Como seriam as nossas vidas se não comemorássemos os nossos aniversários? Por que é que participamos em eventos religiosos como a “missa de sétimo dia”? Porque é que o Facebook tem um recurso ao qual chama “Memórias”? Qual é, afinal, a importância da comemoração? E que impacto tem nos laços familiares?
Antes de começar a escrever este texto, o Facebook “lembrou-me” de que há cinco anos, durante o lançamento de um dos meus livros, o meu filho, na altura com dois anos e meio, cantou o “Frère Jacques” ao microfone à frente de uma audiência que reagiu com risos enternecidos. Curiosamente, ontem o meu marido teve de falar ao microfone para uma audiência e, em família, lembrámo-nos daquela tarde em que o nosso filho captou a atenção de todos os adultos presentes na sala. Ontem e hoje voltei a sentir um pouco da alegria que vivi há cinco anos. Ontem partilhei-a com a minha família, hoje senti-me grata ao Facebook pela possibilidade de voltar a ver aquele vídeo.
Qual é a importância da comemoração?
Comemorar é trazer à memória, é recordar. Na prática, é dar importância ao que passou. Quando paramos para comemorar uma vitória, o nascimento de alguém ou um evento que nos trouxe felicidade, estamos a parar para saborear aquilo que nos fez (faz) bem e isso é importante porque nos dá força e resiliência para enfrentar os desafios e o stress do dia-a-dia. Quantas vezes não estamos assoberbados com trabalho ou problemas de qualquer natureza e nos sentimos mais animados perante o facto de estarmos a aproximar-nos do Natal, do nosso aniversário ou de outra celebração importante? Não é só a existência de uma festa que nos entusiasma – é a possibilidade de voltarmos a reunir com as pessoas que amamos e de, através desses rituais, estreitarmos os laços. Quando fazemos questão de estar presentes no aniversário de um(a) amigo(a), apesar de estarmos cansados, com sono ou com muito trabalho, que mensagem estamos a transmitir? A de que ele(a) é importante para nós, claro. Quando comemoramos o nosso próprio aniversário, estamos a dar a possibilidade às pessoas de quem gostamos de mostrarem que somos importantes para elas. Sentimo-nos acarinhados e especiais e isso é impagável.
Quando deixamos de ter a possibilidade de comemorar um evento importante, é ainda mais fácil perder a importância da comemoração. Se estivermos a viver no estrangeiro e não pudermos dar um beijinho aos nossos pais no dia do pai ou no dia da mãe, percebemos o quanto custa estar longe nestas alturas e quão aconchegante é comemorar em família. Esta pandemia também nos tem lembrado, às vezes de forma muito dura, como é difícil estarmos impedidos de participar em algumas comemorações.
É importante que reflitamos sobre isso a propósito das escolhas que fazemos em momentos de maior tensão ou conflito. Por exemplo, se nos zangarmos com um familiar ou com um(a) amigo(a), o que é que fazemos no seu aniversário? Amuamos e mantemos o silêncio? Ou mostramos a importância que aquela pessoa tem na nossa vida comemorando o acontecimento através de um telefonema ou de uma mensagem? Quão rejeitada se sentirá a outra pessoa se escolhermos ignorá-la nesse dia? Valerá a pena provocar esse sofrimento? É essencial que percebamos que a inexistência de uma comemoração não é só o desperdício de uma oportunidade para estreitar laços, às vezes é uma machadada numa relação que é importante para nós.
Se a pessoa que amamos receber a notícia de que foi finalmente promovida, mas isso coincidir com um arrufo qualquer de casal, que escolha fazemos? Comemoramos e ligamo-nos ou amuamos?
