O Natal está à porta e só me apetece fugir…
Nas ruas, as luzes de mil cores que enfeitam o pinheiro no meio da praça e os cânticos que ecoam ao virar da esquina, fazem lembrar que chegou a data, aquela data, mágica para uns, demasiado real para outros. Esta é a quadra que celebra a família. Reunir toda a gente à mesa para a consoada é uma forma de celebrar o amor. O amor pelos outros, pela família, pelos amigos.
Para quem perdeu o amor, um dos amores da sua vida, esta é uma altura em que a realidade lhe bate à porta.
Para estes não há magia. Há a realidade pura e dura do lugar que falta na mesa. Aqui, nesta mesa, não há fuga possível para o passado que está à distância de uma folha de papel. O passado que guardou para si mesmo o teu amor. E, aqui dói. Dói como o raio! Dói tanto que não pode de maneira alguma ser saudável. Não te sentes saudável. Sentes-te em agonia, como se o ar do mundo não chegasse para te encher os pulmões com vida. É isso mesmo: estás em sobrevivência.
Sobreviver no Natal…
Sentes-te em desassossego, como se estivesses sempre a tentar chegar ao lugar onde pudesses ter alguma paz, mas esse lugar não existe. Sentes uma onda de raiva que te faz querer apertar o pescoço a toda a gente, sobretudo aqueles que passam o dia a cantarolar músicas de Natal. Depois, sentes-te uma pessoa horrível pois sabes que esta não és tu, e desabas num pranto interminável que nasce de uma tristeza profunda que invade o teu eu. Depois, limpas as lágrimas e colocas a melhor máscara que consegues usar, e sais à rua para comprar, pelo menos, uns chocolates que possas embrulhar e colocar debaixo da árvore. Mas, nada te faz vibrar.
Debaixo da máscara que esconde a dor…
Estás escondida atrás da máscara que te protege da dor. Mas, para isso, anestesia-te da alegria. Olhas para o relógio e conseguiste viver tudo isto em apenas cinco minutos, uma verdadeira montanha russa de emoções. Finalmente, olhas para o calendário e percebes que ainda faltam alguns dias para o Natal. Meu Deus. Não sabes se vais aguentar esta viagem até lá. Pelo menos sem enlouquecer.
É possível enlouquecer de saudade? Numa época de união, partilha e amor?
Não! Não se enlouquece de saudade. Sim, é verdade que dói. Mas, são dores de crescimento. São dores saudáveis. Esta é uma quadra que te vai dar um banho de realidade. A realidade onde vives agora. A realidade onde vais ter de colocar menos um prato na mesa. A realidade que te vai fazer sentir agonia, desassossego, raiva, tristeza e apatia, tudo em cinco minutos. Uma realidade onde vais ter de viver tudo isso de cinco em cinco minutos, para que possas aprender a sobreviver ao Natal, a mais Natais. Só depois, de aceitares as saudades difíceis como fazendo parte da tua nova vida, estarás pronta para voltar a viver.
Posso pedir ajuda a alguém? Existe algum remédio?
Bom, posso já dizer-te que não existem poções mágicas. Podes tentar meter uma cunha ao Pai Natal, mas sei de fonte segura, que nem ele tem uma poção do género. O amor era o teu e só teu. A saudade é tua e só tua. Tens de a viver só para ti.
A boa notícia é que não tens de passar por esta época sozinha. Tens pessoas que falam a mesma língua que tu, que conheceram Natais desses e que aprenderam técnicas para cuidar melhor do outro. São especialistas no apoio ao luto. Ajudam-te nesta caminhada de crescimento pessoal, para que não demores tanto tempo e, por isso, para que não sintas tanta dor. São pessoas lanterna, que te garanto, alumiam mais do que qualquer luz de Natal.
Mas, vai ser sempre assim?
Não. Acredita que não. O primeiro Natal é terrível. Mas, apenas é assim, porque é o primeiro momento no desconhecido. O segundo Natal já não é desconhecido. Já sabes o que te espera, o que consegues aguentar e como fizeste para o sobreviver. No terceiro, tudo passa a ser familiar. Ainda sabes que falta o lugar na mesa. Mas, a memória presa no tempo já é demasiado distante, muito mais do que uma folha de papel. Não esqueces, claro. Mas, a distância do tempo ajuda-te a manter uma doce memória. E, é, precisamente, neste momento que conheces o conforto da saudade saudável, a saudade branca, tal como os tons com que vestem a quadra que celebra o melhor presente de todos: o amor.