As amizades são muito relevantes na vida dos mamíferos: nós incluídos. A investigação relata como primatas, cavalos, golfinhos e seres humanos desenvolvem e mantêm amizades.
No caso dos seres humanos, a amizade representa um papel tão importante que pode ser usada para medir a nossa satisfação com a vida. Surge na primeira infância, é fundamental na adolescência quando partimos à descoberta do mundo, ameniza a solidão e é fonte de apoio ao longo da vida.
Como se define a amizade?
Partilhar a mesma turma, viver na mesma rua, frequentar a mesma universidade ou trabalhar no mesmo local, possibilita que passemos de conhecidos a amigos. A amizade define-se muito pela partilha de intimidade, onde cada um sente confiança para revelar a sua vulnerabilidade ao outro, onde uma troca de apoio e momentos divertidos cimentam um laço ao longo do tempo.
Na fase embrionária de uma amizade, as divergências são raras: ainda só vemos as partes partilhadas na relação. No entanto, com o passar do tempo é comum surgirem conflitos que permitem um crescimento dos envolvidos na relação, exercitando-se a negociação de diferentes pontos de vista que promove o aprofundamento da relação estabelecida. Se há amizades que resistem à passagem do tempo, outras diluem-se com os anos. E onde houve confiança e partilha, pode nascer a discórdia que leva à rotura ou indiferença que leva ao esquecimento.
A dor do fim de uma amizade é um dos temas suscitado em consultório
Em consultório um dos temas suscitado é o da dor do fim de uma amizade, a inquietação sobre o porquê do afastamento de um amigo ou a incapacidade de se reatar uma amizade devido à diferença de opiniões. As perguntas “as amizades são para sempre, não são?”, “mas pode-se terminar uma amizade?” acabam por surgir na análise das histórias vividas.
Porque termina uma amizade?
Tal como outras relações, as amizades podem ter crises e afastamentos sendo que algumas terminam de forma irreversível. As causas mais comuns para o seu término são o afastamento geográfico, fim de partilha de rotinas ou desavenças devido a uma ação que não se consegue perdoar. E não, nem todas as amizades são possíveis de recuperar e algumas nem são desejáveis de manter.
Vale a pena retomar uma amizade?
Como distinguir então se uma amizade já cumpriu o seu papel na nossa vida e, por isso, não há nada a fazer, daquelas que, apesar das roturas violentas, são valiosas o suficiente para merecerem o tempo e esforço de recuperação? Eis-nos perante uma situação de alfaiate: cada relação merece uma resposta à medida. Deixo algumas sugestões para analisar estes momentos de perda e recuperação que, naturalmente, sucedem nas nossas vidas.
– Tempo de duração
Uma pessoa que está na nossa vida há muito tempo tem muita importância. Assistiu a diversas fases do nosso desenvolvimento e merece que seja honrado o caminho partilhado. No entanto, algumas amizades deste tipo nunca promoveram o nosso bem-estar. Com os anos, percebemos que nos trataram continuadamente de forma desrespeitadora, mas nunca ligámos. Cansámo-nos de esperar que o outro devolvesse as chamadas, cumprisse as promessas de estar presente, aceitasse os nossos convites para partilhar atividades ou respeitasse o pedido: “por favor, não contes isto a ninguém”. E um dia pode chegar aquele momento em que olhamos para o “velho” amigo e percebemos que, apesar de termos feito o secundário com ele, não temos mais nada em comum. Assim, valerá a pena alimentar esta relação?
– Mudança de contexto
É comum ouvir o comentário de que “é uma daquelas amigas que apesar de só falarmos de tempos a tempos, parece que falámos ontem”. Muda-se de rua, emprego, estado civil, país, partido político e aquela amizade resiste sempre; noutras situações a maturidade adquirida pode aprofundar uma amizade que antes viveu na superficialidade. É muitas vezes um (re)encontro que dá prazer aos dois lados.
– Finalmente a conversa
Algumas amizades findaram devido a uma desavença de opiniões ou a uma ação que, no passado, nos pareceu imperdoável. Mas, ao avaliarmos no presente tantas coisas boas que víamos no outro, talvez seja a hora de esclarecer o que se passou, dizer o que nos magoou, ouvirmos de coração aberto como o ferimos e passar à frente, recuperando alguém que valorizamos na nossa vida.
Após reflexão pode surgir a decisão de que é o momento de retomar uma amizade.
4 Dicas para recuperar uma amizade:
Deixo um percurso possível para esse processo de aproximação:
- Telefone, envie SMS, escreva um email a convidar para uma conversa de café… pode também combinar algo mais íntimo, como um jantar em sua casa, mas um território neutro pode ser o cenário ideal para as “negociações de paz”;
- Prepare o que quer dizer, aborde a conversa com humildade e espírito de curiosidade. Muitas vezes as nossas suposições sobre o comportamento do outro estão longe da realidade dos factos;
- Estabeleça regras de convivência para a amizade prosseguir e oiça as condições do outro lado. Especifique o que precisa: “para mim é importante que respondas às minhas SMS” ou “quando eu digo que é ‘não’, é não e preciso que respeites isso”;
- Finalmente, prepare-se para a possibilidade de não existir do outro lado interesse em restabelecer a amizade. Por vezes o outro já não nos valoriza assim tanto, do mesmo modo que nós deixámos de valorizar outras amizades. Não há vítimas nem vilões: umas vezes ferimos outras vezes somos feridos.
Um dos maiores mitos que encontro acerca da amizade é o de que só na adolescência ou como jovens adultos é que fazemos verdadeiras amizades. É falso: em qualquer idade podemos encontrar alguém que é merecedor da nossa confiança e com quem podemos construir uma relação de apoio mútuo.
Lembremos os Queen:
(…)It’s not easy love, but you’ve got friends you can trust
Friends will be friends
When you’re in need of love they give you care and attention
Friends will be friends
When you’re through with life and all hope is lost
Hold out your hand ‘cause friends will be friends
Right till the end (…)”