Como gerir o uso da tecnologia?

Inês Afonso Marques // Março 10, 2021
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Abaixo as amas tecnológicas! Em contexto de pandemia, com escola em casa, pais em teletrabalho e dever de confinamento, esta afirmação pode parecer uma miragem. Não tem de ser e eu explico-lhe porquê.

Por defeito, as recomendações a propósito do tempo de ecrãs por faixa etária são:

  • abaixo dos 18 meses – limitar ao máximo o uso de monitores;
  • entre os 18 e os 24 meses – escolher programas de elevada qualidade educativa e acompanhar os filhos para os ajudar a compreender aquilo que estão a visualizar;
  • dos 2 aos 5 anos – não exceder 1 hora por dia, devendo haver o acompanhamento dos pais para possibilitar uma melhor compreensão dos conteúdos visualizados e uma adequada transposição para o mundo real;
  • a partir dos 6 anos – limites consistentes quanto aos períodos de uso de tecnologia e quanto ao tipo de tecnologia usada.

Como pode constatar, os ecrãs não são uma espécie com quem o contato é desaconselhado, com exceção das crianças mais pequenas. Aquilo que se pretende sempre é que haja um doseamento do uso, ajustado às idades e às necessidades das crianças

O recurso à tecnologia, seja o computador, a televisão ou uma consola, por exemplo, pode funcionar como:

  • um meio de aprendizagem, favorecendo a curiosidade e a descoberta;
  • uma forma de comunicação e aproximação (o uso que lhe temos dado, nos últimos meses, reforçando que distanciamento físico não é sinónimo de isolamento ou distanciamento emocional, comprova a sua utilidade neste capítulo);
  • uma forma de entretenimento (sabe-lhe bem um filme, de caneca de chá na mão e mantinha no sofá?);
  • uma forma de diversão (pais e filhos podem divertir-se enquanto jogam).

Portanto, a tecnologia não constitui por si só, necessariamente, um problema. A questão reside na relação que com ela se estabelece, no tempo que se lhe dedica, na função que cumpre.

Quando é que começa a surgir o problema?

Quando a tecnologia deixa de ser uma forma de qualquer coisa e passa a ser a única forma dessa qualquer coisa. As crianças podem aprender com recurso a conteúdos digitais, mas também precisam de ler, de ensaiar, de fazer experiências, de explorar o contexto, de usar os cinco sentidos para se descobrirem e descobrirem o mundo. As crianças podem comunicar por videochamada ou por email e SMS, mas precisam invariavelmente do toque e da proximidade física. As crianças e as famílias podem entreter-se e divertir-se com filmes e jogos na televisão, no computador e nas consolas, mas necessitam indubitavelmente de muitos outros estímulos, muitas outras brincadeiras e formas de estreitar laços em família. 

O problema continua a crescer quando a tecnologia está tão presente na vida das crianças, adolescentes e família que o sedentarismo entra pela porta de casa; quando o movimento e a atividade física deixam de ser uma realidade. A propósito de atividade física, pela importância de que se reveste para o bem-estar global do ser humano, a Academia Americana de Pediatria divulgou recentemente um conjunto de recomendações associadas ao tempo de movimento a fomentar diariamente, por faixa etária:

  • crianças até aos 3 anos: movimento físico várias vezes ao dia, através de brincadeiras interativas no chão;
  • crianças entre os 3 e os 5 anos: 3 ou mais horas de atividade física todos os dias;
  • entre os 6 e os 17 anos: uma hora de atividade diária.

O problema continua a crescer quando a tecnologia se transforma numa ama que hipnotiza crianças e que assegura aos pais que o barulho, a desarrumação e a sujidade não passam nas suas casas. Contudo, contextos com esta dinâmica aparentemente mais caótica são o reflexo de crianças envolvidas nas suas brincadeiras, a estimular a sua curiosidade, a aprender, a crescerem mais felizes e resilientes. Tudo se limpa e tudo se arruma.

“O meu filho não gosta de fazer mais nada.”

Há também um mito que costuma entrar na equação desta relação com a tecnologia: “O meu filho não gosta de fazer mais nada”. É mito. As crianças e os adolescentes gostam de outras coisas: ler, desenhar, fazer teatros, jogar jogos de tabuleiro, fazer experiências, fazer construções, criar trabalhos manuais, dançar, cantar e ginasticar (quem é da minha geração neste momento, lembrou-se da Rua Sésamo), cozinhar. E reparem que estou a falar de atividades que tendencialmente fazemos dentro de casa; portanto, ajustadas ao nosso contexto mais atual. O não gostar ou não querer fazer mais nada, muitas vezes, decorre de não terem acesso a outros estímulos e, algumas vezes, à inacessibilidade da companhia dos pais para essas outras aventuras.

Abaixo as amas tecnológicas!

