Os avós não são um encargo: são uma bênção!
Os avós têm direito a ser avós, só avós, e nada mais que avós! Não são, portanto, nem “pais duas vezes”, nem pais em part time. Apesar disso, querem ter os netos todos os dias, para os mimarem, reservando para si, com toda a legitimidade, um estilo muito seu para “arredondarem” as regras das crianças, desautorizando os pais devagarinho, e para darem a cada uma delas um tom mais ameno e mais açucarado. E, têm direito a manobrar os filhos quando um neto se zanga com a sopa, e a insistir no “só hoje” – terno e macio – com que se vai, directamente, dos pratos preferidos das crianças para a sobremesa, que deixa todos os pais entre a rezinguice legislativa e os ataques de nervos, cheios de ciúmes, porque os avós são melhores pais como avós do que eram como pais.
Os avós têm, também, o direito a ir buscar os netos às aulas.
E, ao contrário dos maus exemplos dos pais, têm direito a não perguntar nem “como é que correu a escola”, nem “o que é que foi o almoço”. E, é claro, têm direito a cumprimentá-los com mais um “meu querido!” que é, como todos sabemos, um exclusivo gourmet de todos os avós. E, fará parte deste direito um lanche com bolo de maçã, se Deus cumprir a sua missão de os iluminar, ficando a luta (inglória!) da crianças com os trabalhos de casa ao cuidado – exclusivo e esganiçado – dos seus pais.
Os avós reclamam que a dura tarefa de educar seja um compromisso, sobretudo, para os pais.
E, que para eles, avós, esteja reservado o contraditório com que essa missão ganha luz e calma, quer quando os avós se descuidam e dizem quase tudo ao contrário daquilo que os pais exigem, quer quando – no seu: “vá, não sejas assim…” – interferem no tom mais policial com que os pais, com um jeitinho incandescente, parecem retomar o “quem manda aqui sou eu!”, clássico em todas as infâncias. E, reclamam, ainda, o direito de, quando muito bem entenderem, deixarem os filhos entre a espada e a parede, ao pé dos netos, (convidando os pequenos para a insubordinação) quando dizem aos pais deles, num tom embaraçoso, mas atulhado de carinho: “ele é tão parecido contigo!…”. Ou, escorregando para uma advertência, com uma aragem levemente adocicada, têm o direito a encostar os pais “às cordas” com o seu já famoso: “Tu lembras-te das fitas que fazias?…”.
As histórias dos avós
Os avós recordam que contar histórias aos netos – mesmo daquelas que possam ser pejadas de arrepios, ou que tenham trapalhadas ou, mesmo, que sejam enfadonhas – não é um direito seu; é uma obrigação de todos os avós! E – mais – nas histórias dos avós, os heróis patetas das aventuras para as crianças podem ter um nome de família e, de preferência, nelas podem misturar-se antepassados e imaginação. Desde que cumpram uma (e uma só) condição, absolutamente incontornável: não podem nunca repetir quase nada em cada história que costuram! Porque os avós não contam histórias: são a nossa história! E, só por isso, como mais ninguém, dizem-nos quem somos. E (mais!), por cada história que nos contam – olhando-nos nos olhos, sem cortinas – tornam os pais mais pequeninos, põem sentidos onde só havia um sonho, e fazem duma família uma praça a transbordar de enredos – imensa e apinhada – que dão orgulho e humildade, e tornam cada neto mais amigo do futuro.
Os avós têm, seguramente, sobre a si a exigência de ser os guardiães do direito das crianças a brincar.
Mesmo que sejam obrigados à canseira de recordar aos pais que terá sido, porventura, por excesso de zelo e de tolice que eles, os avós, enquanto pais, foram rezingões e indispostos quando os filhos trocavam, de bom grado, qualquer estudo que fosse pelo nobre desejo de se confiarem a mais uma brincadeira. E, se assim lhes apetecer, os avós estão autorizados às brincadeiras mais perigosas, que sempre vedaram aos seus filhos! Como, por exemplo, brincar (vezes sem conta) aos cabeleireiros. Porque – ao contrário dos erros que foram cometendo, enquanto pais – os avós sabem, como mais ninguém, que não se pode ser justo e sereno, e firme e bondoso sem desarrumarmos a cabeça ou sem se despentear o coração.
Os avós insistem, também, que não podem concordar com as asneiras dos pais.
E, que, sendo assim, passarão a repreendê-los, em nome dos netos, sempre que os pais insistam em recolher as crianças já depois delas se renderem ao João Pestana, como se os pais estivessem mais equiparados a uma empresa de recolha de encomendas, porta a porta, do que à sua indispensável função… de pais. Mesmo que eles o façam escondendo-se atrás dos horários do emprego, que não se podem discutir, ou do ritmo glutão da vida (que parece não lhes merecer nem escolha nem, sequer, oposição) Como se, para umas coisas, eles fossem crescidos e merecessem ser pais e, para outras, vivessem – desde a idade dos filhos – numa ameaça do género “quando for grande, eu mudo!”, que – apesar da dedicação e do carinho dos avós – priva as crianças do seu direito a ter mais tempo de pais do que de avós, todos os dias.
Aos avós está, também, inerente a legitimidade de contarem as mesmas “gracinhas” dos netos.
E, para eles está, igualmente, reservado o encanto com que se comovem com cada “Ele é tão esperto!…” com que deixam os netos, de graça em graça, ir “mandando no jogo” da família, muitas vezes.
A função preciosa e indispensável dos avós
Mas, os avós lembram que, para além da sua função preciosa e indispensável, é aos netos que devem o precioso privilégio de resgatarem uma bondade (cheia de beijos e de abraços) que lhes parecia esquecida ou, mesmo, até perdida. Mas, insistem, serão tanto melhores avós quanto mais vida possam ter! E, lembram que, sendo assim, são contra todas as tentações de exploração (irreflectidas, certamente) com que os pais vão colectivizando os tempos dos avós, os espaços dos avós ou os prazeres dos avós, como se a sua obrigação passasse mais por estarem – sem reservas e sem limites – ao dispor da “má educação” dos filhos que do “espírito de natal” com que amam os netos. E, embora não haja um contrato colectivo que proteja a sua sagrada missão, os avós têm direito a ter uma agenda própria, e a gozar férias de netos (com os juros decorrentes das poupanças que foram fazendo nas férias de pais que foram guardando duns anos para os outros). E, têm direito a fins-de-semana sem netos, mesmo que os usem para não fazer nada: ou porque também gostem de sair, ou achem precioso conviver, ou queiram passear ou viajar, ou tenham, ainda – para surpresa de todos – de cuidar da sua relação e dos seus amores todos os dias (por mais que, de vez em quando, tudo isso pareça merecer um imposto de luxo aos olhos dos filhos). E, já agora (sejam quais os rendimentos de que disponham) os avós exigem que lhes esteja autorizada a função de olharem pelas mesadas dos netos, mas que lhes sejam vedadas as contribuições extraordinárias de solidariedade com que os filhos, vezes demais, vivem acima daquilo que podem, como se aos avós estivessem proibidos os pequenos caprichos ou os prazeres mais requintados com que a vida ganha em brilho e em paixão, que os torna melhores avós quando guiam filhos e netos no seu amor pela vida.
Os avós recordam que não são um encargo: são uma bênção!
E, advertem que os sábios nunca são velhos! São, isso sim, um ror de vezes, simplesmente, avós. Só avós. E, nada mais que avós.