Trabalhar com um chefe bully

Fátima Lopes // Maio 23, 2018
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Na minha longa experiência a dar palestras nas empresas, na área motivacional, continuo a sentir que uma das maiores dificuldades de quem me ouve é encarar de forma positiva as experiências menos boas que vive no mundo do trabalho. Menos boas, posso estar a aligeirar, porque há experiências mesmo negativas.

Costumo contar a minha história, na esperança de que ajude alguém. Por o feedback ser tão positivo, resolvi partilhá-la convosco.

A minha experiência.

Quando entrei para o mercado de trabalho a tempo inteiro, depois de terminar a faculdade, fui seleccionada para integrar uma empresa estrangeira, assumindo o cargo de responsável de marketing. Era uma área de negócio que eu não dominava, mas como fui sempre muito curiosa, procurei aprender o mais possível. Tinha de trabalhar com Espanha e Inglaterra, mas isso não era problema porque dominava as duas línguas.

Nos primeiros 2 meses tudo correu bem.

Estava em fase de formação e embora nunca me tenha sentido muito à vontade com aquele que era o meu chefe e director da dita empresa, achava que era só uma impressão que iria passar.

Não podia estar mais errada…

Aos poucos o senhor foi-se revelando. Sempre que me chamava ao gabinete, eu saía transtornada.  Os gritos ouviam-se cá fora. A imagem física dele não ajudava. Era muito alto, com um ar imponente, nunca sorria e parecia trespassar-me com o olhar.

Começava sempre com uma pergunta qualquer que, independentemente da minha resposta, era seguida de vários atestados de incompetência e estupidez. Sim, fazia bullying no trabalho. Tudo lhe servia. Diariamente tinha de ter uma vítima. Eu não era a única! Havia sempre alguém que ele chamava aos berros e que já sabia que ao entrar naquele gabinete, onde as conversas aconteciam quase sempre de porta aberta, ia ser humilhado, enxovalhado e mal tratado. Era impossível manter a auto estima com um chefe assim ou melhorar a confiança no nosso trabalho.

Durante mais quanto tempo vou aguentar?

Perguntava-me todos os dias quanto tempo iria aguentar aquele ambiente, mas a verdade é que estava no início da minha vida conjugal e precisávamos do ordenado dos dois para pagar as contas.

Tudo piorou quando tive de ir a Espanha com o meu chefe, a uma reunião com os elementos da “casa mãe”. Isto porque ele não falava uma palavra de inglês. Precisou de mim o tempo inteiro para lhe traduzir o que diziam e para eu traduzir o que dizia. O sentir-se nas minhas mãos deixou-o furioso e, por isso, assim que saímos da dita reunião, já no táxi a caminho do aeroporto, começou o massacre. Apesar dos meus relatórios terem sido muito elogiados pelas chefias inglesas, ele tratou de os criticar até mais não, fazendo-me acreditar que nada valiam.

À medida que os meses passavam, eu fiquei cada vez mais deprimida e triste.

Chegou a um ponto em que aos domingos à noite, já entrava em ansiedade. A minha médica de família mandou-me ficar de baixa, para proteger a minha saúde emocional. Assim fiz, mas assim que chegou a data de regresso ao trabalho, tudo se repetiu.

Entretanto aproveitei as semanas em que estive em casa para mandar currículos para tudo o que aparecia nos jornais. Chamaram-me para uma entrevista numa empresa de audiotexto, que era metade portuguesa e metade inglesa. Passei à segunda fase e fui a nova entrevista.

A dificuldade em ir trabalhar era cada vez maior. Não aguentava mais.

Sempre lidei mal com gritos e com gente que grita. Andava sempre triste, o que não joga nada comigo que sou uma alma alegre e bem disposta. Até que um dia, depois de conversar com o meu ex-marido, decidi que, mesmo sem alternativa, ia despedir-me. Preferia arriscar a ficar ali a destruir-me.

Lembro-me que no dia em que ia apresentar a carta de demissão, estava feliz e leve.

Bati na porta do chefe, entreguei-lhe a carta e saí. Passados minutos chamou-me para dizer que se queria ir-me embora estava à vontade. Ainda bem. Nessa mesma semana fui contactada pela tal empresa onde tinha ido às entrevistas, informando-me que arrancariam dali a dois meses e que eu estava contratada. Rejubilei de alegria! Estava a ser compensada pela minha ousadia de sair de um trabalho, ainda sem outro, simplesmente por estar profundamente infeliz. Ainda por cima ia ganhar mais e dirigir uma equipa de accounts. Melhor de tudo isto: esta empresa tinha um contrato de exclusividade com a SIC, que ficava sob a minha alçada. E, foi este o passaporte para entrar no mundo onde trabalho há 24 anos e pelo qual ainda hoje estou profundamente apaixonada.

Valeu a pena.

A exigência daquela criatura trouxe-a comigo e também, por isso, hoje sou melhor profissional. Comportamentos deste tipo, nunca mais os permiti a ninguém.

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