A palavra Parentalidade
Quando escrevo a palavra parentalidade nos programas de processamento de texto aparece sempre aquela risca com ondinhas debaixo, indicando que a palavra está errada. Aliás, aconteceu agora mesmo. O programa quer corrigir para “parental idade”.
Lembro-me bem de quando comecei a falar em parentalidade consciente, não só a expressão em si, como a palavra “parentalidade” causava alguma confusão. Há uns anos a palavra nem sequer constava nos dicionários portugueses. Mas agora já encontramos definições. É um substantivo feminino que significa 1. Qualidade do que é parental. 2. Estado ou condição de quem é pai ou mãe (ex.: direitos de parentalidade).
E ao pesquisar pela palavra online encontro 1 290 000 resultados, tenho a certeza que vai aumentar. Pois a parentalidade, está na moda. E ainda bem! Podemo-nos questionar dos porquês, mas o mais importante para mim é que cada vez mais pessoas estão a olhar para a sua parentalidade, conscientemente.
Parentalidade Consciente
Praticar uma parentalidade consciente quer dizer que temos consciência dos nossos atos, sabemos porque fazemos o que fazemos, e fazemos o que fazemos como uma escolha consciente alinhada com as nossas intenções. Para isso acontecer, é necessário algum trabalho, não com as crianças, mas o trabalho de desenvolvimento pessoal por parte dos pais.
Ainda há muita gente que acredita que a prática de parentalidade consciente tem a ver com as ferramentas, os métodos e as estratégias que utilizamos para educar as crianças e gerir os seus comportamentos; que a parentalidade consciente é definida por uma “caixa de ferramentas” de parentalidade diferente daquela que é o mais habitual.
Embora seja verdade que a prática de uma parentalidade consciente significa não colocar a criança de time out, não utilizar castigos ou recompensas, reconhecer em vez de elogiar, não utilizar palmadas etc., estas ferramentas e estratégias surgem como uma consequência direta e natural de um trabalho interior e um questionamento feito pelos pais e cuidadores que a praticam.
A prática da parentalidade consciente requer uma abertura por parte dos pais de olhar para dentro, de reconhecer a influência da sua própria educação, de questionar hábitos e crenças culturais, de assumir responsabilidade por aquilo que necessita de ser sarado, de assumir responsabilidade pelos seus pensamentos, os seus estados emocionais e o seu comportamento.
Parentalidade “tradicional”
Desde que comecei a falar do tema, no início desta década, o interesse tem aumentado exponencialmente. E as críticas também. Nos dias de hoje temos os grandes adeptos, e os que ainda não entenderam que não estamos a falar de uma parentalidade permissiva e que as bases não são “hippie”, são da ciência.
Cada vez mais pessoas sentem, e percebem, que a prática mais tradicional da parentalidade não está a funcionar. Veem, pela sua experiência própria, que as formas tradicionais de disciplinar e de punir, a autoridade imposta e o controlo, resultam em lutas de poder, desconexão, rebeldia e uma dependência de inventar castigos cada vez mais severos.
Esta parentalidade é uma parentalidade baseada em hábitos, crenças antigas e as próprias experiências de infância. Uma parentalidade que não foi questionada.
Curiosamente, na nossa sociedade, quando estas estratégias não funcionam existe um grande número de pessoas que diz que temos de aumentar a intensidade, utilizar mais do mesmo. Mais castigos, mais reprimendas, e mais palmadas. A criança é tratada como um objeto que se tem de gerir.
Nestes casos as crianças têm duas escolhas, mais rebeldia ou a submissão (que é quando as estratégias “funcionam”). Nenhuma das escolhas é boa para a sua saúde mental e emocional, de ninguém.
Na busca de algo diferente alguns pais tornam-se permissivos, quase um extremo oposto. As crianças ficam à deriva, talvez à procura de limites, mas acima de tudo à procura de contacto. Tudo anda à volta da criança. E uma criança que está sempre no centro, não se sente parte do todo. Mas isto não é parentalidade consciente. De todo. O problema torna-se parecido quando a criança, na parentalidade tradicional, tem de se esforçar e demonstrar que merece fazer parte (que só acontece quando se porta bem).
Depois temos ainda os permissivos que em momentos de muito stress e frustração se transformam em verdadeiros ditadores autoritários e a confusão para as crianças é muito grande.
A prática da parentalidade consciente
A parentalidade consciente propõe um foco na vida interior do pai ou da mãe, o “bom comportamento” consegue-se através da conexão com a criança e o entendimento das suas necessidades, sem serem precisos castigos e recompensas.
Os pais são altamente dedicados ao seu autoconhecimento e desenvolvimento pessoal e olham para a criança como um sujeito, uma espécie de professor. A intenção é que a criança faça sempre parte, não tem de lutar para fazer parte, nem a partir de um lugar “de fora”, nem a partir de um lugar onde ela é o centro de tudo.
Esta abordagem resulta numa conexão mais profunda, numa capacidade de influência grande, mais autocontrolo, melhor autoregulação e melhor gestão das emoções, por parte dos pais.
Algo que, cientificamente, nos demonstra resultar em maior bem-estar (de todos), maior autoregulação e mais colaboração por parte das crianças.
Há anos que se ouvem chamadas de atenção por parte dos profissionais que tratam da saúde mental dos adultos. E há cada vez mais alertas sobre a saúde mental das nossas crianças e jovens. Os especialistas (conscientes) apontam para um determinador essencial para termos em mente, a forma de exercermos a parentalidade.
É urgente praticarmos uma parentalidade baseada em amor e ciência. E não estou a falar de estudos que apenas avaliam comportamentos e a sua gestão. Estou a falar de neurociência, de estudos sobre vinculação, sobre trauma, sobre vícios, estudos sobre mindfulness e por aí fora. Temos cada vez mais evidências a mostrar o que realmente funciona se queremos educar crianças, e adultos, felizes que funcionam bem em sociedade.
O primeiro passo para alguém que ainda não refletiu sobre este tema é fazer duas perguntas: “Porque é que faço o que faço?”, “Qual é a minha intenção?” e mediante as suas respostas, entrar em ação. Assim, já estará a praticar parentalidade consciente.