Um jogo de tabuleiro, em alternativa ao digital, é uma excelente plataforma para o desenvolvimento global da criança: nas dimensões cognitiva, emocional, social e também motora. Mas em casa é particularmente pela dimensão social que as crianças anseiam o jogo de tabuleiro, pela possibilidade de interação com os irmãos e os pais. Os jogos de tabuleiro implicam a partilha de regras entre todos os participantes, havendo diversos benefícios do ponto de vista social, como a capacidade de comunicar verbalmente, partilhar, esperar a vez, e apreciar a interação com outras pessoas. Este tipo de jogos constitui ainda uma oportunidade de aprender a respeitar e ajudar o adversário. Na dimensão emocional as potencialidades são imensas: o contacto com o orgulho e a felicidade da vitória, mas também com a frustração e zanga da derrota; a empatia pelo adversário e aquilo que ele por oposição a si, está a sentir. É precisamente por estes momentos de partilha e interação social, enquanto se divertem em jogos que as estimulam, que as crianças adoram jogos de tabuleiro. 

Mas, posto isto, os jogos digitais devem ficar escondidos no fundo de uma gaveta? 

Os jogos digitais permitem a estimulação de todas as competências cognitivas dos jogos de tabuleiro, mas com outras variáveis aliciantes. As crianças ficam fascinadas com a qualidade gráfica e com o realismo das imagens e dos sons, sentindo-se em quase permanente desafio. Onde tendencialmente “perdem”? Na vertente social. Isto porque os videojogos podem ser tendencialmente isolantes, limitam a (verdadeira) interação social dos mais novos e podem tornar-se viciantes. Eles adoram os jogos de tabuleiro exatamente porque estes permitem a presença e a interação com os adultos de referência. Assim, se houver bom senso nas escolhas dos jogos e no tempo de jogo, estes não precisam de ser enfiados no fundo da gaveta.

Sujidade, barulho e desarrumação – Os pesadelos dos pais

“A minha mãe não me deixa fazer experiências porque acha que vou deixar tudo sujo.” “O meu pai diz que não tem paciência para jogar dominó, monopólio ou xadrez. Também não gosta dos meus puzzles, nem dos meus legos.” “Os meus pais nunca querem ver os teatros que preparo com a minha irmã e quando nos pomos a dançar dizem sempre para pararmos, porque a música os incomoda e porque os nossos saltos fazem barulho.”

Se fizer as pazes com estes três aspetos – sujidade, barulho e desarrumação – seguramente poderá proporcionar mais alternativas para que o seu filho não passe tantas horas em frente aos ecrãs.

Palavra de ordem: presença.

Por fim, lembre-se de que o seu filho precisa da sua presença. Enquanto passam tempo de qualidade juntos, partilhando algumas brincadeiras, conhece melhor o seu filho, estreita laços emocionais com ele, e ajuda-o a desenvolver competências motoras, sociais, emocionais e cognitivas.

Mas, afinal, como gerir o uso da tecnologia?

Mas e no presente, considerando a experiência muito particular que vivenciamos há cerca de um ano, como gerir o uso da tecnologia? Tudo o que escrevi até agora continua válido. Torna-se é essencial acrescentar uma aliada muito relevante: flexibilidade.

E flexibilidade porquê? Porque as famílias têm menos possibilidade de passar tempo no exterior, ao ar livre, ou noutros contextos como museus, bibliotecas, casas de familiares e/ou amigos, o que diminui o leque de alternativas para ocupar o tempo livre. Porque a escola de muitas crianças acontece em frente a um ecrã – o que esgota, logo à partida, o tempo de tecnologia considerado ajustado. Porque os pais estão em teletrabalho e também eles têm maior dificuldade em ser um modelo do uso da tecnologia (parecendo incongruente pedir aos filhos para desligarem os ecrãs, quando os pais estão em frente de um, mesmo que em registo de trabalho). Porque a produtividade dos pais em teletrabalho é seguramente menor. Porque do ponto de vista emocional é natural as emoções colocarem desafios adicionais (por exemplo, com a manifestação de irritabilidade e impaciência). 

Flexibilidade porque uma grande parte do nosso mundo e do nosso quotidiano se encontra de momento dentro do ecrã do computador (trabalho, escola, socialização, lazer, compras…) e, portanto, as regras do “antigamente” precisam de ser revistas e temporariamente flexibilizadas.

Dicas para pais em teletrabalho e crianças com a escola em casa:

  • Defina de forma consistente o seu horário de trabalho (e, se for possível, antecipe o seu horário de início para aproveitar o momento em que a sua “casa” ainda está a dormir, pois poderá aumentar a sua produtividade e diminuir o tempo que o seu filho o vê em frente ao computador);
  • Programe várias pequenas pausas ao longo do dia que lhe permitam dar atenção plena aos seus filhos, mesmo que por vários períodos de apenas 10/15 minutos. Isso vai mantê-los mais tranquilos e mais satisfeitos.

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