Se uma relação feliz é sinónimo de tranquilidade e segurança, por que motivos podemos gostar muito de uma pessoa e sentir precisamente o oposto? Quando é que podemos ter a certeza de que a relação em que estamos pode ser trabalhada e oferecer-nos a felicidade que desejamos? Quando é que é altura de dizer “Basta” e desistir?
Toda a gente sabe que nenhuma relação é um constante mar de rosas e que, pelo contrário, mesmo quando há muito amor e um forte compromisso, há momentos de desconexão, de incerteza, de mágoa e de insegurança. Mas, de uma maneira geral, associamos, e bem, as relações felizes a um porto seguro para ambas as partes. É precisamente isso que nos mostra a ciência: os casais felizes desenvolvem um vínculo seguro, as suas conversas diárias equivalem a uma espécie de ansiolítico natural porque é através dessa partilha das pequenas coisas do dia-a-dia que se sentem ouvidos, amparados e com um sentimento crescente de pertença, sentem-se capazes de fazer planos e de projetar um futuro a dois e de mostrar o seu afeto de forma clara.
É relativamente frequente encontrar em consulta algumas pessoas, sobretudo mulheres, que, ao contrário do que esperariam, se sentem cada vez mais inseguras na sua relação sem que consigam identificar de forma clara a origem das dificuldades.
O que pode estar por detrás da insegurança na relação?
Há alguns motivos que podem estar subjacentes à insegurança:
. Não está habituada a sentir-se segura numa relação.
Se cresceu num ambiente familiar instável, marcado por pouca ou nenhuma segurança, ou simplesmente numa família em que os adultos estavam pouco presentes fisicamente ou pouco atentos/disponíveis para as suas necessidades afetivas, uma relação estável pode ser geradora de ansiedade. É paradoxal? Sim, e é natural que se sinta confusa. Se a pessoa por quem se apaixonou é exatamente aquilo que ambicionou para si, por que razão tem dificuldade em usufruir dessa realidade? A questão é que o seu cérebro sabe que é seguro, mas pode levar algum tempo a sentir que é seguro. A estabilidade emocional pode ser pouco familiar e os seus mecanismos de defesa podem estar a erguer algumas barreiras com a nobre intenção de a proteger. O melhor antídoto é falar abertamente sobre a sua bagagem afetiva – quer com a pessoa que está ao seu lado, quer eventualmente com um psicólogo. Escrever sobre os seus sentimentos (journaling) também pode ajudar.
. Baixa autoestima.
A imagem que temos de nós mesmos depende maioritariamente da qualidade das relações que vamos construindo – numa primeira fase, com os adultos que nos educam e, mais tarde, com as pessoas com quem desenvolvemos relações de proximidade. Quando os nossos pais conseguem mostrar aceitação em relação às nossas características físicas e psicológicas, quando são atentos e respondem com afeto às nossas necessidades afetivas, crescemos com a certeza de que somos merecedores de amor. Pelo contrário, quando não nos sentimos aceites exatamente como somos e/ou quando o afeto que recebemos é inconsistente e/ou está dependente de realizarmos escolhas que agradem aos adultos, é mais provável que desenvolvamos uma autoestima baixa, que nos sintamos muitas vezes insuficientes e que nos habituemos a fazer tudo para agradar aos outros, especialmente às pessoas que mais amamos. Assim, é possível que se sinta permanentemente em esforço e debaixo de um medo mais ou menos constante de que a pessoa de quem gosta possa abandoná-la a qualquer momento. A melhor solução para esta realidade é tentar comunicar os seus sentimentos (mesmo os mais vulneráveis) e as suas necessidades de forma clara à pessoa de quem gosta. Não vale a pena fazer-se de mais forte do que é e tentar mascarar as suas vulnerabilidades. A pessoa de quem gosta pode até não conseguir perceber imediatamente de onde vem a sua insegurança, mas, se não se sentir criticada ou atacada, o mais provável é que faça o que estiver ao seu alcance para a ajudar a sentir-se progressivamente mais segura.
. Trauma de outras relações.
