A violência doméstica é dos crimes que mais me choca, indigna e revolta. Durante os muitos anos em que apresentei diariamente programas de televisão, ouvi milhares de relatos de mulheres vítimas de violência doméstica. Eu sei que alguns homens também vivem esta realidade, mas os números são incomparavelmente menores. E, apesar de ter ouvido milhares e milhares de relatos, nunca ouvi duas histórias iguais. Pior, em cada relato conseguia sempre ser surpreendida por um pormenor, um episódio ou uma situação que ainda não tinha ouvido anteriormente.
Os relatos das vivências destas mulheres, conseguem ultrapassar a imaginação fértil de qualquer cinéfilo que entenda abordar este tema num filme. Infelizmente, são histórias repletas de episódios de terror, humilhação, desrespeito, desconsideração, desvalorização e de maus tratos a todos os níveis. Tudo aquilo que de mau nós possamos imaginar que alguém possa ter feito a outra pessoa, apenas com o objetivo de magoar e destruir, estes relatos conseguem superar e muito. A pergunta é: como é que estes comportamentos casam com relação amorosa?
Como é que podemos pensar em relação amorosa e violência doméstica, ao mesmo tempo?
Como é que podemos falar de amor, de companheirismo, de cuidar, de estimar, de valorizar, de apoiar – que é tudo aquilo que se espera de alguém que nos ama – e simultaneamente acrescentar “e violência doméstica”? Nunca vou conseguir perceber isto.
Por mais que me tente colocar no lugar dos agressores para tentar perceber o que é que os pode levar a atitudes de violência em relação à pessoa que dizem amar, confesso que me é muito difícil.
Já sei que muitas vezes a justificação é que a história dessa pessoa também foi uma história muito difícil, porque não viveu o amor na infância, foi maltratada e está a repetir um padrão que conhece. Eu conheço essas justificações, aceito-as racionalmente, mas com uma grande revolta interior. É que quando olho para as marcas nas mulheres vítimas de violência doméstica, não consigo lembrar-me destas justificações. É que só vejo dor, sofrimento e pessoas que muitas vezes tornaram-se verdadeiros farrapos e almas sobreviventes.
A todas as mulheres que foram vítimas de violência doméstica, presto aqui a minha homenagem.
Às que já se libertaram dos agressores, os meus parabéns. Às que ainda não conseguiram, força!! Às que infelizmente já partiram, quero acreditar que não serão esquecidas.
Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica
Hoje é um dia duro. É o Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica. E elas são tantas. Infelizmente, continuam a ser tantas. Não podemos esquecer as que já partiram e não podemos abandonar as que cá estão. E atenção às novas gerações, porque os números de violência no namoro são altamente preocupantes.
Não posso dizer que acredito que este ciclo de violência já foi quebrado porque os números provam que em muitas famílias o ciclo continua, o padrão repete-se. Então, alguma coisa tem de ser feita com urgência para que as próximas gerações não repitam aquilo que os pais e os avós viveram.
É preciso quebrar este ciclo para mudar a história das próximas gerações.
E as minhas últimas linhas vão para os filhos da violência doméstica, aqueles que procuram construir diferente do que herdaram e do que viveram. Pessoas muitas vezes com um olhar triste e vazio, à procura de pedacinhos de amor onde se possam reconstruir para viver uma vida em que o sorriso, a paz e a tranquilidade também estejam presentes.
Nota: Fotografia por Verónica Silva