Qual o papel dos pais num ano letivo bem-sucedido?

Maria de Fátima Perloiro // Novembro 19, 2024
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ano letivo bem-sucedido
ano letivo bem-sucedido

Um ano letivo bem-sucedido para os nossos filhos é um desejo comum a todos os pais, seja com filhos no Jardim Infantil, no 1.º, 2.º ou 3.º Ciclo, Secundário ou mesmo na Faculdade. Mas, o que é isso de ser “bem-sucedido”? Quais são os nossos critérios envolvidos? Estão adequados ao mundo de hoje e aos filhos específicos que temos? Quais os limites do nosso envolvimento enquanto pais? A que aspetos devemos estar atentos e o que será melhor evitar? Qual o nosso papel no sentido positivo, ou seja, o que podemos fazer?

O sucesso de um ano letivo é muito mais do que obter boas notas. É, em primeiro lugar, o crescimento integral da criança ou jovem nos seus vários aspetos. Envolve a aprendizagem formal, mas também a socialização, a autoconfiança, a autorregulação e competências de autonomia, de empatia, a criatividade, o pensamento crítico e analítico, entre muitas outras competências.

Os parâmetros socialmente aceites para a avaliação do sucesso escolar encontram-se há décadas viciados. O que será o sucesso escolar? 

Ter boa nota a Português? Ser o melhor a Ciências? Passar de ano? Ou será antes, aprender a ler e gerar o gosto pela leitura? Perceber a Matemática para desenvolver o raciocínio abstrato? Ou ser o melhor da turma? O mais criativo e inovador? Desenvolver a sensibilidade para as artes, a música, as artes plásticas, o teatro? Criar o gosto pelo desporto para um desenvolvimento físico e psicológico equilibrado?

Tendemos a dizer que valorizamos todas estas vertentes, mas, no correr dos dias, o que ouvem os nossos filhos? Sobre o que falamos com eles, o que perguntamos?

Se a nossa preocupação com um ano letivo bem-sucedido é legítima e até desejável já o facto de lhes passarmos a nossa “ansiedade de pessoa adulta” pode ser contraproducente. Por exemplo, alertamos para expectativas que podem ser desfasadas da idade: uma carreira profissional linear, autossuficiência económica, respeitabilidade social. Deste modo preenchemos a cabeça das crianças e dos jovens com problemas, para eles longínquos, mas que geram apreensões concretas e lhes retiram a tranquilidade necessária ao processo de aprendizagem. Pode ainda contaminar a autoconfiança e impedir que a aprendizagem seja um processo tranquilo, gradual e integrador, desejavelmente muito agradável e que gere boas recordações.

Este desejo, que às vezes se torna uma preocupação, tem por base a boa intenção de querermos o melhor para eles – que sejam felizes, que alcancem os seus sonhos, que estejam equilibrados, que aprendam… Ora, a questão começa exatamente aqui. “Aquilo que eu acho que os faz felizes e bem-sucedidos será mesmo o melhor para eles?” Estamos a ajudá-los a alcançar os sonhos deles ou, na verdade, são os nossos sonhos não alcançados que estamos a projetar neles? O conhecido psicanalista Carl Jung diz com grande sabedoria:

The greatest tragedy of the family is the unlived lives of the parents.” 

Reina hoje, a pressão para fazer a diferença, para se destacar, para ser o melhor, ser saliente. E para quê? Pode acontecer que a melhor existência, a mais feliz e mais coerente, seja querer ter uma vida discreta, normal, pacata, sem grandes saliências ou protagonismo, mais centrada no bem-estar dos outros do que no sucesso pessoal. Paremos para pensar, para olhar bem para nós e para as nossas crenças, as nossas frustrações, os nossos desejos de validação própria e parental, para a nossa tentação de seduzir os filhos, dando-lhes o infinito, em vez de os educar.

