Porque nos mantemos em relações tóxicas?

Diana Gaspar // Fevereiro 8, 2022
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Mais do que por vontades, motivações ou desejos somos movidos por necessidades. Das mais básicas e simples como – dormir, o toque, comer e beber – às mais complexas como as necessidades espirituais, são as necessidades de afeto, pertença, valorização, segurança, proteção e reconhecimento as mais fortes, e aquelas que nos movem e nos motivam em grande escala. São elas que nos levam a investir nos vários tipos de relacionamentos, mas também a suportar grandes loucuras, dores, desafios e relações tóxicas. Isto significa que se nos mantemos em determinadas relações é porque acreditamos que precisamos delas e que sem elas não conseguimos satisfazer necessidades afetivas e relacionais. Mas será que vale tudo para mantermos a satisfação destas necessidades afetivas? 

Temos mesmo de viver intoxicados para não perdermos as nossas fontes de amor? 

Não, claro que não, até porque o amor (nas suas várias formas), embora traga sempre alguns desafios e ajustes, que nos podem tornar tóxicos em alguns momentos ou circunstâncias, é em si uma energia limpa, que nos faz crescer mais do que sofrer, e que nos deve faz sentir melhor do que pior. 

Mas vamos por partes, Alain Botton, diz-nos que “não existimos a menos que haja alguém que nos possa ver existindo, e que o que dizemos não tem sentido até que alguém nos possa entender”, isto significa que há em todos nós esta necessidade de sermos vistos, ouvidos e compreendidos, principalmente durante a infância, para nos sentirmos pessoas amadas. Quando estas necessidades não são satisfeitas e organizadas na infância, podemos andar uma vida inteira à procura de algo ou alguém que nos preencha, que mostre ou confirme que somos dignos de atenção e, por isso, de amor. E é, resumidamente por isto, que nos mantemos em relacionamentos tóxicos  –  quando sentimos que alguém nos preenche estes vazios por afirmar que gosta de nós, mesmo que nos trate mal ou desequilibre. 

Quando numa relação, mais do que uma partilhar amor e um projeto de vida, nos movemos pela necessidade de valorização e atenção, corremos o risco de delegar para o outro a satisfação desta necessidade e de precisarmos daquela pessoa para nos sentirmos amados. 

Não estamos com o outro porque o amamos e ele nos ama, mas porque precisamos e dependemos. Antecipamos assim, sentimentos de solidão, abandono, perda, angústia e rejeição – que poderá ser, na verdade, uma interpretação que já vem de trás, da infância ou da adolescência, e não desta relação em si. 

Diria mesmo, que nos mantemos dependentes de uma relação que nos faz mal quando nos movemos na procura do amor de alguém ou de sermos importantes pelo menos para uma pessoa. Muitas vezes procuramos nos relacionamentos, para além da partilha de um sentimento e de um projeto de vida, aquilo que nunca sentimos pelas nossas figuras vinculativas ao longo da vida: amor, valor, beleza, segurança, confiança, suporte e atenção. Quando nos mantemos em relacionamentos que nos fazem pior que melhor, onde nos sentimos maltratados, desrespeitados e/ou usados, mantemo-nos, acima de tudo, porque acreditamos que não temos valor suficiente, que sem aquela pessoa não somos ninguém, que sem aquela pessoa perdemos conforto ou segurança, ou que sem ela não vivemos. Há mais crenças associadas a este tipo de relacionamentos, mas acredito que a maior parte são expressos desta forma. 

Significa isso que nos mantemos e alimentamos relações tóxicas quando, mesmo que a sofrer, achamos que aquela relação é melhor que qualquer vazio.

Na verdade, e como digo nos meus livros, tóxicos somos todos nós em maior ou menor grau, isto porque, todos podemos sentir inveja, ciúme, manipular, mentir, oprimir, criticar com ou sem consciência disso, a diferença está na intensidade, frequência e manifestação com que o fazemos e influenciamos quem connosco vive e está. Esta é a diferença entre sermos todos imperfeitos nas nossas vivências humanos, e sermos tóxicos. 

Por outro lado, para haver este tipo de relacionamentos é preciso que haja espaço na relação para este tipo de energia se manifestar, isto porque se se relaciona com alguém que o manipula por ter muitos ciúmes, por exemplo, só vai ser manipulado se se deixar manipular e se não souber colocar os seus limites. 

Os ciúmes e a manipulação só crescem e ganham estrutura dentro de um relacionamento quando permitimos, alimentamos e deixamos que vivam em nós.

Bem sabemos, o quanto é difícil dizer “não gosto; incomoda-me; não quero; não permito” e tanto mais, quando amamos e queremos viver uma história de amor com aqueles de quem gostamos, mas não vale tudo. E é aqui que entra o desafio de nos mantermos a explorar o nosso equilíbrio e saúde ou resvalar para relações que nos destroem e nos colocam na linha do desequilíbrio e da dor. 

Assim sendo, se sente que está num relacionamento tóxico deixo-lhe o convite para refletir sobre que tipo de necessidade que está esse relacionamento a preencher; que se questione sobre o que lhe faz estar num contexto que o faz mais sofrer do que crescer com desafio e entusiasmo, e que limites precisa de semear ou desenvolver dentro de si para se libertar desta toxicidade. 

Quando é a sua saúde mental e o seu equilíbrio que estão em causa, nada poderá ser mais importante do que as escolhas que faz para si. 

Termino dizendo que, mais do que culpar o outro por tudo o que ele lhe faz, pergunte-se o que está  a fazer para permitir que o tratem assim. Peça ajuda, cuide de si e responsabilize-se pela vida que só à força das suas ações pode mudar e recomeçar.

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