Triângulo da experiência - A importância de sentir as emoções

Ana Caetano // Novembro 7, 2021
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Triângulo
Triângulo

Diariamente vivemos contrariedades que nos desalinham: desde todos os semáforos ficarem vermelhos quando estamos com pressa até uma relação difícil com alguém que amamos. Como manter a serenidade perante estas situações? 

A propósito do tema relativo a mecanismos de defesa psicológicos surgiu a necessidade de desenvolver o tema da regulação emocional perante situações perturbadoras ante a sua relevância. Assim, gostaria de vos apresentar o Triângulo da Experiência, idealizado pelo psicanalista britânico David Malan e mais tarde adaptado por diversos autores para expressar o conflito emocional interno de uma pessoa consigo própria e com o mundo exterior.

O Triângulo da Experiência

Uma das adaptações feita por H.J. Hendel ajuda-nos a situar a nossa experiência com o mundo.

triângulo da experiência

O triângulo deve ser lido da base para o topo, no sentido das emoções inibitórias. Frequentemente a ansiedade, a culpa ou a vergonha que sentimos são desajustadas à situação que vivenciamos e “sufocam” a emoção adequada. 

A importância de sentir as emoções 

A persistência de emoções inibitórias pode tornar-se intolerável e levar, por vezes, ao uso de estratégias para nos acalmar. Podem até ser estratégias saudáveis, como o exercício físico ou a meditação, mas até contactarmos com as emoções básicas a situação continua a ser desconfortável – uma vez que não foi vivida até ao fim, o ciclo da dor não se completou, assim como o processamento do seu significado e a resolução do respetivo mal-estar. 

Por exemplo, numa situação de luto por um ente querido temos de manter um equilíbrio entre continuarmos funcionais e permitir o processamento da tristeza saudável associada a essa situação de luto. A tristeza retira-nos energia para enfrentar o dia-a-dia e a única forma de alívio consiste em sentir a sensação de dor associada: chorar, descansar, voltar a chorar, habituarmo-nos à ausência de quem partiu. Após sentirmos inteiramente essa sensação surge o correspondente alívio: estamos abatidos, mas libertos da sensação. Não se faz tudo de uma só vez; há que perspectivar a situação de perda como um processo, em que nos forçamos a cumprir a rotina, mas sem prescindir de conceder espaço ao desgosto. Se ignoramos sistematicamente essa dor a tristeza fica por sentir, mas não se extingue e envia-nos sinais de que quer ser vista, na forma de mal-estar continuado. Cada vez que “atamancamos” a dor o nosso corpo acumula ansiedade até ao ponto em que não suporta mais. O recurso à racionalização, evitamento ou substâncias entorpecedoras constituem meros pensos rápidos para uma situação que requer uma exploração da sensação corporal. E quanto mais tempo passar mais se avoluma o mal-estar… que teima em não perecer.

Só ou bem acompanhado?

Em consultório acompanho muitas destas dores que ficaram por sentir… Convido as pessoas a contactarem com a emoção saudável associada a essa dor, a qual se assemelha a uma onda. Chamo-lhe a “onda da Nazaré” porque é gigante e assustadora, mas que tem de ser aceite pelo corpo. Digo à pessoa que ela não vai sozinha, que estou lá…sou a personagem que está na mota de água para a resgatar caso seja enrolada na onda. No fim de navegar a onda, ela está exausta, sem dúvida, mas muito aliviada. A ansiedade baixa a níveis toleráveis, a vergonha desaparece, a culpa dilui-se. Nestes casos sinto uma profunda empatia com os dentistas…sim, os dentistas. Recorremos aos seus serviços quando estamos com dor e sabemos que vai ser desconfortável. Se evitamos essa ida, até podemos tomar medicamentos, tentar abstrairmo-nos da dor, tomar antibióticos, mas o sofrimento não passa. É exatamente assim que sucede no campo psicológico: uma dor emocional evitada aumenta o sofrimento mesmo que por momentos nos esquivemos dela.

Como usar o triângulo da experiência:

  1. Foque a sua atenção na sensação corporal quando sente mal-estar. Olhe com curiosidade, permita que se expresse no seu corpo;
  2. Caso a emoção sentida seja culpa, ansiedade ou vergonha, pergunte-se se é adequado ao momento presente sentir essa emoção;
  3. Se a considerar desadequada, pergunte-se se o desconforto que sente está relacionado com outra emoção indicada na base do triângulo. Dê tempo ao corpo uma vez que este, por natureza, é lento. Se encontrou uma emoção básica, sinta a sensação associada. Relembremos:
    • Tristeza: perda de algo importante na nossa vida que nos retira energia para interagir, levando-nos ao recolhimento e ao silêncio;
    • Alegria: sentimo-nos seguros, queremos conviver e celebrar com os outros de forma quase ilimitada;
    • Nojo: contacto com algo tóxico no meio ambiente que nos conduz ao afastamento, instalando-se um mal-estar intestinal, uma náusea;
    • Entusiasmo: excitação perante algo, aguçar de curiosidade, vontade de “deitar mãos à obra”;
    • Medo: sentimento de perigo/insegurança em que procuramos proteger-nos adotando um dos seguintes comportamentos: fuga, luta ou colapso (consoante o predador);
    • Excitação sexual: desejo de estar com alguém que nos provoca uma sensação antecipada de prazer;
    • Raiva: advém do desrespeito ou invasão do nosso espaço vital por outrem que nos leva a uma pose de “cara de poucos amigos”, a vociferar ou a agredir o invasor.
  4. Após navegar a onda sinta a correspondente sensação de alívio, que se manifesta através de clareza, calma, conforto, confiança, compaixão, coragem e conexão com o Todo. Um estado em que sentimos uma expansão no peito e libertação;
  5. Repita esta abordagem todas as vezes que considerar necessário. Os efeitos secundários que se conhecem da sua aplicação são intensos: sabedoria e autoconhecimento.

Cada um tem o destino universal de fazer consigo mesmo o modelo de mais uma estátua humana. E esta fabrica-se apenas com íntimo pessoal. O nosso íntimo pessoal é inatingível por outrem. E é este o fundamento de toda a humanidade, de toda a Arte e de toda a Religião. O nosso íntimo pessoal é de ordem humana, estética e sagrada. Serve apenas o próprio. É o seu único caminho. O melhor que se pode fazer em favor de qualquer [um] é ajudá-lo a entregar-se a si mesmo. Com o seu íntimo pessoal cada um poderá estar em Toda a parte, sejam quais forem as condições sociais, as mais favoráveis e as mais adversas. Sem ele, nem para fazer número se aproveita ninguém.”

Almada Negreiros, “Nome de Guerra” (1925)

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