Porque precisamos de provar quem somos?

Cláudia Morais // Janeiro 15, 2020
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Muitos de nós sentimo-nos permanentemente em esforço, como se tivéssemos de estar sempre a provar que somos suficientemente bons. Suficientemente bons profissionais, suficientemente bons amigos, suficientemente bons pais e por aí em diante. Interiormente somos profundamente autocríticos, reparamos em todas as nossas falhas e fazemos muitas autoafirmações que traduzem a sensação de não termos valor suficiente.

Na verdade, recebemos muitas mensagens profundamente críticas desde muito cedo. Dos nossos bem-intencionados pais, dos nossos professores, dos nossos amigos e da comunicação social. Ouvimos repetidamente que precisamos de estudar para sermos “alguém” na vida. Ouvimos as pessoas que mais amamos compararem-nos com os outros (“Porque é que não te portas como o teu irmão?”, “Quem é o melhor aluno da tua turma?”). Recebemos os mais rasgados elogios quando nos “portamos bem”, quando emagrecemos ou simplesmente quando cumprimos com as expectativas (“Lindo(a) menino(a)! Assim é que eu gosto de ti”). Vemos a forma como as pessoas à nossa volta medem o “sucesso”: Primeiro, pelas notas académicas, depois pelo ordenado, pelo tamanho da casa e do carro, pelo número de amigos, etc. Sentimo-nos invariavelmente pressionados a dar o nosso máximo para corresponder às expectativas que os outros têm em relação a nós, como se só assim fossemos dignos do seu amor. Como se só assim ficasse provado que temos valor.

Não precisamos de ser perfeitos para ter valor.

A sensação de que o nosso valor é insuficiente está profundamente associada ao perfecionismo. Quantos de nós são incapazes de relaxar num dia de folga? Quantos de nós são incapazes de saborear uma vitória, fixando a mente no que correu menos bem? Quantos de nós só se sentem “bem” se estiverem permanentemente a trabalhar até tarde, sacrificando horas de sono, a qualidade das relações pessoais ou a própria saúde? Trabalhamos em excesso para nos sentirmos valorizados – seja sob a forma de elogios, compensações financeiras, prémios ou promoções. É como se, se não o fizéssemos, não fossemos dignos. Mas, isso é simplesmente uma grande mentira. O nosso valor não tem rigorosamente nada a ver com perfeição ou com excessos de qualquer natureza. Todos temos valor e isso é independente do nosso “sucesso”. Mais: ser bem-sucedido(a) tem mais a ver com a capacidade de olhar para dentro, para o que nos faz felizes, independentemente do que os outros acham ou esperam de nós.

Mas, não é só no trabalho que sentimos a pressão para sermos perfeitos. Quantas vezes nos esforçamos, perante os nossos familiares e amigos, por demonstrar as nossas competências enquanto pais e mães? Quantas vezes camuflamos falhas e imperfeições, procurando transmitir a ideia de que somos pais e mães perfeitos? E quantos de nós não se sentem profundamente tristes e envergonhados quando os nossos filhos se “portam mal”, como se esses episódios fossem a “prova” do nosso próprio desvalor, da nossa insuficiência?

Como psicóloga e terapeuta familiar, tenho conhecido pais e mães extraordinários – daqueles que colocam verdadeiramente os interesses dos filhos em primeiro lugar e que se esforçam por mostrar o seu amor incondicional. Mas, nunca conheci nenhuma pessoa que pudesse ostentar o título de pai perfeito ou mãe perfeita. Então, por que suamos tanto para que sejamos vistos como pais e mães modelo? Por que não confiamos no nosso valor?

Todos temos valor, todos somos dignos de amor.

Quando colocamos todas as nossas fichas na validação externa, vivemos em busca da aprovação dos outros e paramos pouco para apreciar o nosso valor, o nosso esforço e aquilo que nos faz genuinamente felizes. É como se estivéssemos sempre à espera que alguém nos dissesse “Bom trabalho!” e, quando isso não acontece, sentimo-nos frustrados.

As pessoas que gostam de nós até podem não conseguir mostrar sempre de forma clara o seu amor ou o seu apreço pelos nossos feitos. E está tudo bem. Isso pode simplesmente querer dizer que andam distraídas com os seus próprios desafios. Do mesmo modo, as pessoas com quem trabalhamos podem não ser capazes de reconhecer sempre o nosso valor. Às vezes, o facto de um patrão ser demasiado exigente pode querer dizer só isso mesmo: que ele é demasiado exigente.

De vez em quando cruzo-me com pessoas que mostram muita dificuldade em reconhecer o seu valor em contexto profissional. Algumas têm dificuldade em cobrar o valor justo pelos seus produtos ou serviços, acabando por ter de trabalhar muito mais horas do que seria desejável para obterem um rendimento digno. Outras estão permanentemente em ações de formação – não tanto porque se sintam estimuladas pelo conhecimento que daí advém, mas porque simplesmente se sentem inseguras do seu valor, da sua experiência.

Olharmos para nós exatamente da mesma maneira como olhamos para os nossos filhos, para um bom amigo ou para alguém que amamos de forma incondicional é essencial para que reconheçamos o nosso valor. Se pensarmos nas pessoas que mais amamos, aquelas a quem nos sentimos mais ligados, fica claro que elas não precisam de ter um doutoramento ou uma conta bancária recheada para serem merecedoras do nosso amor. Também não precisamos que os nossos filhos sejam médicos ou engenheiros para que lhes reconheçamos valor. Desejamos, isso sim, que eles explorem as suas capacidades, o seu potencial, e que isso contribua para a sua felicidade. As pessoas que mais amamos não precisam de ser as melhores em tudo para que lhes reconheçamos valor. Simplesmente sabemos que cada uma tem o seu valor, independentemente das suas falhas ou imperfeições. E se olharmos para nós exatamente da mesma forma? Que diferença é que isso pode fazer?

Nem todos crescemos num ambiente familiar que permitisse que desenvolvêssemos uma forte autoestima, mas vamos sempre a tempo de a fortalecer. Quando paramos para observar os pensamentos negativos que dirigimos a nós próprios por cada vez que falhamos, damo-nos conta de que podemos travar esse discurso destrutivo e substitui-lo por um mais justo, mais compassivo.

O que é que diríamos a um amigo que é reconhecidamente um bom profissional na sua área depois de uma falha? De que forma o ajudaríamos a lidar com o medo? De que forma o incentivaríamos a enfrentar novos desafios? Com palavras encorajadoras, nunca com críticas.

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