Será que o equilíbrio dos nossos filhos passa por estarem com uma agenda bem carregada (onde o tempo que sobra é o de comer e dormir…), numa lista infindável de atividades artísticas, desportivas, sociais… Ou seria melhor estar menos tempo na escola e em atividades não orientadas por terceiros e mais tempo com a família?

Invariavelmente, um foco excessivo de atenção, conversa e pressão parental para o sucesso escolar (visto em forma de resultados e não de processos), pode ter prejuízos muito elevados. Pode desgastar por completo uma relação mãe/pai-filho(a), contribuir para desenvolver uma má autoestima académica, gerar sentimentos de inutilidade ou incapacidade e, pior que tudo, gerar falta de esperança no futuro.

Ao longo de tantos anos de prática nunca ouvi um aluno dizer, “que bom os meus pais fazerem esta pressão sobre mim”; “esta ansiedade dos meus pais com as notas faz-me mesmo bem…”. Antes pelo contrário, ouvi muitos desabafos cheios de desânimo, tristeza, solidão e mesmo desespero. Aqui ficam alguns exemplos:

  • A sensação de que eu, filho, tenho uma identidade reduzida ao “eu escolar”.
    • “No caminho para a escola a minha mãe hoje veio a fazer-me perguntas o tempo todo por causa do teste de Ciências, não sei porquê, mas acho que ela quer que eu tenha 100%, não sei porque ela fica tão nervosa com isto, eu não estava, mas depois…” (aluna do 4.º ano);
    • “Acho que para os meus pais eu sou um conjunto de notas. Tipo assim, eu já nem tenho nome sou aquele que na pauta teve dois níveis 2, quatro 3, um 4 a Educação Física e nenhum 5…” (aluno do 8.º ano);
    • “Os meus pais só se preocupam com as notas e com a escola. Estou triste com problemas com as minhas amigas e nem querem saber…” (aluna do 9.º ano);
    • “O meu pai só se senta ao meu lado para estudar comigo Matemática, e muitas vezes passa-se da cabeça e não tem paciência porque eu não percebo logo à primeira. Acho que não quer saber de mais nada para fazer comigo…” (aluno do 5.º ano).
  • Que sou uma desilusão porque não estou à altura daquilo que os pais querem para mim.
    • “Chego ao carro e são logo mil com perguntas do tipo: como correu o teste de Matemática, subiste? Não me digas que não estás a sair outra vez do 13/14? Assim não vais a lado nenhum, não é assim que chegas onde queres…” (aluno do 10.º ano);
    • “Estou farta de perguntas sobre testes, sobre notas, sobre poder fazer sempre melhor e melhor… nunca está bem. Sento-me à mesa para jantar e começa logo o tema. Já nem me apetece jantar em família…” (aluna do 11.º ano);
  • Que vou ser alguém sem valor e sem futuro.
    • “A minha avó diz que se não entro na Faculdade X não vou ser ninguém na vida, que o resto são tudo Faculdades sem valor… ou entro na melhor ou não vale a pena…” (aluno do 12.º ano);
    • “Se os meus pais estão preocupados é porque deve ser mesmo difícil e eu não vou conseguir aprender a ler…” (aluno do 1.º ano);
  • Que tenho de ser no futuro aquilo que os meus pais dizem que é bom para mim, embora não seja nada disto que me entusiasma, que gosto ou que sinto ser a minha missão…
    • “Esquece isso das Artes, vai primeiro fazer um curso sério e ganhar dinheiro e depois então podes comprar as telas para pintar.” (um pai)

De facto, verifica-se que a preocupação dos pais, sobretudo com o sucesso académico, mas também com o sucesso desportivo ou social dos seus filhos (por exemplo: “A minha filha é a mais popular da turma.”) é um dos fatores que gera maior tensão no seio das famílias.

Vejo pais a substituírem-se aos filhos, a fazer por eles os trabalhos de casa, a fazer integralmente os resumos das matérias, a estudar com eles mais do que deviam.

