Considerei o tema “Simplesmente existir” o mais acertado para este mês de Julho. Porquê? Porque a partir do momento em que a COVID-19 entrou nas nossas vidas, este ano de 2020 tem-nos vindo a ensinar que as questões do tempo são efectivamente relativas. Aquilo que para nós no passado era fundamental, como uma grande organização e planeamento das nossas vidas, pode atualmente não ser possível. Essa necessidade, e às vezes até urgência, de olhar para o futuro, é o que agora faz menos sentido depois desta experiência de enfrentarmos um inimigo desconhecido. Na verdade o que temos estado a aprender é que para sobrevivermos precisamos mesmo de nos focar no presente, no aqui e agora.
“Mas existir em que sentido?”, pergunta e muito bem, é que existir tem realmente muitos significados. Podemos pensar em existir e resistir, podemos pensar que existir é ser percebido, é ser feliz. Isto porque a palavra existir em si mesma encerra muitas reflexões sobre a pessoa que nós somos e sobre a pessoa que eventualmente gostaríamos de ser. Sobre o momento que estamos a viver e o momento em que eventualmente gostaríamos de estar a viver. Sobre a fase da vida em que nos encontramos e a fase da vida onde eventualmente gostaríamos de estar. Existir traz-nos isso tudo. Mas, nesta altura, simplesmente existir é o maior desafio que poderíamos enfrentar.
Simplesmente existir é o maior desafio que podemos enfrentar.
Isto porque o ser humano, por norma, não está habituado a isso. Simplesmente existir é demasiado simples e o ser humano gosta de complicar, de acrescentar vírgulas desnecessárias à vida, pontos de interrogação que nem sempre fazem sentido. Muitas vezes colocamos uma pontuação na nossa vida absolutamente desacertada e que nada tem a ver com aquilo que nós desejamos. E portanto este simplesmente existir é quase como se nos dessem uma folha em branco e dissessem: “Vai escrevendo o que te vem à cabeça, não te preocupes muito se está bem ou mal escrito, se a pontuação está correcta ou não. Não faz mal. Vai pondo para aí aquilo que vais vivendo”. E este simplesmente existir é isso. E é uma outra coisa…
É permitirmo-nos folgar das responsabilidades da vida.
E o que é que isto quer dizer? Quer dizer que nós não temos de estar sempre a pensar nas tarefas, nas responsabilidades, nas obrigações, no que deveríamos ter feito ou dito. É quase uma paragem à nossa mente, à nossa cabeça e pô-la em banho-maria. Como se fosse uma cabeça frizada, que está parada. E ali estamos. No momento. Simplesmente a existir.
E se alguém perguntar: “Então, o que queres fazer a seguir?”. “Não faço a mínima ideia”. “E tens planos para esta noite?” “Nada.” “E o que queres para o jantar?” “Não sei, não pensei nisso.” É permitir-nos não termos respostas. Mas não as termos porque nem sequer se pensa nisso. Não interessa. E é este simplesmente existir que é um enorme desafio.
“Estou simplesmente a existir.”
Esta é uma expressão que oiço muitas vezes de amigas a quem eu às vezes ligo e pergunto: “Então, e hoje o que estás a fazer?”. E elas respondem-me: “Estou simplesmente a existir”. Ao início aquilo fazia-me muita confusão. “Como assim? Não há planos?” “Não”, respondiam-me. E isso é uma permissão que para muitos de nós é mesmo muito desafiante, porque, tendo em conta a educação que tivemos, estamos sempre em modo tarefa e responsabilidade. Por isso temos alguma tendência em confundir o simplesmente existir com gente preguiçosa, que é muito dada ao ócio, e não é nada disso.
O simplesmente existir é a disponibilidade para ir respirando, ir vivendo sem questionar, ir simplesmente navegando nas flutuações na vida. E é só isto. Podem ter a certeza que é dos maiores desafios para qualquer ser humano. Ensaiem um ou outro momento desses na vossa vida e vão perceber a quantidade de situações que vão criar nas vossas cabeças para boicotarem este simplesmente existir. Negociem com essas tentativas de boicote e tentem chegar a um acordo para, pelo menos uma vez, experienciarem o que é simplesmente existir.
Nota: Fotografia de Frederico Martins.