Quando me pediram para escrever sobre este tema não consegui deixar de sorrir. Já escrevi vários textos sobre menopausa e sempre que o faço, e acho que me vou repetir até à morte, acabo por descobrir novos pontos de reflexão, uns mais científicos, outros nem tanto assim…
Como sou um bocadinho (muito) picuinhas com definições, vamos começar por dizer o que é a menopausa: é uma data.
O que é a menopausa?
A data da última e derradeira menstruação. A data a partir da qual os nossos (perdoem-me os homens interessados na temática) ovários deixam de produzir hormonas em quantidade suficiente para manter a função reprodutora. E é aqui que os problemas surgem para muitas mulheres, já que os estrogénios – as hormonas femininas que asseguram a continuidade da espécie – são cruciais para o funcionamento de vários órgãos sexuais como a vagina, a vulva e o cérebro (para mim, sem dúvida, o mais importante na mulher). A sua diminuição vai causar, numa grande percentagem de mulheres, queixas como secura vaginal, diminuição da líbido, alterações do humor e do sono, da memória, enfim, todo um conjunto de contras que muitas vezes interferem de forma dramática na sexualidade.
Se pensarmos que a idade média da menopausa ronda os 51 anos e que a esperança média de vida em Portugal para as mulheres é de 83.2 anos é mesmo muito tempo… Especialmente se as coisas não correrem bem no que diz respeito à nossa vida sexual e, acima de tudo, se acharmos que isso é normal.
No dia a seguir a ter escrito o meu último artigo sobre menopausa, aconteceu-me uma das cenas mais caricatas da minha vida. Inflamada pelo texto motivacional e cheio de esperança sobre tudo o que se pode fazer para melhorar a vida íntima do casal na pós menopausa, recebo na consulta uma senhora (e o senhor que chegou 2 segundos mais tarde, mas que se sentou de imediato na cadeira ao lado da paciente quando foi amavelmente convidado para o fazer) que vinha à sua revisão anual. “Então e está tudo bem consigo e com o seu marido?”, pergunto eu preocupada e atenta. É neste momento que o senhor desvia o olhar para a parede e a senhora, muito pouco à vontade, me diz: “Mais ou menos…”. A frase que eu imaginava!! “Ó minha senhora, isso não pode ser! Esta é a fase de maior intimidade dos casais, a altura em que os filhos já saíram de casa, em que tem mais tempo para si e para o seu marido…” O que eu lhe falei dos hidratantes vaginais e vulvares que devem ser usados, da importância do diálogo com o parceiro, da necessidade de falar com o seu médico de família ou ginecologista sobre as opções disponíveis para otimizar esta fase da vida, enfim, toda uma dissertação sobre menopausa e esperança.
“O meu marido é muito meu amigo.”
Esta é uma das frases que mais oiço quando pergunto às senhoras na pós-menopausa se têm relações sexuais e com que frequência. Leia-se: “Ele não me incomoda com essas coisas”.
Há muitos casais em que, com o avançar da idade e especialmente após a menopausa, a iniciativa nunca parte das mulheres (ok, mais cedo também acontece, mas isto daria para mais uns quantos artigos). Como já estão a imaginar, foi exatamente o que a senhora da história anterior me respondeu quando a questionei… e o senhor, cada vez mais enfiado na cadeira, sem dizer uma palavra. Tudo isto me dava ainda mais alento na minha missão de ajudar aquele casal. “Seja amiga dele então, use os hidratantes que tem em casa, faça um jantar romântico, vão para fora no fim-de-semana.” Nada. Nada do que eu dizia parecia ter efeito.
Quem me conhece sabe que eu tentei mesmo. Tentei até perceber que, de facto, não parecia haver esperança para aquelas duas pessoas. Quando a consulta termina e a senhora se levanta e me diz: “Ó doutora, eu só não sei quem é este senhor aqui sentado” é que eu percebo que aquela não tinha sido só mais uma consulta de problemas de intimidade do casal após a menopausa. Aquele, de facto, não era o seu marido! Era só um senhor que tinha vindo buscar um exame da mãe quando foi energicamente chamado para dentro do consultório, vítima das armadilhas e das partidas que o destino nos prega (mas, bolas, por mais que eu fale, acho que em algum momento um deles me podia ter interrompido e terminado com o meu monólogo motivacional…).
E quando os casais deixam de o ser?
