Quando chegará a Igualdade de Género?

Clara Não // Agosto 26, 2021
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Hoje é o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Este dia comemorativo foi criado para exaltar as conquistas das mulheres ao longo da história na luta pela igualdade de género. No entanto, hoje convido-vos a não só celebrar a liberdade que as mulheres conseguiram alcançar, como também a refletir no que ainda é preciso mudar. Que não vivamos numa contínua conversa de café, com os típicos “podia ser pior”, mas foquemo-nos antes no que ainda é preciso mudar e como poderia ser melhor. Este texto é apenas uma introdução ao problema mundial que vivemos. 

No nosso contexto português e europeu, temos o privilégio de não ter de lidar diretamente com casos de extrema desigualdade social: vivemos numa democracia; temos acesso a casas de banho públicas; liberdade para vestir (mesmo que sejamos olhadas de lado pelas senhoras detentoras do “código de conduta de indumentária conforme a idade” e dos senhores que, passo a expressão, “nos comem com os olhos”); não vivemos em guerra; e temos leis e associações que protegem as vítimas de violência de género. No entanto, embora hoje em dia já não seja legal que o marido controle o emprego da esposa, como era no tempo da ditadura, e já não seja aceitável perante a lei que o marido bata na mulher quando ela não lhe obedeceu, a nível social, as coisas estão muito aquém da igualdade que nós pretendemos — nós, que acreditamos que todos os géneros devem ser tratados com equidade.

Antes de avançarmos, entenda-se que esta dita igualdade de género — o Feminismo — tem em consideração as características biológicas diferenciadas. 

Por exemplo, um homem cis — pessoa que nasce com sexo masculino e se identifica como homem —, tem uma tendência biológica para ser mais forte fisicamente do que uma mulher cis — pessoa que nasce com sexo feminino e se identifica como mulher — de estilo de vida semelhante. Também sabemos que um homem cis não está apto a engravidar, logo não lhe podemos exigir que engravide em vez da mulher. Eu adoraria, seria lindo, mas ainda não é possível um homem cis seguir essa parte do lifestyle de um cavalo-marinho. Deste modo, a base do Feminismo, da igualdade de género, é a equidade, a delegação, o equilíbrio, a distribuição igual de poder.

Falemos agora da igualdade laboral. Não existe. 

Os cargos de poder e de decisão são maioritariamente ocupados por homens, e ainda mais por homens brancos. Isto é um facto, não há como refutar. A partir deste, repito, facto, voltemos atrás para o tempo de escola. Quem são consideradas as pessoas mais bem-comportadas e responsáveis? As raparigas. Então, por que razão do além fará sentido que a sociedade confie mais em homens para exercerem cargos de elevada responsabilidade? Não faz sentido nenhum. Será que um pénis adulto nos faz tomar melhores decisões? Poupem-nos. Se assim for, que os vendam em formatos porta-chaves, ou em versão caneta, para levarmos para as reuniões da empresa. As profissões são para quem tem capacidade de as executar e não para um género específico.

Neste mundo de desigualdade profissional, existe um telhado de vidro para as mulheres: parece que podem prosseguir na carreira como um homem, mas depois não. Claro que há exceções, mas ainda são muito raras e com um caminho de imensos obstáculos. Quanto mais mulheres houver em cargos de topo, mais representatividade haverá, e mais meninas quererão seguir as pegadas das mulheres de garra que vêem, porque sabem que é possível, porque conhecem exemplos. 

Não obstante, não podemos negar que assistimos ao crescimento do papel da mulher no campo profissional. Mas será que assistimos a um crescimento igual por parte dos homens em relação aos encargos domésticos? 

Em muitas casas, o trabalho profissional tornou-se mais uma das coisas a acrescentar à lista diária laboral das mulheres: trabalhar, cozinhar, cuidar das crianças (seja o caso), limpar a casa, etc.. E nisto tudo, num contexto heterossexual, o pai das crianças/parceiro não deve ajudar? Não, não deve “ajudar”, deve partilhar as tarefas. Cuidar da casa é uma tarefa para as pessoas que vivem na casa, não para um género ou para o outro (não nos esqueçamos que uma família pode ter muitas formas). 

Mais periclitante é haver muita gente que realmente considera que as mulheres são mais aptas a cuidar das tarefas domésticas que os homens. Não, apenas foram ensinadas desde pequenas que essa era a tarefa essencial da mulher: viver para servir as outras pessoas. E foram ensinadas por quem? Por outras mulheres: a mãe ensina a filha. Esta passagem de ensinamentos do que é ser mulher foi afincadamente proclamada na época do Estado Novo e ainda vive entre nós (há coisas que realmente já passaram o tempo de validade, mas continuam a ser publicitadas como topo-de-gama-solução-ideal). Por esta razão, há mulheres machistas na linha da frente do desfile da sociedade prontas para julgarem outras mulheres. Aproveito o carácter doméstico deste parágrafo para afirmar que nem todas as mulheres querem ser mães, e não precisam de razões para isso. Só porque a maternidade é extremamente importante e essencial para uma mulher, não quer dizer que o tenha de ser para outra. Não, não está na altura de eu arranjar uma criança, D. Francelina. 

Todo este contexto de desigualdade, de julgamento, gera situações graves, como os femicídios, a violência obstétrica, o assédio, a culpabilização da vítima, o slut-shaming, a falta de literacia corporal e o pudor pelo prazer sexual da mulher. 

Além disso, há que considerar todas as mulheres nesta luta pela igualdade: mulheres cis e trans, de todas as cores de pele, de todas as orientações sexuais, de todas as religiões, contextos geográficos, económicos e políticos. Devemos ser empáticas e abrir os nossos olhos para o que se passa para lá da nossa bolha. Neste sentido, sugiro a leitura do livro “Mulheres Invisíveis”, de Caroline Criado Perez, que fala de algumas questões acima referidas de forma mais extensa e de imensos problemas de desigualdade de género em todo o mundo. Tendo em conta esse panorama, todo o discurso que fiz acima é um discurso de privilégio, de uma mulher que se pode dar ao luxo de se preocupar com direitos no trabalho e divisão de tarefas domésticas, ao invés de ter de “sobreviver” como máxima tarefa diária. Deste lado do privilégio, devemos procurar apoiar associações — e entrar em contacto com elas caso necessário — que lidam diretamente com problemas de desigualdade de género, como a APAV, a Associação Plano i, a CIG, a Unicef, etc.; e fazer por garantir a discussão da Igualdade de Género, com exemplos reais, em casa e nas escolas. 

Dito isto, quando chegará a igualdade de género? No dia em que todas as mulheres puderem sair à rua sozinhas sem medo de sofrerem de violência e de serem julgadas. 

Enquanto isso não acontecer, teremos de lutar com força, através do nosso exemplo, através do apoio entre mulheres. Que todas as mulheres se unam e se elevem umas às outras.

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