Ninguém imagina o que se passa dentro das nossas casas, das nossas cabeças e dos nossos corações. “Tudo o que se passa aqui dentro” é o título do meu livro, que representa tão bem a bagagem invisível que todos nós carregamos. Quando falo em bagagem estou a referir-me à carga emocional, ao que vivemos e experienciamos durante a nossa vida, com a nossa família.
Este é um livro que aborda essencialmente a importância que a infância tem na nossa vida e que desconstrói crenças sobre a família. Este também é um livro que aprofunda as relações (familiares) tóxicas e as suas consequências, mas também aponta caminhos para lidar com elas. Acima de tudo, este é um livro transformador que pretende trazer leveza à vida dos leitores.
Quantas vezes ouvimos dizer que “família é família”, que “não há ninguém que goste mais de ti do que a tua família” ou que “tens de ter paciência, só tens esta família”?
Mas será que a família deve continuar a ser olhada como uma instituição sagrada e intocável? E quando esta família é causadora de mal-estar? Enquanto sociedade não estaremos a provocar mais danos ao incentivar uma ideia de família “perfeita” que muitas vezes não corresponde à realidade?
Quando nascemos ficamos completamente dependentes dos nossos pais (ou outras figuras de referência) e essas relações serão as mais impactantes da nossa vida, porque enquanto crianças vamos acreditar que aquilo que os nossos pais dizem e aquilo que nos fazem sentir é a única verdade. Daí a nossa infância ser um reflexo de quem nós somos enquanto adultos, porque vamos ter sempre dentro de nós a criança que um dia já fomos.
Grande parte das nossas dificuldades de relacionamento – tanto connosco próprios como com os outros – vem daquilo que vivemos na nossa infância e adolescência.
A forma como os nossos pais nos fizeram sentir, como olharam para nós e como falaram connosco vai tornar-se nas vozes que vamos ter dentro da nossa cabeça e que nos vão acompanhar durante a vida. Quantas vezes queremos dizer alguma coisa e ouvimos silenciosamente dentro da nossa cabeça – “é melhor não dizeres nada, só vais dizer asneiras”? Provavelmente isto acontece porque nos fizeram acreditar que não éramos bons o suficiente, que não éramos dignos de ter opiniões ou que as nossas opiniões não valiam de nada.
Ninguém imagina o peso que cada um de nós carrega, mas a verdade é que, de forma inconsciente, esse peso tem repercussões na nossa vida adulta e influencia a forma como reagimos e como nos protegemos.
São estes gatilhos e mecanismos de defesa que nos tornam muitas vezes reativos ou, por outro lado, inativos. Quantas vezes não temos reações muito exageradas? Quantas vezes não fugimos das situações que não queremos enfrentar? Quantas vezes não boicotamos relações com medo de sofrer? Todos estes mecanismos são uma resposta às nossas feridas emocionais.
Este livro aborda todas estas questões de forma muito simples e empática, porque não é fácil olhar para dentro de nós e enfrentar a realidade. No entanto, só quando percorremos este caminho de tomada de consciência é que vamos conseguir curar feridas e fazer diferente. Ninguém merece viver com pesos tão injustos, mas só depende de cada um de nós querer (ou não) olhar para eles.
Nota: Fotografias por Verónica Silva