Ao passarmos a ideia de que aquilo que importa na vida dos nossos filhos é 90% a escola e 10% as outras coisas da vida, desequilibramos a sua formação integral.

Comprovei com desgosto, na prática de quase 20 anos de trabalho em contexto escolar, que esta abordagem conduz a sérias perturbações de ansiedade com necessidade, em alguns casos, de intervenção profissional na área da Psicologia Clínica ou mesmo da Psiquiatria. 

Ao que devemos, então, estar atentos, refletir e pôr em prática? 

Convido o leitor a ler em voz alta as seguintes afirmações e a ter a coragem de se auto analisar e indicar em qual ou quais pode dizer: “Sim eu penso e faço isto”.

  1. Os meus filhos têm uma identidade e personalidade própria que eu respeito e admiro. Por isso observo, reforço, admiro e elogio de forma sincera aquilo que vejo neles;
  2. Os meus filhos são pessoas diferentes, e não uma posse ou prolongamento de mim próprio. Costumo ter muita atenção àquilo que são os seus talentos próprios e tento cultivá-los, sejam eles quais forem;
  3. Aquilo que eles são e como são, pode não ser nem meu mérito, nem minha culpa exclusiva. Tenho muita consciência que a educação e formação dos meus filhos é um processo complexo com múltiplas influências. Até certo ponto existe mesmo algo de transcendente;
  4. São eles que andam na escola, não sou eu mãe ou pai. Lembro-me disto frequentemente e respeito as conquistas e falhanços próprios de cada idade. Sei respeitar o ritmo e o espaço deles, são eles que estão a aprender e que escolhem os seus amigos. Procuro não perguntar que nota tiveram, mas antes o que aprenderam de novo;
  5. O meu(minha) filho(a) deve ter um espaço para se autorregular emocionalmente, devo confiar nas suas capacidades progressivas de lidar com frustrações e emoções negativas, é bom que não precise de mim;
  6. Eu sou muito atento(a) ao uso do telemóvel e outros ecrãs e redes sociais. Conheço bem os elevados riscos e faço um controlo e gestão séria e consistente. O(a) meu(minha) filho(a) não precisa de um telemóvel, muito menos um telemóvel cheio de tralhas apelativas estéreis e maléficas, precisa muito mais de falar, conversar, brincar com os outros e do meu tempo. E eu mostro isto pelo exemplo e desligo/silencio o meu telemóvel assim que chegamos a casa e garanto que jantamos todos à mesa e sem qualquer ecrã a falar ao lado ou em cima da mesa;
  7. A vida emocional é a base e estrutura do funcionamento intelectual, alguém fortemente deprimido fica disfuncional. Por isso, eu dedico tempo e atenção à nossa vida emocional enquanto família e à vida emocional dos meus filhos. Substituo, diariamente, a minha imensa preocupação pelos resultados escolares e pela entrada na faculdade ou curso XPTO, por tempo de qualidade passado com os meus filhos onde mostro que adoro estar com eles. Passo tempo a ajudar nas tarefas escolares, mas é ainda melhor quando conversamos sobre eles próprios, sobre nós, as nossas relações, sobre o mundo, sobre sonhos que temos, sobre aquilo que nos faz sentir bem e sobre aquilo que nos é mais difícil ou nos entristece;
  8. A escola é, por excelência, um lugar de socialização, de geração de amizades, de despontar de talentos e de descoberta do mundo e todos estes aspetos são mais importantes do que as notas do final do ano. Estou sempre a dizer isto aos meus filhos e mostro-o com palavras, gestos e comportamentos de forma muito frequente.

Podemos parar de querer produzir pequenos CEO dentro da escola? Podemos parar este frenesim desenfreado de querermos orientar para o sucesso em vez de orientar para o sentido da vida?

Educar para o sucesso é educar não para ser “o melhor”, mas para ser “uma pessoa um pouco melhor a cada dia”. 

Acreditamos nisto? Então, vamos cultivar esta ideia e pô-la em prática, com palavras, com gestos e sobretudo com amor.

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