Os conceitos sociais em relação à valorização pessoal passam por mudanças profundas. Há uns anos atrás ninguém lia ou ouvia falar de autocuidado, por exemplo, ou da ideia de que precisávamos de tirar tempo para cuidarmos de nós. Se do ponto de vista histórico e sociológico, vimos de um momento em que parece existirmos quase exclusivamente para cuidar do(s) outro(s), passamos por um momento quase oposto, onde queremos quase exclusivamente cuidar de nós.
“Primeiro tu, depois os outros.”
“Escolhe em função de ti e não do que os outros vão pensar.”
Frases como estas, por exemplo, invadem-nos diariamente em livros, revistas e nas redes sociais. Segundo alguns sociólogos e psicólogos, poderemos estar mesmo a viver uma fase narcísica, onde o interesse pessoal se sobrepõem sempre ao interesse familiar, social, profissional, cultural e comunitário.
Acredito que estaremos a tentar descobrir onde queremos estar, entre o que temos sido e o que queremos ser, também em função de uma saúde mental que se mostra bastante doente. E neste balançar entre o que foram as gerações anteriores e aquilo que poderemos ser no presente e no futuro, poderá nascer o equilíbrio e o bom senso – sendo que este último tem tanto de necessário como de subjetivo – sendo que o equilíbrio será sempre a conjugação entre a aprendizagem de olharmos para nós e para os outros.
Sê a personagem principal da tua vida!
Assumir que podemos ser as personagens principais da nossa história poderá ser um bom ponto de partida neste caminho onde estamos a aprender a olhar para nós, sendo que se esta história for feita sozinha nunca passará de um monólogo. Todas as histórias têm vários personagens sendo que cada um tem o seu papel e a sua importância. Quando nos colocamos como personagens principais estamos a assumir a responsabilidade pelo que escolhemos, pelo que sentimos, queremos e pelo que precisamos, não significando porém, que não seja necessário olhar os outros na mesma medida.
Acredito que esta postura de liderança para além de nos retirar do papel de vítima e de nos colocar no papel de responsáveis pelas várias escolhas que vamos fazendo, nos torna mais capazes e altruístas em relação aos outros porque estamos a dar ao outro a possibilidade de também ele, mais do que fazer e de escolher por nós, que pode e deve viver também ele primeiro na sua própria pele.
Quando nos desligamos dessa responsabilidade de autocuidado, mais tarde ou mais cedo, vamos sentir que nos descuidamos, que nos esquecemos do que precisávamos e queríamos, surgindo muitas vezes a culpa, a raiva, o cansaço ou a desilusão pelo vazio onde muitas vezes nos encontramos.
Significa isto que, aprendermos a ser responsáveis pelas nossas necessidades é essencial para todos, afinal, quando fazemos escolhas em função da nossa liberdade e necessidades deixamos de colocar pressão no outro para que nos dê o que não nos soubemos dar, evitando a reclamação, a submissão e o ajustar de contas que nos colocam em conflito quando afinal não reconheceram tudo o que deixámos de fazer por eles.
Quando aprendemos a dizer não, a ter tempo para descansar, dormir, comer, parar, respirar e tanto mais, percebemos que o outro tem as mesmas necessidades e os mesmos direitos. Mas tudo isto não acaba aqui, porque quando estamos bem connosco percebemos o quão gratificante é ajudar os outros, dar-lhes a nossa mão, atenção, tempo e amor. Quando somos exclusivamente autocentrados e narcisistas, não conseguimos reconhecer os outros porque vivemos em conflito dentro de nós e na ânsia que os outros também nos olhem da mesma forma absoluta.
Quando escolhemos ser a personagem principal das nossas vidas, aprendemos a cuidar de nós e a ter melhor energia para darmos aos outros também.
Não conseguimos dar o que não temos, e a melhor forma de contribuir para uma sociedade de amor é semearmos esse mesmo amor dentro de nós.