As relações amorosas são relações de grande entrega e exposição. Quando nos apaixonamos, colocamos o nosso coração nas mãos de outra pessoa. Às vezes, isso equivale a sairmos muito magoados ou até traumatizados por relações com pessoas que não se mostraram dignas da nossa confiança. O trauma relacional é uma realidade que está mais associada a relações abusivas e pode deixar marcas profundas, incluindo o medo exacerbado de investir numa nova relação, mesmo que não haja sinais de alarme. Neste caso, pode ser importante começar por pedir ajuda terapêutica e tentar falar abertamente sobre estas feridas emocionais com a pessoa de quem gosta. Na prática, essa partilha pode ajudar a outra pessoa a evitar alguns comportamentos que possam funcionar como “gatilhos” de traumas vividos noutra relação. A ajuda terapêutica pode ser individual ou conjugal.
. Estilo de vinculação.
As nossas relações precoces condicionam muito as nossas relações românticas – mais do que imaginamos. Em função do tipo de vínculo que construímos com os adultos com quem crescemos – mais ou menos seguro – podemos desenvolver a propensão para um estilo de vinculação amorosa do tipo seguro, ansioso, evitante ou desorganizado. Conhecer o nosso estilo de vinculação e o estilo de vinculação da pessoa que amamos é empoderador e libertador. Ajuda-nos, por exemplo, a compreender porque é que alguns de nós se sentem facilmente “ativados” por sentimentos de rejeição e abandono, enquanto outros privilegiam tanto a sua independência e têm dificuldade em construir relações de compromisso (ainda que continuem a desejá-las). As pessoas com propensão para um estilo de vinculação ansioso sentem-se facilmente inseguras sempre que a pessoa de quem gostam se mostra mais distante. Ora, como a necessidade do “próprio espaço” está muito presente nas pessoas com um estilo de vinculação evitante (sem que isso signifique que não queiram estar na relação), é fácil adivinhar os círculos viciosos destas relações. A pessoa com um estilo ansioso sente-se insegura, mais cedo ou mais tarde faz algumas “cobranças” – os chamados “comportamentos de protesto” -, que por sua vez fazem com que a pessoa com um estilo evitante se sinta “sufocada” e tenha a necessidade de se afastar (criando ainda mais insegurança). A terapia de casal e a leitura de material de apoio sobre estilos de vinculação podem ser ajudas significativas para romper com estes círculos viciosos.
. Ele(a) não está comprometido(a).
Não vale a pena escamotear a realidade: Nem todas as relações são baseadas numa postura honesta de ambos os lados. Se a pessoa de quem gosta mostra comportamentos ambivalentes, isto é, por um lado diz que quer uma relação de compromisso consigo e/ou mostra carinho e dedicação NALGUNS momentos e, por outro, deixa-a frequentemente “pendurada”, isso pode ser um sinal de alarme. Algumas pessoas acabam por trazer para a relação comportamentos intermitentes, oscilando entre a presença física e emocional e a distância/desaparecimento por longos períodos, resultando em níveis elevados de ansiedade para quem está do outro lado. Todas as relações saudáveis são baseadas na segurança emocional e isso inclui clareza, transparência, negociação e previsibilidade. O melhor antídoto para a ambivalência é a comunicação assertiva e a definição clara dos limites da relação. Por exemplo, uma coisa é os membros do casal concordarem em não estarem juntos diariamente e assumirem que conversarão abertamente sobre as necessidades afetivas de cada um e outra, bem diferente, é haver uma pessoa que se compromete com encontros presenciais e apresentar sucessivas justificações para os adiar. Ninguém gosta de viver na incerteza, sem saber com o que pode contar. Mais do que isso: níveis elevados de incerteza vão trazer angústia, sentimentos de rejeição e abandono e podem induzir a algumas perturbações de ansiedade. Conversar abertamente sobre estes sentimentos – quer com as pessoas que fazem parte da sua rede de suporte, quer com um psicólogo ajudá-la-á a sentir-se vista, compreendida e a olhar para a realidade com maior objetividade.