Ser psicóloga/o deverá ser uma escolha consciente. Consciente de como vamos cuidar, escutar, orientar para caminhos. Aprender a lidar com o sofrimento do outro, ouvir as tristezas, angústias, desesperos, desilusões, desamores e inúmeros conflitos. Aprender a escutar, por vezes sem podermos dar logo a solução. Aprender a lidar com os processos de transferência quando nos falam de um filho hiperactivo, de um processo de divórcio, de uma morte de alguém querido. Tudo isto é um processo de uma vida para nos tornarmos líderes no cuidar, desenvolvendo uma comunicação assertiva, sem ofender, sem criticar, sem fazer juízos de valor. Mesmo tendo sentido crítico e valores pessoais.
Quem nos ouve? Quem nos entende? Como lidar com a nossa profissão?
Quem temos de ouvir em primeiro lugar? Eu diria que a nós próprios. É também uma capacidade a adquirir, parar para reflectir que existem consequências nos processos terapêuticos. Aprender em cada caso quais as distâncias sem perdermos a empatia e nos tornarmos insensíveis ou querer à força resolver os problemas dos outros.
Apesar de a maioria de nós acharmos que estamos num lugar seguro, de ouvinte, temos de aprender a lidar com o trauma que pode surgir ao escutar os constantes apelos de ajuda e relatos de história recheadas de sofrimento. É uma expectativa falsa e que pode trazer consequências quando não nos cuidamos.
Sentimentos de impotência, lidar com expectativas, medo de errar, culpa, isolamento social, dúvidas sobre a existência humana e foco no sofrimento podem ser possíveis sinais que podem levar a depressão, a crises de ansiedade e doenças psicossomáticas no psicólogo.
O psicólogo que cuida tem de estar cuidado, de ser cuidado.
Ao longo da minha carreira e vida pessoal fui percebendo a enorme necessidade de me auto-cuidar. Desenvolver confiança interior no caminho pessoal de autoconhecimento e adquirir ferramentas de assertividade desenvolvendo uma atitude de humildade e esperança no processo de cuidar.
Uma profissão que se constrói cuidando dos outros, num investimento pessoal e partilhado.
Não foram os livros que me mostraram como ser psicóloga. Os manuais deram-me ferramentas, orientações, mas é na experiência do dia-a-dia, muitas vezes na tentativa erro, no desafio com as pessoas que cuido, com os mestres e colegas que cruzei academicamente, onde vou buscar o cuidar da minha vocação. Pessoas únicas, histórias diferentes, com necessidades e emoções diferentes.
Também aprendi a impor limites sociais, informar os amigos e familiares que não estamos sempre a analisar tudo ao nosso redor ou que não temos a capacidade de ler mentes ou prever o futuro, são frases que ouço muitas vezes. Agora já não me importo, mas quando comecei a minha profissão há 16 anos fazia-me confusão e, por vezes, sentia que tinha de corresponder a esse estigma do psicólogo.
Como qualquer paciente, tenho a minha história pessoal, a minha família imperfeita, os meus dilemas e problemas. O psicólogo deve aceitar esta parte de si e trabalhar continuamente, aceitando-se como um processo da sua actividade profissional. É nessa atitude que aparece a destreza na empatia e a generosidade em ajudar o outro.
Partilhar com os colegas emoções sentidas, casos difíceis, sair da capa de “super-heróis da mente” ajuda e tranquiliza dúvidas e ansiedades.
Sempre pratiquei atividades lúdicas que me davam maior clareza. Há 5 anos encontrei no crossfit momentos de auto-superação física, mas é no mar, onde pratico a modalidade do kitesurf e me sinto livre e mais capaz, duas qualidades essenciais para melhor cuidar do outro. Nestes momentos dedicados à minha pessoa, faço reset e recupero energias.
Como refere o recente livro da Fátima, “Ter o coração no sítio certo” parece-me uma boa frase para cuidar de quem cuida.