a saúde da família, a casa confortável onde vive…).

E de que outras formas podem as crianças desenvolver a resiliência?

Através da imaginação e das histórias infantis. Estas permitem que a criança se identifique com os personagens, externalize a forma como lida com os seus próprios problemas e permite falar sobre emoções, pensamentos e estratégias para lidar com momentos de vida desafiantes.

Assim…

  • … Acompanhando de perto muitas crianças e a forma como estavam, elas e as suas famílias, a lidar com a situação do confinamento, com a disrupção das suas rotinas, com a interrupção da sua liberdade de brincar e correr no recreio e nos jardins, com as saudades dos amigos, com as aulas à distância, com o medo da contaminação;
  • … Pensando como viverão o período de recuperar algum contacto com as suas anteriores “realidades”;
  • … Surgiu o livro “Sonhar com o arco-íris” (editado pela editora Zero a Oito, Junho 2020), uma história que escrevi em plena fase de confinamento.

Sonhar com o arco-íris

Esta é uma história infantil que permite por pais e filhos a conversar sobre situações difíceis, imprevistas, potencialmente dolorosas e que podem invadir a vida das famílias. É um livro que fala de emoções, de valores, da gratidão. Fala sobre a resiliência. E sobre o poder da imaginação, para nos conduzir a lugares seguros, sempre que situações exigentes do ponto de vista emocional ocorrem nas nossas vidas.

Ao longo da história somos transportados para o sonho que o Sebastião – personagem principal, carinhosamente tratado por Titão, pela irmã – teve naquela noite e em que toda a vida dele e da família é levada para dentro de casa. Depois, vamos conhecendo a forma como ele se relaciona com o regresso à realidade: refletindo sobre as pessoas especiais que fazem o seu coração sorrir, sobre as coisas importantes da sua vida, sobre as atividades que o diverte, sobre gratidão.

O livro é inspirado no nosso contexto atual, com esta situação de pandemia, mas é uma história que faz sentido explorar em qualquer momento em que o fluxo habitual dos nossos dias é interrompido por situações em que as “emoções parecem querer andar de montanha russa”. Concretamente em relação a este período que atravessamos atualmente, as crianças vão identificar-se com o Sebastião. Vão identificar-se com o sonho que ele relata, e que lhe virou o mundo de pernas para o ar, e lhe levou todos os aspetos das sua vida para dentro de casa; vão rever-se naquilo que ele descreve sentir e vão descobrir como muitas vezes os truques para lidar com situações difíceis estão perto delas. E a imaginação é um desses truques, um truque muito poderoso!

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