Relações amorosas felizes: uma questão de sorte?

Luís Miguel Neto // Fevereiro 26, 2018
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A este propósito, lembro-me de um poeta da Andaluzia que nos deixou uma ‘pérola’: “Eu também não acredito em bruxas. Mas que elas existem, não duvido”. A possibilidade de existência de relações amorosas felizes e duradouras é, nas circunstâncias actuais das sociedades ocidentais, algo do domínio do inacessível ao comum dos mortais. Ou melhor, algo cuja existência é comparável à possibilidade de ganhar o Euromilhões. E, não uma vez, mas em todos os sorteios já realizados e por realizar.

A felicidade duradoura, as relações de namoro satisfatórias e bem sucedidas, o amor e o encontro interpessoal mutuamente enriquecedores, são pré-sentidos, não só como improváveis, mas também como frágeis ou mesmo inviáveis.

Tomemos aquilo que pode ser considerado uma história natural do amor (e do amor natural, também). A ideia da emoção amorosa, como exterior, fora da vontade das pessoas, transitória e pontual, vem já da antiguidade clássica, ou seja, do tempo dos gregos e dos romanos. Podemos ver nos mosaicos de Conímbriga ou Pompeia o célebre anjo do amor, o amigo Cupido, que desferia as suas setas que atingiam os incautos apaixonados que passavam a ficar ‘possuídos’ de um sentimento avassalador, simultaneamente magnífico e arrebatador, porém fora da sua zona de controlo. Enfim, uma paixão. Nada que requeira esforço pessoal, trabalho exigente, cultivo paciente e generoso.

O amor feliz deixou de ser uma vivência, tornou-se uma ficção. Porém… antes de se descobrirem os cisnes negros, eles também eram uma ficção. Colombo, mesmo quando pisou a América, pensou estar na Índia. Voltando às emoções e relações amorosas felizes: elas existem. Como os cisnes negros ou a América. As relações amorosas felizes constroem-se, em conjunto, destroem-se, por vezes, em conjunto, reconstroem-se – ou não – necessariamente em conjunto.

E, agora o cortante “como?” a somar ao pragmático “que posso eu fazer?”

  1. Ajustar e coordenar expectativas;
  2. Praticar um pseudo budismo relacional, aplicado e prático;
  3. Ser capaz de se elevar acima das ‘feridas’ e sofrimentos intrínsecos às relações;
  4. Em conclusão: manter a serenidade acima de tudo.

Ajustamento de expectativas quer dizer, na poderosa linguagem do quotidiano, não esperar demais – a diversidade da pool genética dos príncipes e princesas sempre foi reduzida, e a ascensão social que a sua ligação prometia já não é o que era. Qualquer relação com durabilidade temporal mínima implica uma avaliação do potencial. Do outro/a e do próprio/a. Esperar desapontamentos é, não só sensato, mas também uma forma de auto-defesa. Abre espaço para poder ficar feliz apesar do desencanto, mudar do registo idealista ao hiper realista sem ter de soçobrar ou naufragar à vista da costa. Não ficar amargo com o passar do tempo, como acontece com alguns (maus) vinhos.

O pseudo-budismo relacional refere-se a uma prática encantadora surgida no Oriente e decorrente da sabedoria milenar aí existente. Um exemplo prático tirado, de novo, do dia-a- dia. Todos já experimentamos situações de trânsito ‘caótico’/’infernal’/ ‘de dar em doido’. No Oriente – ou pelo menos no Vietnam, donde o exemplo é retirado – conduzir é, na verdade, uma coisa de outro mundo, dada a quantidade de veículos de toda a espécie, mau estado das vias, numa experiência que, na verdade, não tem comparação com o pior da realidade vivida no Ocidente. Agora a parte útil e interessante por detrás do exótico: como é que eles fazem para aguentar tal nível de complexidade (e risco)? Um local (por sinal um actor vietnamita que vive na Austrália) revelou ‘o segredo’. Cada um/a conduz com uma ‘ideia fixa’: “cede e perdoa”. Cede (a passagem, a prioridade) e perdoa. Um derivado do budismo a ter em consideração nas relações, tal como no Ocidente já fazemos com as práticas da meditação, artes marciais, ioga. Uma maneira prática de saber como avançar na vida com leveza e com a felicidade realista – logo, uma felicidade possível.

Elevar-se acima das feridas relacionais e emocionais. A questão de ter a capacidade de se ‘elevar’ acima das adversidades e circunstâncias tem, portanto, implicações e consequências no mundo das relações. Mas, não só. O tema é estudado, também, no domínio da história da Economia. Por estranho que pareça, (alguns) economistas começam a chamar a atenção para uma (outra) evidência prática. Todos conhecemos, até directamente, situações em que uma prenda, uma promoção ou a expectativa de algo material se torna no fim único de uma relação pessoal. Nas sociedades ocidentais tornou-se menos ‘custoso’ comprar e investir em bens materiais do que nas relações. O custo emocional de uma relação tornou-se demasiado caro. Paradoxalmente, os bens relacionais – como o tempo para as pessoas emocionalmente e afectivamente significativas, para as actividades com sentido para além do benefício próprio, para a família e para cada qual – atingem um valor cada vez maior. Já se sabia que ninguém é feliz sozinho e que raramente se é mais produtivo a solo. Mas, as sociedades desenvolvidas tenderam a tornar secundária a importância dos outros para a felicidade de cada um … logo, o ‘investimento emocional’ nas relações deixou, não só de ser a norma, mas também de ‘valer a pena’. O inferno são os outros, dizia e escrevia, alguém.

A serenidade como meta e método. Nas instruções de segurança obrigatórias na aviação comercial há uma informação de importância transcendente: “Em caso de despressurização da cabine utilizar a máscara de oxigénio, primeiro em si mesmo”. Aparentemente, é de um egoísmo atroz. Na prática, em caso de perigo só tratando-me primeiro poderei com eficácia tratar outros. Um paradoxo que encerra em si uma espécie de egoísmo bom e funcional. Esta prática retirada da experiência do meio de transporte estatisticamente mais seguro da história da humanidade encerra em si uma dupla consequência: responsabilidade pessoal nas relações e sabedoria imprescindível relativa aos resultados. A oração da serenidade – aceitar o que não pode ser mudado, mudar o que deve ser mudado, e sabedoria para distinguir as duas situações – conjuga-se (lá vem este verbo activo, ‘com + jugar’ = levar em conjunto, coordenar – estratégias, associar – esforços) com a serenidade, e vem do distanciamento e da perspectiva sobre as coisas. Mas, também só se atinge a serenidade com a satisfação e o bem-estar. Forma prática de lá chegar: Semana sim, semana não.

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