A situação global que estamos a viver devido ao surgimento do novo coronavírus veio alterar drasticamente, e talvez para sempre, o nosso quotidiano. O isolamento social a que somos obrigados está a mudar a nossa rotina. Somos seres sociais por natureza e, nesta altura, pedem-nos para restringirmos ao máximo o contacto social, o que não é fácil.
De repente, damos por nós confinados aos (poucos) metros quadrados da nossa casa e dispondo de recursos limitados. Com o passar dos dias, num labirinto de novas rotinas diárias impostas e do constante debitar de informação que chega do país e do mundo, sentimos que estamos a perder o ‘norte’, que o chão está a fugir-nos.
É nesta fase que a maioria da população tem, inevitavelmente, mais tempo disponível. A carga laboral foi, em muitos casos, reduzida ou até suspensa. Não se perdem horas infindáveis em deslocações. O tempo em compras é o estritamente necessário. Não existem os jantares de amigos de sexta-feira, nem os almoços de domingo em família… Ou seja, temos muito menos atividade física.
Quem andava a adiar o início ou o regresso à prática de exercício físico regular, alegando falta de tempo, está perante uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Mesmo com os ginásios fechados e com os profissionais da área também confinados em suas casas.
Poucos dias tinham passado sobre o início do isolamento social da maioria da população e já vários sítios da Internet, blogs, redes sociais, etc., disponibilizavam conselhos, dicas, planos de treino e mesmo aulas em direto para serem feitas em casa. E com duas grandes vantagens – uma boa parte dos mesmos sem custos acrescidos e sem ser necessário material específico.
Benefícios da actividade física
Por outro lado, várias organizações desenvolveram campanhas para recordar os benefícios da atividade física, como o reforço do sistema imunitário, a manutenção da boa condição física, o controlo do peso corporal, a melhoraria da qualidade do sono e a ocupação benéfica do tempo e da mente.
Os especialistas aconselham 30 minutos de atividade física diária aos adultos e 60 minutos às crianças. Convém não esquecer que a atividade física compreende todo o tipo de movimentos, incluindo tarefas como limpar e arrumar a casa, passar a ferro, jardinar, brincar com os mais pequenos, cozinhar, organizar a chamada ‘papelada’ ou algo mais simples, como levantar-se do sofá para ir beber um copo com água.
Se há quem mostre dificuldade em incorporar o exercício físico no seu quotidiano, há, no entanto, quem já tenha integrado na sua rotina a ida ao ginásio sob orientação especializada, a corrida matinal ao ar livre ou, por exemplo, o passeio de bicicleta com os filhos e/ou o jogo de futebol com os amigos ao fim-de-semana. Também neste grupo é importante a adaptação da prática de exercício físico às novas circunstâncias.
Uma das frases mais conhecidas de Charles Darwin aplica-se exemplarmente à fase que estamos a viver e a qual nos alerta para a necessidade de sermos mais flexíveis à mudança, mais resilientes, de modo a não sofrermos tanto com a adaptação a novas realidades.
As espécies que sobrevivem não são as mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que se adaptam melhor às mudanças.”
Charles Darwin
De que está, então, à espera para ‘mexer’ o corpo?
Vamos treinar em casa!
Seguem-se algumas dicas para a prática de exercício físico em casa, lembrando sempre que estamos perante um processo progressivo e individual. Não queira, de repente, optar pelo treino mais difícil para ficar em forma. O seu corpo pode responder com maior cansaço e fragilidade, ficando menos apto para combater o novo coronavírus.
O que treinar em casa?
- Existem várias atividades possíveis de praticar em casa, como, por exemplo, dança, exercícios de força, pilates, ioga ou alongamentos. Escolha uma atividade de que goste e procure informação (aulas, conselhos, dicas, etc.) em sítios da Internet com profissionais devidamente habilitados. Existem várias ofertas de entidades creditadas para o efeito e sem custos acrescidos. Evite aderir a modas e aplicações que alegam resultados espetaculares em pouco tempo. Procure informação credível.
