Muito se tem falado de saúde mental em Portugal e no mundo a propósito do impacto da pandemia. Têm sido divulgados números preocupantes, mas convém salientar que já antes da pandemia os números relacionados com a saúde mental eram elevados. Costumo dizer que a pandemia funciona um pouco como o vinho: in vino veritas, ou de outra forma, in pandemus veritas, e o que se encontra sob controlo, em termos de saúde mental, está a ser antecipado como outra pandemia no pós-covid: ansiedade e depressão. Com tanta reflexão sobre o que são emoções, trauma, ansiedade e relações interpessoais, a importância de recorrer a um profissional de saúde mental é por demais evidente. No entanto, se precisar de um PSI – psicólogo, psicoterapeuta ou psiquiatra – na hora de pedir ajuda pode sentir-se perdida/o com estes rótulos profissionais.
O que é a mente?
Tanto se fala de saúde mental que, por vezes, esquecemos conceitos base. A definição que adiante refiro ampara-se num autor, Dan Siegel, que criou um grupo formado por médicos, linguistas, filósofos, antropólogos, físicos e psicólogos para construir uma definição consensual de mente (consta que foi moroso e difícil).
A mente não é o cérebro, o crânio, uma essência, uma energia ou uma entidade abstrata. O grupo definiu a mente como o processo que regula o fluxo de energia e informação trocadas entre a pessoa e o seu contexto. Assim, a saúde mental reflete um processo de otimização na organização e integração da pessoa com o mundo. Quando esse processo deixa de funcionar, precisamos de alguém que nos ajude a repor o equilíbrio.
Os que medicam e os que acompanham
A grande diferença entre psiquiatria e a psicologia/psicoterapia é o uso ou não de medicação no processo de ajuda.
Os psiquiatras, dotados de formação médica específica, serão os profissionais indicados em casos de profundo desequilíbrio mental, caracterizado pela acentuada incapacidade da pessoa em gerir o seu dia a dia, de ser funcional. O grau de depressão e ansiedade pode variar, mas quanto mais grave for mais se justifica uma ajuda coadjuvada por fármacos. Um bom psiquiatra é inestimável: observa a pessoa, faz um diagnóstico diferencial e medica-a o q.b. a fim de que esta recupere a sua autonomia funcional sem gerar dependência da medicação prescrita.
Outras vezes o grau de funcionalidade mantém-se, mas o mal-estar instalou-se… aqui é mais importante encontrar um profissional que promova um ambiente de confiança, sem julgamento e de escuta ativa. A “cura pela fala” é um facto e, para quem duvide, sugiro que se lembre das vezes que falou sobre um tema difícil com alguém de confiança, como um familiar ou amigo. Ao falarmos em voz alta a primeira pessoa a quem explicamos o problema é a nós próprios, sendo que ao comunicarmos, criamos perspetiva sobre o assunto. É certo que escrever diários (journaling) pode ajudar, mas somos seres de relação que procuramos os outros para nos acalmar ou animar. Por isso, pode haver um momento em que precise de um profissional para o ajudar a lidar com temas que lhe trazem culpa, vergonha ou ansiedade e não quer sobrecarregar terceiros, que podem sequer não estar disponíveis para o efeito.
Psicologia ou psicoterapia?
A possibilidade de compreender e procurar conhecer a nossa identidade é recente, menos de 100 anos. Sem dúvida que ao longo dos séculos muitos filósofos, poetas, romancistas e estudiosos refletiram sobre o autoconhecimento, a condição humana e sobre o que somos. Mas a generalização destes processos de autoconhecimento surgiu após salvaguarda de outras necessidades básicas, ilustradas pela Pirâmide de Maslow.
Na psicologia e na psicoterapia encontrará profissionais adequados a ajudá-lo a percorrer o caminho do autoconhecimento. Em que é que se distinguem? A psicoterapia (terapia da mente) surgiu com Freud e a psicanálise, incidindo sobre o estudo da mente apoiado num corpo de conhecimentos e método próprios que nos últimos 100 anos originou mais de 400 escolas de psicoterapia. A psicologia surgiu como ciência do estudo do bem-estar psicológico e da promoção na sua melhoria, abrangendo 3 grandes áreas de intervenção: clínica, organizacional e educacional. É na área clínica que encontra os psicólogos (clínicos) habilitados para fazer um acompanhamento adequado e promotor de bem-estar.
Então, há ou não diferenças?
Sim, um psicólogo pode também ter o título de psicoterapeuta, mas um psicoterapeuta pode não ser psicólogo. Um psicólogo pode obter uma especialização em psicoterapia, aprofundando os seus conhecimentos em determinada intervenção, com a obrigação fazer terapia pessoal, prática clínica supervisionada e um número mínimo de horas de aprendizagem teórica. O contrário não se verifica: seja um médico, assistente social ou um enfermeiro, o título de psicoterapeuta habilita-o a fazer este tipo de acompanhamento terapêutico, mas recairá sobre a instituição que lho atribuiu a responsabilidade pelo ensino dos pilares conceituais que definem um ser humano.
Nota relevante sobre esta escolha: o título de psicoterapeuta carece de regulação em Portugal (e em muitos países da Europa). Assim, há profissionais que designam o seu trabalho de psicoterapia sem terem qualquer aprendizagem formal neste tipo de intervenção. Proteja-se no momento da escolha do profissional, sugerindo ainda que consulte aqui quais as sociedades e associações de psicoterapia que têm protocolo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Psicologia, psicoterapia ou psiquiatria: o que é mais adequado para mim?
Caso lhe seja sugerido algum profissional de intervenção terapêutica consulte o seu currículo para saber se a sua formação é suficiente e adequada a essa intervenção.
Um processo de acompanhamento psicológico bem feito produz uma mudança profunda no bem-estar continuado de quem procura um PSI. No entanto, é importante que procure o PSI que mais se ajuste às suas necessidades e que este saiba honrar a escolha de ter sido por si eleito para fazer esse Caminho.