Foi apenas há um ano, em Junho de 2017, que as Nações Unidas anunciaram ao mundo uma descoberta tão assustadora como reveladora: “Em 2050 haverá mais massa de plásticos nos oceanos do que de peixes”. Ou seja, os plásticos ocuparão mais peso no oceano, do que grande parte da biomassa gerada pelo mar, incluindo todas as espécies piscícolas.
Esta declaração é uma verdadeira descoberta, porque ninguém nos últimos vinte anos conseguiu prever, nem antecipar tal realidade. Na verdade, a poluição dos plásticos é um assunto novo na agenda das nossas sociedades.
Há apenas dez anos, em 2008, quando foi aprovada a primeira política marítima integrada da União Europeia este tipo de poluição não constituía uma preocupação e a palavra “plásticos” não figura em parte alguma dos textos que constituem essa política europeia.
Subitamente, todos acordámos para este problema e ainda bem, porque esta descoberta é uma descoberta assustadora.
Que sabíamos que os plásticos iam ter ao mar, sabíamos. Que isso nos desagradava, desagradava. Mas, que a nossa capacidade de poluir alcançava uma escala tão avassaladora que vamos conseguir ter mais plásticos do que peixes na água?!
Isto é realmente assustador pelo que implica de falência do sistema de funcionamento dos oceanos.
A biomassa dos oceanos não serve apenas para nos alimentar, através dos peixes de valor comercial que comemos no nosso prato. Ela tem uma função determinante na regulação do equilíbrio bioquímico que substancia o oceano. Sem esse equilíbrio o oceano deixará de cumprir o seu papel de suporte da vida no planeta.
O serviço ecossistémico mais importante com que o oceano nos beneficia é produzir metade do oxigénio que respiramos para viver (a outra metade é gerada pelas florestas).
Ora, o que gera o oxigénio produzido pelo mar não são os plásticos, como é óbvio de ver, mas, sim, as algas, que, por sua vez, fazem parte da dita biomassa marinha. Se continuarmos a destruir a biomassa e se a substituirmos por plásticos o resultado é óbvio e é assustador: o oceano vai gerar menos oxigénio e as próximas gerações vão ter de se confrontar com essa nova realidade.
Finalmente, é também uma descoberta reveladora, porque revela quão pouco inteligente a espécie humana pode ser.
Há mais de 50 anos que os cientistas nos estão a avisar sobre a insustentabilidade dos nossos modelos de vida, das nossas economias, dos nossos padrões de consumo. Eles disseram-nos o que vinha aí. Disseram-nos que não podemos continuar a olhar os oceanos como uma natureza infinitamente renovável, para onde podemos deitar todo o lixo que produzimos e de onde podemos retirar tudo o que quisermos (peixes, outros animais, petróleo, gás natural, etc.).
Mas, nós não os escutámos e continuámos a viver da mesma maneira, a tomar as mesmas decisões… Quando a economia e o ambiente se defrontam ganha sempre a economia, e, hoje, estamos a assistir incrédulos aos resultados.
Já não precisamos, infelizmente, que sejam os cientistas a ver por nós, e podemos ver a olho nu os impactos negativos dos desequilíbrios ambientais e climáticos que irresponsavelmente criámos.
Se encontramos micro-plásticos no lugar mais recôndito dos oceanos, por exemplo no Oceano Árctico ou até na Antárctica, é porque com os oito milhões de toneladas de plásticos que depositamos todos os anos no oceano elas se estão a espalhar por todo o mar do Planeta.
Neste momento, é já impossível retirar o plástico que depositámos no mar.
Pura e simplesmente já não é possível emendar o dano e mesmo aqueles que creem que a tecnologia resolve todos os problemas do mundo têm de reconhecer que não dispomos hoje de tecnologia capaz de remover os micro-plásticos do oceano.
Num certo sentido, pela sua abundância e pela possibilidade de se reduzir até à mais ínfima nano-partícula, o plástico já começa mesmo a fazer parte da composição bioquímica do mar.
Reflectir sobre tudo isto é urgente. Tomar consciência é urgente. A mudança está em cada um de nós.
Hoje, que é o dia Mundial dos Oceanos, talvez possamos reflectir sobre tudo isto, compreender como o mal que infligimos ao mar nos irá, mais tarde ou mais cedo, acabar por prejudicar e que o problema do oceano não é apenas um problema para os peixes ou para as baleias que os habitam. É um problema para a vida marinha, sem dúvida, como o demonstra a baleia que, na Tailândia, deu à costa com oitenta sacos de plástico na barriga, certamente confundidos com medusas ou outra alimentação. Mas, é muito importante que saibamos que, no fim de contas, é também de todos nós, dos nossos filhos, dos nossos netos que estamos a falar, quando o que temos para deixar às próximas gerações é um mar que começa a deixar de ser um mar de verdade. Que, se não mudarmos a nossa relação com a natureza, pode acabar por ser um mar de plástico.
Tiago Pitta e Cunha
Fundação Oceano Azul
[Nota: A fotografia usada “Sewage surfer” é da autoria de Justin Hofman (EUA), e é uma das fotografias finalistas do The Wildlife Photographer of The Year.]