- Se tiver em casa um cicloergómetro (passadeira, bicicleta, stepper, elíptica) é uma ótima forma de fazer o treino cardiovascular e também um bom complemento de outros treinos.
- Se já é acompanhado por um professor na sua prática de exercício, peça ajuda para que receba orientação também nesta fase, ninguém o conhece melhor que o seu professor.
- Nunca se esqueça de que, em caso de dúvida ou incerteza, não deve realizar o exercício solicitado até que esteja devidamente esclarecido.
Onde treinar?
- Deve ter alguns aspetos em consideração na escolha da divisão da casa onde vai fazer o treino. O local deve permitir treinar sem se correr o risco de tropeçar em algum objeto decorativo ou alguma peça de mobília. Portanto, avalie bem o espaço de que necessita para o efeito, e não arrisque.
- Evite buscar apoio num qualquer móvel sob pena de o mesmo cair, arrastando-o consigo. Prefira apoiar-se numa parede desocupada, em caso de necessidade.
- Afaste todos os tapetes que deslizem ou nos quais possa tropeçar. Se a sua modalidade exigir um tapete, pode treinar num modelo que seja antiderrapante ou num tapete específico para a prática de exercício físico. Se não tiver ao seu alcance nenhuma destas opções, treine no chão para evitar acidentes.
- Se a sua casa tem um espaço exterior que permita treinar em segurança, use-o o maior número de vezes, evitando temperaturas extremas (demasiado frio ou demasiado calor) e condições climatéricas adversas (chuva e muito vento). Uma das grandes vantagens de se treinar ao ar livre é poder usufruir do sol e, assim, aumentar a produção de vitamina D, respeitando sempre as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) relativamente à exposição solar.
Como treinar em casa?
- A intensidade do treino deve estar adaptada a cada caso. Faça um treino que lhe exija esforço, mas que não seja demasiado exaustivo para si. Aumente a intensidade do treino sempre que o mesmo esteja muito fácil ou diminua se estiver muito difícil. A intensidade correta é a que origina melhores resultados.
- Se for iniciante no exercício físico, recomenda-se, que treine duas a três vezes por semana, em dias não consecutivos. Se a sua condição física o permitir, pode treinar cinco a seis vezes por semana, tendo em atenção que é determinante alternar o tipo de atividade (diferentes tipos de treinos) para não originar uma sobrecarga prejudicial ao seu corpo.
- Utilize vestuário e calçado apropriados para a sua prática desportiva. Se, durante a realização do treino, ou após, sentir alguma dor ou desconforto que não sinta como benéfica, pare e estabeleça contacto com um especialista qualificado.
Quando treinar?
Tente manter o seu dia em casa o mais possível organizado, estabelecendo alguns horários para refeições, trabalho, treino, descanso e tarefas domésticas.
Treine no horário que lhe for mais conveniente respeitando, pelo menos, a distância temporal em relação à hora das refeições e do sono. Não deve treinar até duas horas a seguir a uma refeição principal (exemplo, o almoço) e até uma hora após uma refeição ligeira (exemplo, o lanche), para que não se sinta indisposto e para evitar uma paragem digestiva.
Tente fazer o seu plano de treino de manhã ou de tarde, pois, se treinar à noite, pode interferir com o seu descanso noturno.
Treinar em casa, sim! Em segurança!
Só com as opções certas é que consegue estar em equilíbrio e forte para enfrentar os desafios impostos pelas atuais circunstâncias. Quando terminar o isolamento social, quem sempre treinou pode voltar às suas rotinas de treino e quem (re)começou agora tem a oportunidade de se manter praticante.
Vera Ramos
(Fisiologista do Exercício. Licenciada em Ciências do Desporto e Mestre em Exercício e Saúde na Faculdade de Motricidade Humana – Universidade de Lisboa. Professora da Sala de Avaliação e Aconselhamento Técnico, Sala de Exercício e Programas Especiais no Ginásio Clube Português; Treinadora Pessoal no Ginásio Clube Português)