Passando desde já à frente a parte do embaraço e cor de tomate saloio com que fiquei durante pelo menos 5 minutos e, por mais distraída que às vezes seja, a verdade é que o comportamento daqueles dois estranhos não era assim tão diferente do que às vezes assisto entre verdadeiros casais.
Muitas mulheres após a menopausa vão ter uma diminuição da sua qualidade de vida (se não fizerem nada em contrário) e da sua sexualidade. A secura vaginal e a falta de desejo sexual podem ser verdadeiramente impactantes e devem ser levados muito a sério pelas mulheres e pelos seus médicos. O afastamento do casal muitas vezes é motivado por um ciclo vicioso de dor associada às relações. A dor leva a comportamentos de fuga e à antecipação de novos episódios dolorosos ainda mesmo antes de algo acontecer. As mulheres fogem, os maridos acham que elas já não gostam deles e está montado o palco para uma verdadeira tragédia grega. Os casais afastam-se e instala-se um gigante elefante invisível na sala.
Podemos falar de sexo?
O problema é que, sendo a sexualidade um tema muito íntimo, não se discute abertamente. As pessoas têm vergonha de falar no assunto. Será eventualmente abordado no decurso de uma consulta de rotina, mas quase que à socapa, ou só depois de devidamente questionado (note-se que, depois do que me aconteceu passei a verificar escrupulosamente a identidade dos acompanhantes na consulta – entretanto veio o COVID e as suas restrições para me impedir de me envergonhar publicamente).
As mulheres têm de falar da sua sexualidade. Têm de explicar porque é que não se sentem bem.
Quando os problemas são físicos, ou seja, quando as relações são dolorosas pela secura induzida pela falta das hormonas, o tratamento passar por hidratar e, caso não seja suficiente, pela aplicação de hormonas locais (em doses muito baixas, mas que são eficazes e com baixíssimo risco na grande maioria das mulheres).
Quando entramos em fases mais avançadas em que a relação do casal já está mais deteriorada pode ser preciso recorrer a especialistas em sexualidade e eventualmente fazer algum tipo de terapia. Os terapeutas sexuais existem exatamente para isto. E não vale achar que depois da menopausa é normal não ter uma vida sexual satisfatória, que não faz mal, que “já estamos velhos para isso”. É mais de um terço das nossas vidas, tem de valer a pena e ser ótimo.
Então e a parte do cérebro onde é que fica?
Para mim, o cérebro é o principal órgão sexual na mulher (estamos todos de acordo que com os homens será um pouco diferente). A falta de desejo sexual que muitas vezes surge pode estar relacionada com o facto de as mulheres serem hiperfocadas em inúmeras coisas diferentes. Os filhos, a profissão, o menu do jantar, a aula de pilates. São hiperfocadas, mas o sexo não ocupa bem os lugares cimeiros deste radar. E se não for feito um esforço para colocar o sexo e o parceiro no radar tudo se torna mais difícil. A tal sugestão do jantar romântico, da escapadinha de fim-de-semana, da quebra da rotina, tudo isto, no fundo, são estratégias de captação de atenção do cérebro feminino, sempre programado para missões – não, não estou a dizer que o sexo é um esforço ou um frete, mas, sim, que é preciso investir. Já no campo mais científico sabemos que quanto menor for a frequência com que uma mulher tem relações, menor será o seu desejo e a sua vontade de ter novamente. Por outro lado, a lubrificação vaginal e o aumento do aporte sanguíneo à vulva e à vagina causada pela actividade sexual leva a que haja menos queixas de secura e dor nas relações.
Viver a sexualidade após a menopausa
E lá vamos nós terminar com o resumo habitual e agora num tom ligeiramente mais sério:
A sexualidade é para ser vivida em pleno em todas as fases da vida. A pós-menopausa não é exceção, mas, em muitos casos, as alterações fisiológicas causadas pela falta de hormonas podem interferir de forma dramática e levar a uma diminuição da quantidade e da qualidade das relações sexuais. Como em tudo na vida, o que não se sabe não acontece… Se as mulheres não se queixarem a quem de direito – aos médicos que as tratam, aos parceiros com quem partilham a sua vida, aos amigos e amigas com quem tantas vezes desabafam de outros problemas – não é possível resolver nada. Para viver a sexualidade após a menopausa é preciso não aceitar nada menos do que o melhor (como de resto em tudo o que fazemos). Nascemos para ser felizes e plenos, de preferência a fazer outros felizes. Toca lá a fazer por isso.