Sei o que fizeste no ano letivo passado...

Ana Caetano // Setembro 13, 2021
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ano letivo
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Ao longo da minha escolaridade oscilei entre o revirar de olhos pela aproximação do novo ano letivo e o contar dos dias que faltavam por estar farta de férias. Neste universo escolar entre professores, auxiliares de ação educativa, pais, filhos/alunos acontecem centenas de histórias nas salas de aula, dezenas de momentos nos corredores e milhares de interações ao longo do ano.

Sorrio sempre que me lembro do significado e origem da palavra “escola”: lazer, uma vez que os gregos achavam que a melhor forma de preencher o tempo era com o prazer de aprender. 

“Escola de Atenas”, por Rafael Sanzio (séc. XVI)

Hoje a palavra “escola” adquiriu uma faceta de dever e, frequentemente, local de pressão para professores e alunos. Relembremos que a profissão de professor é uma das mais stressantes do mundo ocidental, em concorrência com as de controlador de tráfego aéreo e polícia. É viver perigosamente, sem dúvida. 

A beleza de se ser professor

No entanto, há um detalhe pouco falado na beleza de se ser professor, que alguns conhecem, mas mantêm em privado com medo de serem vistos como vaidosos ou com a mania… esse detalhe é partilhado por muitos (ex)alunos, alguns adultos, outros ainda nos corredores da escola. Esse mesmo detalhe, às vezes, até fica em segredo durante anos ou para sempre, uma vez que o aluno teve vergonha de o partilhar (o medo de ser “lambe botas” ou “graxista” a isso obriga). Pois bem, é devido à intervenção de certos professores que inúmeros alunos não se sentem incompetentes, sozinhos, marginalizados, sem futuro, perdidos e ganham alento para organizarem a sua vida. Há professores que disseram a palavra certa, falaram no momento adequado, ficaram mais um pouco no final da aula e passaram a dose necessária de atenção ou expressaram o carinho em falta àquele miúdo, rapariga, jovem. Por vezes, os professores são os primeiros a acreditar que aqueles seres humanos têm valor, incentivando, passando regras e expandindo o mundo perante o seu olhar.

Sei isto com muita certeza uma vez que vivi na primeira pessoa a importância de ter um adulto significativo a dizer que eu tinha capacidades e me incentivou. Mas, também sei desta realidade nas inúmeras vezes que oiço no consultório: “Sabe, se não fosse a professora Berta de ciências, o professor Zé de matemática, a professora Graça de português, a professora Lena de história, olhe, não sei o que teria sido de mim”.

A Fada Madrinha

Uso este reconhecimento no consultório quando o devolvo a professores que se sentem exaustos em Novembro, desesperançados em Fevereiro ou desesperados em Maio. Costumo relembrar-lhes a história da Gata Borralheira em que, na ausência da mãe carinhosa e justa (uma vez que só as meias-irmãs recebiam toda a atenção) e sem a presença do pai ou de outro adulto que a pudesse proteger, a fada madrinha lhe deu uma ajuda valiosa na preparação para o baile no palácio. Esta fada madrinha providenciou os recursos suficientes, embora limitados (até à meia-noite, nem mais um minuto!) para que a Gata Borralheira fosse ao baile, mas o resto… bom o resto é connosco: saber dançar e aceitar dançar com o príncipe; ter as características necessárias para captar a sua atenção e manter a dança até às 12 badaladas, apanhar a carruagem a horas… Muitos de nós cruzamo-nos com “fadas madrinhas” que nos dão um empurrão para mudarmos a nossa sorte, o nosso rumo… Porém, o Caminho é connosco.

Posso afirmar que uma das classes profissionais em que abundam “fadas-madrinhas” é a classe de professores. Exercem a sua magia continuamente, seguindo o princípio de plantar a bolota para que daí a 30 anos haja um sobreiro. Sei também que não ouvem vezes suficientes o agradecimento, uma vez que só mais tarde, quando atingem a maturidade, em acessos de consciência é que as “bolotas” percebem a importância da “fada madrinha”.

Momento de saborear

Aceitem e levem para dentro de vocês o seguinte: como professores têm ajudado muitas pessoas a alcançarem estrutura e organização nas suas vidas futuras. Ignorem as vozes internas que vos dizem: “Não é nada de especial / Não fiz mais do que a minha obrigação / Mas ninguém dá valor ao que faço”. Só agora, aqui entre nós que ninguém nos ouve, aceitem a sensação de prazer em serem quem são, em terem feito a diferença na vida de tantas crianças. Só por 30 segundos (o tempo que leva a estabelecer-se uma nova ligação sináptica), permitam-se a sensação de orgulho no trabalho bem feito e deixem-se inundar pela emoção de alegria ao promover o bem-estar de outro ser humano.

Boa sorte e bom ano letivo!

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