A Casa das Letras, situada na vila de Cabrela, em Montemor-o-Novo, encantou-me pela sua beleza, harmonia e, sobretudo, pela paz que transmite. Este é um projecto único de alojamento rural, aliado ao mundo dos livros. Um conceito que suscitou desde logo a minha curiosidade.
Situada no Alentejo, no concelho de Montemor-o-Novo, mais precisamente na simpática vila de Cabrela, terra de bom pão e capital da filhós, a Casa das Letras fez nascer num edifício com muita história, um projecto único e encantador.
Após uma dezena de anos ao abandono, o edifício da antiga creche da vila de Cabrela foi totalmente recuperado para se transformar na Casa das Letras, abrindo portas em Julho de 2020, pelas mãos de David Azevedo Lopes, fundador do projecto.
A história deste edifício, cujo princípio remonta ao ano de 1790, dava um livro. Foi construída com o objetivo de ser a Igreja da Misericórdia e o albergue dos peregrinos que caminhavam pela rota Sul dos Caminhos de Santiago. Mais tarde passou a ser a sede da Casa do Povo de Cabrela, a sede da sua banda filarmónica, o posto médico, a prisão, o centro de dia e a creche, por onde passaram dezenas de habitantes de Cabrela. Após as obras de recuperação, concluídas em 2020, reabriu as suas portas com o novo propósito de constituir um projecto cultural, ligado aos livros e à leitura.
Um alojamento rural aliado ao mundo dos livros? Sim, é isso mesmo!
São casas destas que me encantam. A sua vertente literária sente-se em cada canto da casa, nos pormenores da decoração e nas centenas de livros que encontramos nos quartos, no hall de entrada, no corredor, nas casas de banho e, claro, na biblioteca, e que podemos escolher e ler.
Apresento-vos a Casa das Letras.
A Casa das Letras tem uma cozinha toda equipada – na qual se destaca um lindíssimo armário, que é uma antiga tulha de mercearia -, um jardim acolhedor onde podemos descansar, piquenicar e tomar as nossas refeições e uma piscina para nos refrescarmos.
As três suites da casa são também chamadas de quartos literários porque, apesar de todos terem espaços próprios para leitura e para escrita, cada um leva-nos a viajar por um tema diferente no mundo dos livros: Olissipolis, Estevais e Alentejo.
- Quarto Olissipolis:
É o quarto de Lisboa e de Fernando Pessoa. Celebra a única capital dos descobrimentos, mas também os poetas de Lisboa, as viagens e os navios em especial. Pessoa marca uma presença forte, mas também há livros e peças de navios do século XIX e XX já desaparecidos.
- Quarto Estevais:
É o quarto que celebra o interior, a montanha, as fragas. Teve a sua ignição em duas peças doadas pelo escritor Rentes de Carvalho – uma coleção de fotografias tiradas pelo próprio à sua Estevais transmontana e ao seu cacete (que todos os transmontanos têm atrás da porta) e que é contemporâneo da casa retratada no seu livro “Ernestina”.
- Quarto Alentejo:
Exageradamente grande como todas as planícies alentejanas. É o maior quarto de turismo rural do Alentejo, com 53m2, e homenageia a região e os seus autores. No interior desta suite existem outros ex-libris, tais como uma lindíssima banheira para banhos demorados e um sanitário num espaço de 12m2 com as paredes forradas com páginas de livros.
Para além destes, há ainda um quarto muito especial. Chama-se quarto do nada e está vazio. É isso mesmo, um espaço vazio, mas com muitas possibilidades, tal como um livro em branco. Um lugar que pode ser ocupado para meditação, yoga ou para onde nos levar a imaginação.
Este é um projecto único que vale a pena conhecer.
A Casa das Letras tem uma capacidade de alojamento até nove pessoas e, antes da chegada de qualquer hóspede, a gerência procura saber as suas preferências literárias, entrega uma coluna Bluetooth, a chave do quarto e uma ampulheta para lembrar a necessidade de poupar tempo no duche, protegendo o planeta. Aliás esta última iniciativa e outras medidas sustentáveis, fizeram com que a Casa das Letras recebesse em 2021 o galardão Green Key. Neste âmbito, poupança energética, poupança de água, sensibilização para a reciclagem e gestão de resíduos, são algumas das medidas implementadas, assim como a utilização de produtos locais e ecológicos, o incentivo da realização de caminhadas pela natureza ou passeios nas bicicletas disponíveis.
Mais do que uma unidade de turismo rural, a Casa das Letras posiciona-se também como agente cultural.
Em colaboração com a Junta de Freguesia de Cabrela e a Fundação Altice, a Casa das Letras inaugurou uma cabine de leitura, que disponibiliza centenas de livros de forma gratuita aos habitantes e visitantes de Cabrela, sobretudo aos mais jovens, que de outra forma dificilmente teriam acesso aos mesmos.
Funcionando como uma unidade de turismo rural, a Casa das Letras posiciona-se também como agente cultural, potenciando a convicção que a vila de Cabrela tem, de que é possível combater o despovoamento, atraindo investimento e pessoas que aqui queiram viver e trabalhar. Isto ao mesmo tempo que pretende assumir-se como uma referência cultural no Alentejo, a médio prazo.
Na Casa das Letras, autores, letristas, os que cuidam do ensino do português e da literatura, actores, jornalistas, todos são convocados a participar neste projecto, que tem nos livros e na sua difusão, a sua razão de ser. Pretende-se assim contribuir para uma sociedade mais culta, informada e participativa.
Neste contexto, a Casa das Letras tem uma programação com micro eventos periódicos, que têm merecido uma crescente atenção da comunicação social e uma maior divulgação nas redes sociais. Refiro-me a apresentações de livros, workshops, entrevistas e debates, que promovem a leitura e as profissões ligadas à escrita, a que também se juntam a música e o teatro, formas de arte onde as letras estão igualmente presentes.
Para quem ama o Alentejo e os livros, a Casa das Letras é visita obrigatória.