A comemoração em contexto familiar não envolve apenas os grandes eventos. Na verdade, quando aproveitamos as “pequenas” oportunidades para comemorar ao lado das pessoas que mais amamos, sentimo-nos mais felizes e otimistas. Quando esperamos ansiosamente pelo resultado de um exame de alguém de quem gostamos e acabamos a celebrar o resultado com um brinde ou com um jantar especial, estamos a agarrar uma oportunidade para viver um momento feliz que certamente nos ajudará a construir uma sensação de pertença e de amparo e que nos permitirá olhar para os dias mais cinzentos com outro ânimo.
Há tanta coisa para comemorar! Um emprego novo, uma conquista desportiva, a aprovação num exame de condução, o alívio de um exame médico que deu negativo, o início de uma nova etapa na vida escolar dos nossos filhos, mas também algo ainda mais simples como uma visita dos nossos amigos ou uma compra que desejámos durante muito tempo e que finalmente conseguimos fazer.
Por que devemos comemorar os eventos difíceis?
Comemorar não equivale sempre a celebrar. Uma comemoração não implica necessariamente uma festa e muito menos que estejamos felizes. Quando comemoramos o aniversário do 11 de setembro, o que é que estamos a fazer? Não somos masoquistas, certamente. Ainda assim, quase vinte anos depois, “insistimos” em rever algumas das imagens mais duras da nossa vida e em refletir sobre o assunto. Fazemo-lo de forma instintiva porque comemorar é trazer à memória aquilo que nos marcou, aquilo com que nos importamos.
Quando participamos num velório ou na missa de sétimo dia de um familiar, independentemente do nosso grau de religiosidade, estamos a escolher marcar presença num evento onde não há felicidade. Mas também estamos a escolher dizer, de forma clara, «Eu importo-me, eu tenho memória». Estamos a honrar o afeto que nos liga, quer à pessoa que partiu, quer às pessoas que ficaram. De novo, estamos a estreitar os nossos laços.
Porque é que as redes sociais nos confrontam com as nossas memórias?
Todos sabemos que as pessoas que gerem as redes sociais não brincam em serviço. Plataformas como o Facebook ou o Instagram estão altamente desenhadas para que nos mantenhamos ligados o máximo de tempo possível. Quando o Facebook nos notifica com uma memória, baseado no número de interações que aquela publicação obteve, está a lembrar-nos de um momento que, provavelmente, foi importante para nós. Isso traz-nos sentimentos significativos e, inconscientemente, liga-nos ainda mais àquela rede social.
Talvez possamos aprender alguma coisa com esta funcionalidade. Como será que as pessoas de quem gostamos se sentirão se lhes ligarmos para comemorar o facto de há quatro ou cinco anos, naquele dia, termos feito uma viagem divertida? Ou para comemorar a aquisição de casa própria? Ou para lembrar que foi naquele dia que a pessoa que amamos recebeu uma notícia difícil?
Comemorar não é só trazer à memória. Em família, é sobretudo a possibilidade de dizer «Eu importo-me contigo».
Como é que podemos comemorar em família?
Todos sabemos comemorar os grandes eventos. Cada família acaba por construir os próprios rituais e tradições associados aos aniversários, ao Natal ou à passagem do ano. Há quem celebre tudo à meia-noite, há quem faça festas de três dias, há quem ofereça presentes caros. O importante é que se construam memórias significativas e que se aproveite a oportunidade para estreitar laços.
No que toca às pequenas coisas, vale a pena trazer a intenção de as comemorar também e, assim, tirar partido de um recurso que nos ajuda a enfrentar os desafios e os dias de neura. Como é que o podemos fazer?
- Reconhecer o momento. Valorizar a conquista, a memória, o aniversário da chegada do animal de estimação, a progressão na carreira ou o teste de matemática que veio finalmente com boa nota.
- Sair da rotina. Parar para prestar atenção e deixar de fazer o que quer que estava a fazer “só” para comemorar o que há para comemorar.
- Fazer alguma coisa especial. Um brinde, um jantar especial, um aplauso, uma vela ou uma música. O importante é “fazer”, assinalar, marcar.