O amor à distância de um clique

Cláudia Morais // Fevereiro 22, 2018
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Com ou sem Internet, sempre houve quem fosse infiel e quem mentisse sobre a identidade com a intenção de ter um relacionamento. As redes sociais trouxeram, sobretudo, facilitismo. Quase tudo se tornou mais fácil: conhecer pessoas novas, ser infiel, descobrir uma traição, criar um perfil (identidade) falso, começar e acabar relações. Aquilo que passou a ser mais difícil foi manter uma relação.

O amor e as redes sociais

Quando comecei a trabalhar com casais a Internet tinha acabado de se tornar acessível à maioria dos portugueses e uma das queixas com que me deparava com frequência estava relacionada com a infidelidade a partir das salas de chat. Naquela altura não havia sites de encontros, não havia Facebook nem havia aplicações como o Tinder. O mIRC foi provavelmente o primeiro programa que permitiu que cada um de nós se expusesse online exactamente como queria – cada pessoa divulgava apenas as informações que escolhia, às vezes as fotografias trocadas não correspondiam exactamente à realidade e, tal como hoje, era infinitamente mais fácil lidar com a rejeição online do que se ela acontecesse de forma presencial. Do «DD tc» (De onde teclas?) à troca de fotografias era um ápice e, a partir daí, a troca de mensagens poderia evoluir – ou não – para um encontro presencial.

Nessa altura não se falava sobre questões como a exposição da privacidade online nem sobre o que a Internet poderia trazer de novo ao amor. A verdade é que a maior parte dos adultos rapidamente se deram conta de que as salas de conversação lhes permitiam fazer algo que já não acontecia desde o tempo em que estudavam: conhecer muitas pessoas novas. Tenho a certeza de que houve muitas pessoas que tiraram o melhor partido desta oportunidade, acabando por conhecer por esta via a pessoa que viria a transformar-se no amor das suas vidas.

Lembro-me bem do embaraço que alguns casais mostravam quando, na primeira consulta de terapia conjugal, e a propósito da pergunta «Então, como é que se conheceram?», tinham de assumir que tinha sido por esta via. Havia muito (mais) preconceito a respeito destas relações. O número cada vez maior de namorados que se tinham conhecido online não os impedia de serem vistos como casais de segunda categoria, como se lhes estivesse associada alguma limitação que os impedisse de encontrar a pessoa certa à moda antiga.

Claro que houve muitas relações que acabaram à mesma velocidade com que começaram precisamente porque há quase vinte anos, tal como hoje, uma coisa era o que uma pessoa escolhia divulgar online e outra, bem diferente, era aquilo que realmente era.

Comunicar de forma rápida e fácil

Olhei para o mIRC exactamente da mesma forma como hoje olho para o Tinder (uma aplicação de encontros online), para o Facebook ou para qualquer outra rede social: com optimismo, apesar de ter consciência de todos os riscos que lhes estão associados. A tecnologia evoluiu muito e as redes sociais, os sites de relacionamentos e as aplicações para telemóvel trouxeram-nos ferramentas que nos permitem ligarmo-nos a muito mais pessoas de forma mais rápida.

Não é só a possibilidade de conhecermos pessoas novas que é gratificante. É a possibilidade de reencontrarmos amigos a quem perdemos o rasto, é a oportunidade de nos ligarmos a familiares que vivam do outro lado do mundo ou com quem não possamos estar fisicamente juntos tantas vezes como gostaríamos e é a imensa vantagem de nos ligarmos ao nosso amor através das mais diversas plataformas.

Com ou sem Internet, sempre houve quem fosse infiel e quem mentisse sobre a identidade com a intenção de ter um relacionamento. As redes sociais trouxeram, sobretudo, facilitismo. Quase tudo se tornou mais fácil: conhecer pessoas novas, ser infiel, descobrir uma traição, criar um perfil (identidade) falso, começar e acabar relações. Aquilo que passou a ser mais difícil foi manter uma relação.

Serão as redes sociais uma ameaça aos relacionamentos?

Perguntam-me muitas vezes se as redes sociais são uma ameaça aos relacionamentos e eu costumo dizer, a brincar, que a ameaça somos nós. A verdade é que o amor hoje tem mais ferramentas mas também enfrenta mais desafios. E, não me refiro apenas ao aumento da oferta ou à vontade de trair. Refiro-me, isso sim, àquilo que as redes sociais também trouxeram às nossas vidas: a possibilidade de estarmos sistematicamente a receber gratificações. Nós gostamos de receber likes e comentários elogiosos às nossas publicações e nem sempre reparamos no efeito perverso que estas coisas têm sobre nós e sobre os nossos relacionamentos. Antes de mais, nem sempre nos lembramos de que colocar um like numa foto não é o mesmo que prestar genuína atenção ao que temos para partilhar. E, tendemos a esquecer-nos de que um elogio em forma de mensagem ou comentário raramente expõe a verdade toda.

Ainda assim, na prática é hoje mais difícil lidar com os vazios, as desatenções e as falhas da pessoa que está ao nosso lado quando somos alvos da “atenção” de alguém que esteja do outro lado do ecrã. É relativamente fácil colocarmos as expectativas demasiado altas em relação à atenção, aos elogios e ao investimento que a pessoa que amamos deve fazer na relação quando comparamos o seu comportamento com estas gratificações instantâneas. E é ainda mais fácil viciarmo-nos neste tipo de gratificação e perdermos a paciência para os desencontros típicos de qualquer relação íntima.

Grandes desafios revelam-se mais gratificantes

A ciência tem-nos permitido perceber que somos mais felizes quando construímos relações amorosas duradouras. O facto de existirem hoje (ainda) mais desafios à concretização deste objectivo não deve desanimar-nos. De uma maneira geral, são os grandes desafios que se revelam mais gratificantes. Prestarmos muita atenção ao que queremos, às escolhas que fazemos e aos sentimentos da pessoa que escolhermos aumenta a probabilidade de utilizarmos as redes sociais para sermos genuinamente mais felizes.

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