Vivemos atualmente aquilo a que alguns especialistas designam por “crise de atenção” – uma incapacidade de suster o nosso foco em tarefas cognitivamente exigentes durante um período considerável de tempo. Vários fatores contribuem para este problema, como o volume de informação a que somos expostos diariamente ou o facto de existirem empresas cujo modelo de negócio se baseia na captura e revenda da nossa atenção.
No contexto profissional, há ainda que considerar o impacto do ritmo de trabalho, que nos últimos anos se tornou mais acelerado, com quase metade dos colabores europeus a reportar trabalhar frequentemente em velocidade elevada (49%) e sob prazos apertados (48%), segundo um inquérito realizado em 2021 pela Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho.
Esta pressão para fazer mais em menos tempo leva-nos a empregar técnicas de gestão de tarefas como o multitasking, que não só consome recursos de atenção, como não nos permite recuperá-los durante o dia de trabalho.
O recurso a este método é fortemente influenciado por alguns mitos que importa esclarecer:
O mito do trabalho em paralelo
Tendemos a acreditar que, quando fazemos multitasking, estamos a realizar duas (ou mais) tarefas em simultâneo, quando na verdade estamos a alternar de forma rápida e constante entre elas. Atividades cognitivas complexas, como ler, escrever, ouvir ou falar, não podem ser realizadas em paralelo, porque a nossa memória de trabalho, que é a parte do cérebro responsável pela sua execução, só se consegue dedicar a uma de cada vez. Para sermos capazes de manter a concentração numa tarefa exigente, não podemos sobrecarregá-la com outras tarefas de exigência igual ou comparável.
O mito da poupança de tempo
Quando alternamos entre tarefas, assumimos que estamos a ser mais eficientes na concretização do nosso trabalho. No entanto, além do tempo que perdemos com a interrupção à tarefa original, precisamos de contabilizar o tempo de que o cérebro necessita para retomar o seu estado inicial de foco, e que alguns estudos indicam que poderá ser de cerca de 20 minutos. Por outro lado, há ainda que considerar o impacto dos chamados “resíduos de atenção” – sempre que trocamos de tarefa, parte da nossa atenção fica retida na tarefa anterior, pelo que o nosso foco não está totalmente disponível para a nova atividade. Se a interrupção trouxer alguma carga emocional (um e-mail com um tom mais agressivo, uma notícia geradora de ansiedade), a dificuldade em retomar a concentração no assunto que tínhamos em mãos tenderá a ser ainda maior.
O mito da gestão de stress
Face à necessidade de responder a múltiplas solicitações, o multitasking pode parecer uma solução para gerir a pressão. Contudo, a investigação tem demonstrado que esta técnica, particularmente quando está associada à verificação regular de e-mails, tende a estar associada a indicadores físicos de stress, como o aumento da pressão arterial e do ritmo cardíaco.
O mito da criatividade
Há quem defenda que o multitasking pode ser um caminho para a criatividade, porque quando trabalhamos em diferentes projetos temos maior probabilidade de cruzar ideias que vêm de áreas diversas. No entanto, este fenómeno não implica que as tarefas devam ser realizadas em simultâneo, mas, sim, em coexistência. Um médico que se dedique também à música retirará daí inúmeros benefícios para a sua criatividade, mas dificilmente se dedicará a ambas as práticas ao mesmo tempo. Além disso, a associação de ideias geralmente acontece quando o cérebro tem liberdade para divagar, e o preenchimento de todos os tempos livres com tarefas profissionais deixa pouco espaço para que isso aconteça.
O mito da produtividade
Este último mito contém a maior ironia de todas: embora o multitasking seja geralmente visto como uma forma de amplificar a produtividade, o seu impacto tende a ser prejudicial para o desempenho: além de gerar erros, prejudica a memória, aumenta os tempos de resposta a solicitações e dilata o período necessário para concluir as tarefas.
Mais do que procurar soluções para encaixar mais tarefas no mesmo número de horas, precisamos de estar cientes do impacto destas práticas sobre a nossa atenção e tomar medidas que nos permitam recuperar a capacidade de foco.
No meu livro, “Atenção na Era da Distração”, proponho algumas ideias para proteger a atenção em contexto de trabalho, tais como:
- Criar barreiras de tempo e de espaço face às interrupções, preservando os períodos em que queremos estar integralmente focados numa tarefa;
- Organizar as tarefas em blocos, de modo a evitar a alternância permanente e a delimitar o tempo que dedicamos a cada atividade, prevenindo o desgaste da atenção;
- Aproveitar os intervalos naturais do dia (pausas para almoço, viagens ou deslocações entre espaços de trabalho) para desconectar dos ecrãs e recuperar dos períodos de concentração.
De pouco nos servirá poupar tempo, se não formos capazes de direcionar o nosso foco de uma forma consciente e alinhada com os nossos objetivos e com o ritmo natural da nossa atenção.