“Viagens da minha vida” é o tema deste mês no Simply Flow. E, como nada é por acaso, acabo de completar uma das viagens mais importantes da minha vida. Vivi algo tão intenso que não tenho a certeza de conseguir exprimir por palavras. Mas, agora que passaram 5 dias da chegada da Ilha do Pico, já me sinto capaz de falar sobre o impacto que esta viagem teve em mim.
Tudo começou quando a Verónica e a Carol, duas grandes amigas minhas, decidiram fazer uma viagem à Ilha do Pico, com o objetivo específico de subir ao Pico. Quando soube, partilhei que este também era um sonho meu. Alinhei com elas, sem preparar nada da viagem. Sabendo da nossa profunda amizade, calculava que elas preparariam um programa maravilhoso para estes dias.
Pela primeira vez, deixe-me simplesmente ir.
No dia em que chegámos, saímos de barco para avistar os cachalotes, golfinhos e tartarugas. Nunca sabemos se os conseguimos avistar, mas a verdade é que a natureza foi generosa connosco e presenteou-nos com um espectáculo inesquecível. Tive a sensação que os golfinhos dançavam para nós, acompanhando a embarcação durante muito tempo. Avistámos cachalotes em três momentos diferentes e apanhámos uma fêmea grávida. Para colmatar, ainda vimos uma tartaruga e um peixe voador. Se tivesse voltado ao continente nesse dia, já voltaria feliz.
No dia a seguir passeámos pela ilha. A paisagem é sempre bonita. Dizem que ali se vive as quatro estações num só dia e é verdade. Mas também é verdade que todas elas valem a pena.
O momento mais esperado: a subida ao Pico.
Na terça-feira, quando jantámos, já estávamos cheias de adrenalina pela subida ao Pico programada para essa noite. Tentámos dormir um pouco depois do jantar, mas sem sucesso. Preparámos as mochilas em grande animação e saímos para a Casa da Montanha. Um nevoeiro cerrado dificultou-nos o trajeto, mas chegámos a horas.
Fomos ao encontro do nosso guia, o Carlos, da Pico Me Up, e aí a primeira surpresa do Universo. O nosso grupo era composto só por nós. Isto ia deixar-nos mais à vontade para vivermos esta experiência.
Colocámos a mochila às costas, a lanterna na cabeça, pegámos nos bastões e perto das 2h da manhã, saímos da Casa da Montanha. Subir a montanha durante a noite, depende, antes de mais, do nosso guia e depois da nossa agilidade, força, capacidade de foco e resiliência. Os bastões dão uma ajuda preciosa. Falta acrescentar algo fundamental: a força da nossa amizade, que se traduziu em companheirismo e entreajuda permanente.
Subimos em silêncio.
É tão valioso o silêncio. Muitas vezes temos medo dele, mas no silêncio encontramos muitas das respostas que procuramos. Ao subir, neste silêncio, recebemos uma lição de humildade. A natureza sim, é soberana. Ela é o verdadeiro poder. Ali sentimos a nossa pequenez e, como dizia o nosso guia, “a montanha não se compadece com egos”.
Parámos algumas vezes para beber água e comer qualquer coisa. O Carlos partilhava connosco o privilégio que é ter na montanha o seu trabalho e a forma como ela lhe deu um novo sentido à vida.
Chegar ao ponto mais alto de Portugal.
Quando chegámos à cratera, zona que antecede a subida ao Piquinho, já sentia a emoção tomar conta de mim. Mas quando alcançámos o cume, do ponto mais alto de Portugal, 4h depois de termos iniciado esta jornada, senti uma avalanche de sentimentos.
A gratidão era enorme. O meu coração parecia rebentar de felicidade.
Chegar ali com a Verónica e a Carol tinha um significado muito especial. Amo profundamente estas miúdas e elas ensinam-me algo todos os dias. Conhecem-me como poucos. Abraçámo-nos emocionadas. Ali ficámos a ver o dia a nascer. Os primeiros raios de sol, as nuvens aos nossos pés, a montanha a acolher-nos nos seus braços. O cansaço parecia ter abrandado.
Depois do nascer do dia, estava na altura de começar a descer. Teoricamente seriam mais ou menos 4h. Mas foram mais.
Eu não estava preparada para o que tinha pela frente…
A descida foi, para mim, muito mais violenta. A todos os níveis. O cascalho é traiçoeiro e à mínima desatenção, derrapava e cheguei a cair. Descer exige atenção plena porque sentimos que é o sentido de sobrevivência que nos move. Sabia que desistir não era uma opção. Não havia nenhum transporte para nos ir buscar. A única solução era prosseguir e ir buscar força às entranhas porque às tantas o corpo estava em exaustão total. Foi como se estivéssemos estado 5h a fazer agachamentos. Foi isto que exigimos ao nosso corpo. Mantivemo -nos unidas e ajudámo-nos sempre, quando uma de nós estava mais frágil.
O Carlos, a quem agradeço profundamente, manteve-se fiel à verdade, não escondendo o que tínhamos pela frente nem o tempo que faltava. Mostrava uma serenidade invejável. Quando finalmente avistámos a Casa da Montanha, perto das 13h, tivemos uma reação de descompressão que nos levou a rir e a chorar ao mesmo tempo. Abraçámo-nos, conscientes do quanto a nossa união nos tinha ajudado. Não sabíamos ainda que não éramos as mesmas mulheres. Que a vida passaria a ser vista de outra forma e que tudo ganhara uma outra dimensão.
A subida ao Pico provoca uma metamorfose difícil de explicar.
O que sei é que a mochila que levei cheia de coisas para libertar, ficou lá. E eu cheguei esgotada, mas muito mais leve e feliz.