Quando a sonolência pode matar

Vânia Caldeira // Junho 2, 2025
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sonolência
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Todos os anos em épocas festivas e de férias há alertas acerca dos perigos da condução sob o efeito de álcool e do excesso de velocidade ao volante, conhecidas causas de acidentes rodoviários. É, no entanto, importante relembrar uma causa subvalorizada de acidentes de viação – a sonolência ao volante. 

O perigo escondido atrás do volante

Num questionário online da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) com mais de 2000 respostas, 51% dos inquiridos assumiu queixas de sonolência diurna excessiva. Noutro questionário mais recente da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) em conjunto com uma empresa de cuidados respiratórios domiciliários, foram inquiridos 1002 condutores e os resultados são alarmantes: 1 em cada 4 condutores apresenta sonolência excessiva; cerca de 1 em cada 3 conduziram num estado de sonolência extrema e 9.4% chegaram a adormecer ao volante. 30% dos acidentes referidos pelos condutores no último ano e 21% dos quase-acidentes tiveram como causa o cansaço, a fadiga ou a sonolência.

A sonolência é um sintoma subjectivo e complexo que expressa a necessidade de sono e que vai impactar negativamente a performance na condução.  

Além do compromisso da função cognitiva que condiciona a tomada de decisão, a atenção, o tempo de reacção e a coordenação motora, pode ocorrer a incidência de episódios involuntários de sono durante a condução. Os acidentes rodoviários causados pela sonolência são, por isso, acidentes que ocorrem a elevada velocidade, sem sinais de travagem e habitualmente com feridos graves e mortes associadas. Além disso, os estudos mostram que os condutores têm pouca percepção da sua real sonolência, tendendo a subestimá-la. 

Grupos de risco para sonolência ao volante

Nos grupos de risco para sonolência ao volante destacam-se as pessoas que dormem pouco, os trabalhadores por turnos e os trabalhadores nocturnos, os adolescentes, os doentes que tomam fármacos sedativos, os motoristas profissionais (pela condução prolongada e muitas vezes nocturna) e as pessoas com doenças do sono não diagnosticadas e/ou não tratadas.

O mais importante é precisamente que as principais causas de sonolência são reversíveis ou tratáveis.

A principal causa de sonolência é comportamental – a privação de sono ou síndrome de sono insuficiente. Apesar das conhecidas necessidades de 7 a 9 horas de sono nos adultos, no questionário online da SPP 75% dos inquiridos referiu dormir menos de 7 horas e 19% menos de 6 horas por noite. As exigências profissionais, sociais e familiares continuam a roubar tempo ao sono, com risco directo para o próprio (riscos de saúde física cardiovascular e metabólica, mas também riscos para a saúde mental) e riscos para a saúde pública. Existem estudos que comparam a condução sonolenta, após privação de sono, à condução sob o efeito de álcool. Depende de todos, enquanto sociedade, mas também da responsabilidade individual de cada um, assegurar que se dorme o número necessário de horas também para estarmos aptos a conduzir. 

A segunda causa de sonolência diurna excessiva é a apneia do sono, ou seja, a presença de paragens respiratórias durante o sono que contribuem para a fragmentação do mesmo, com sensação de sono não reparador, fadiga e cansaço no dia seguinte. Outros sintomas são o ressonar, os despertares nocturnos, as dificuldades de concentração ou atenção e as alterações de humor. Pode afectar até 50% dos homens na idade adulta e 23% das mulheres. Muitas vezes nas mulheres há sintomas menos habituais, como dor de cabeça, ansiedade, irritabilidade, depressão ou insónia. O excesso de peso e a obesidade são factores de risco importantes, tal como a idade e a menopausa. As pessoas com hipertensão, arritmias, insuficiência cardíaca ou diabetes também têm risco acrescido de desenvolver a doença. 

É necessário um estudo do sono para confirmar o diagnóstico e existem vários tratamentos personalizados para cada caso. 

O tratamento com pressão positiva (ventilador nocturno) demonstrou resolver a sonolência diurna excessiva. Particularmente os condutores profissionais de pesados devem procurar ajuda médica especializada se suspeitam de apneia – uma vez eficazmente tratada a apneia do sono, diminuem-se os riscos associados e o condutor não tem qualquer limitação para conduzir. Infelizmente muitas pessoas continuam a chegar à consulta de Sono apenas após um acidente ao volante. É fundamental o envolvimento da sociedade civil para assegurar que os condutores profissionais têm uma adequada avaliação em consulta de Sono. 

Como prevenir a sonolência ao volante?

É importante destacar que muitas das atitudes que o condutor sonolento toma para mitigar a sonolência não têm qualquer evidência demonstrada (como abrir a janela, aumentar o volume da música, mascar pastilha ou molhar a cara). São medidas essenciais a preparação das viagens longas com boa higiene do sono prévia e planeamento do horário e de eventuais pausas ou meios de transporte alternativos quando a sonolência é persistente. É fundamental o reconhecimento precoce dos sinais de sonolência, como o pestanejar ou o bocejo frequentes, o comportamento automático (dificuldade em recordar o trajecto ou falhar a saída) ou o desvio na via. Nesses casos a condução deve ser interrompida assim que possível em segurança.

Ao contrário do que muitas pessoas ainda acham “adormecer em qualquer lado” ou andar sonolento durante o dia não é normal e tem riscos para a saúde de todos. 

No ano em que se assinala o mote de “tornar a saúde do sono uma prioridade” é essencial colocarmos o sono na agenda, assegurando um número de horas adequado às nossas necessidades, mas também vigiarmos a saúde do nosso sono e do sono dos nossos familiares e amigos. Na presença de sonolência deve ser procurada ajuda em consulta de Sono. Se tem sono, não conduza.

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